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A moeda do futuro: entenda o mercado de carbono e seu impacto global

Na busca pela desaceleração do aquecimento global, o carbono se converte em crédito e já movimenta um mercado bilionário com causa nobre

Por Naiara Taborda
12 ago 2022, 08h42
mercado de carbono
Objetivo do mercado de carbono é ajudar países a cumprirem as metas de redução dos gases do efeito estufa. (marcin jozwiak/Pexels)
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Não é é exagero dizer que a humanidade enfrenta seu maior desafio socioambiental até agora: derrotar um inimigo invisível, mas que se faz sentir indubitavelmente. Alguém aí também está sentindo falta do inverno no Brasil, por exemplo? Pois não são só as variações nos termômetros que apontam para a crise climática. Os crescentes desastres naturais evidenciam o risco à sobrevivência de diversas espécies, incluindo a nossa. Se por um lado a Revolução Industrial permitiu avanços incríveis em praticamente todos os setores, por outro ajudou a elevar as emissões de gás carbônico a níveis considerados insustentáveis.

O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), lançado em 2021, não nos deixa mentir: se não reduzirmos as emissões em 43% até 2030, não conseguiremos limitar o aquecimento global em 1,5°C, considerado o teto para evitar consequências gravíssimas e irreversíveis. Contudo, vivemos em uma sociedade capitalista e falar de reduzir danos é também tentar convencer os grandes poluidores a cumprirem as metas, tudo isso sabendo que, para eles, o risco está nos lucros. Como fazer a conta fechar? Transformando os próprios gases do efeito estufa em “moeda”.

A ideia do mercado de carbono não é nova: ele teve seu início em 1997, durante a 3ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, realizada em Kyoto, no Japão. Mas só em 2015, no Acordo de Paris, ele realmente avançou. Na ocasião, 195 países chegaram a um consenso e assinaram o tratado que estipula metas para reduzir o ritmo de emissões em 37% até 2025, e 43% até 2030. O artigo 6° trata da negociação de créditos e reforça a necessidade de regulações específicas para incentivar e viabilizar seu comércio. Em 2021, na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (COP26), realizada em Glasgow, na Escócia, finalmente foram estipula- das as formas de funcionamento desse comércio de créditos a nível mundial entre países.

O funcionamento é, em teoria, simples. Definidos os tetos de emissão e os mecanismos de medição e controle em cada setor, quem ficou abaixo do limite ganha créditos, que podem, então, ser vendidos para as empresas que ficaram acima. O preço da tonelada de carbono pode ser definido pelo próprio país ou através de sistemas de comércio de emissões, os chamados cap and trade ou emissions trading system (ETS). Atualmente, 65 países ou regiões do mundo já contam com a precificação de carbono, incluindo México e Colômbia, e um crédito de carbono — equivalente a uma tonelada de carbono que deixou de ser emitido para a atmosfera — já chega a ser negociado a US$ 10 (!!!).

“A precificação de carbono é uma das ferramentas [para resolver a crise climática], e é muito eficiente onde já é aplicada por seu efeito de sinalização para o mercado”, comenta Natalie Unterstell, mestra em administração pública pela Escola de Governo John F. Kennedy, da Universidade de Harvard. Mas como isso funciona? “[Ao taxar o carbono] você faz com que a poluição que nos afeta seja imputada por quem realmente as emite. Você coloca o custo de uma forma direta, e isso faz com que os poluidores busquem formas mais eficientes de produção”, explica Natalie, que também é secretária adjunta do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC) — e contribuiu como negociadora do Brasil nos assuntos de mudança do clima da ONU.

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Por aqui, o cenário é um pouco mais complicado. Apesar de ser signatário do Acordo de Paris, o Brasil ainda não deu os primeiros passos em direção ao mercado regulado. Mesmo que na prática essa regulação afete apenas 16% das nossas emissões, já que a maioria é proveniente do desmatamento, ela é vista como essencial tanto pelos agentes mais conservadores do comércio e indústria, quanto pelos mais vanguardistas. “No momento, temos um governo que não está atuando nesse sentido. Se não construirmos nosso próprio mercado regulado, essa turma, quando exportar para a Europa, será taxada lá e pagará lá o preço do carbono. Regulamentar internamente vai evitar que a gente seja forçado a operar com a regra dos outros”, detalha Natalie Unterstell.

mercado de carbono – reflorestamento
Enquanto o país não regulamenta seu mercado de carbono, o voluntário se firma como uma opção para que empresas e sociedade civil façam suas compensações. (Foto:/Getty Images)

O mercado de carbono voluntário

Se ainda patinamos no mercado regulado, o voluntário — que tem os créditos gerados auditados por entidades independentes — está a todo o vapor: segundo a consultoria McKinsey, ele movimentou US$ 25 milhões só em 2021, o equivalente a 17 milhões de toneladas de carbono capturados e convertidos em créditos. Apesar de não serem contabilizados nas metas de redução do Acordo de Paris, eles já são considerados uma estratégia de ESG e ajudam empresas a se diferenciarem, participando de índices de sustentabilidade e rankings que são vistos de maneira positiva pelos consumidores.

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Cris Dios, sócia fundadora do Grupo Laces, foi uma das empresárias visionárias a enxergar no mercado voluntário o potencial de fortalecer ainda mais a pegada sustentável de suas marcas. Depois de seis anos compensando emissões com a Carbon Limited, surgiu a oportunidade de adquirir a em- presa de compensações — e ela não hesitou. “Fizemos isso porque entendemos que faz sentido não só compensar, como também colocar isso mais disponível para todas as pessoas”, explica. Hoje, ela neutraliza 100% do carbono gerado por seu ecossistema de empresas (Laces and Hair, Aveda e o e-commerce Slow Beauty), e alguns de seus principais fornecedores já aceitam parte do paga- mento em créditos de carbono. Não à toa, este ano, ela representará o Brasil na COP27, que acontece em novembro no Egito.

Apesar de ainda não cobrir nem 10% das emissões do país, o mercado voluntário atua como um complemento bem-vindo, e será sempre uma opção para aqueles setores que nunca serão regulados, mas que tem interesse na redução dos gases do efeito estufa. “Ele é eficiente para o objetivo central, que é combater o aquecimento global. Contanto que os setores não sejam os mesmos, eles [regulamentado e voluntário] são absolutamente complementares. Tudo o que estiver fora do desenho [do mercado regulado] pode ser desenvolvido no mercado voluntário”, reforça Laura Albuquerque, gerente de finanças sustentáveis da Way Carbon. Os créditos gerados nele, aliás, podem sim ser vendidos para empresas que estão nos setores regulados pelo formal, tornando essa sinergia ainda mais positiva.

Outro ponto interessante, lembra Natalie, é a oportunidade de inovação e criação de outras metodologias que podem, no futuro, contribuir ainda mais para que as metas sigam sendo cumpridas. “É aqui que a inovação acontece. Nós ainda não temos em nenhum lugar do mundo uma abertura para considerar créditos gerados a partir de carbono azul, ligado ao mangue e aos oceanos, mas o mercado voluntário já está testando e experimentando isso”, aponta. Seja pela oportunidade financeira ou pela crescente consciência ambiental, o mercado de carbono é hoje ferramenta central para que possamos atingir as metas. O futuro bate à porta, e depende de nós que ele não seja desolador.

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Você também pode compensar!

Se você também quer fazer a sua parte no controle das emissões de carbono, temos uma boa notícia: assim como Natalie Unterstell faz há anos, já é possível para a sociedade civil neutralizar os gases gerados em viagens de carro ou avião. “Você pode fazer isso pela própria companhia aérea, ou comprando da ONU. Ela tem um canal onde podemos escolher projetos dos quais queremos comprar os créditos – e existem projetos do mundo todo – de maneira segura e barata.” O site é offset.climateneutralnow.org.

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