Testei positivo para HPV, e agora? Entenda o que fazer
O HPV é a infecção sexualmente transmissível mais comum no país. Como devo agir se me contaminar?
Você provavelmente já ouviu falar no HPV, apontado como um fator de risco para o câncer de colo de útero. E, acredite, ele não é realidade distante: de acordo com uma pesquisa feita pelo Ministério da Saúde, 54,6% da população brasileira é portadora do Papiloma Vírus Humano, a Infecção Sexualmente Transmissível mais comum no país. 2 a cada 3 mulheres já teve contato com o mesmo.
Mas se você se infectou, não é necessário entrar em pânico: existem diversas informações sobre o HPV que você deve saber antes de se desesperar. Beatriz (nome fictício), de 22 anos, testou positivo há 2 anos, e lembra-se até hoje que ao chegar no consultório médico e perguntar se seu caso era perigoso (mesmo não sendo) recebeu uma resposta fria e despreparada de uma profissional da saúde: “Todo HPV é perigoso, você deveria ter se prevenido.”
A desinformação sobre a contaminação por esse vírus e as respostas para perguntas básicas com histórias ilógicas encontradas no Google e em sites de busca, podem desesperar uma paciente que acabou de descobrir a infecção. Tendo isso em vista, a CLAUDIA conversa com a ginecologista e obstetrícia formada pela USP e especialista em HPV, Carolina Corsini, para trazer as respostas para as perguntas mais frequentes sobre o assunto.
O que é o HPV?
O Papiloma Vírus Humano, ou HPV, é um vírus de transmissão principalmente sexual que pode causar verrugas genitais ou lesões que têm potencial de levar ao câncer de colo do útero, vagina, vulva, ânus e no pênis. O HPV não pode ser considerado uma doença, isso porque em muitos casos existe a presença do vírus em sua forma latente, mas ele não se manifesta na maioria das pessoas infectadas.
Como posso contrair o HPV?
A principal forma de transmissão do vírus HPV é através de atividade sexual. A doutora explica que a contaminação se deve, em sua maioria, por um contato prolongado e com atrito, e não ocorre através dos fomities (objetos contaminados que carregam infecções) apenas pele a pele ou mucosa a mucosa. A existência de verrugas externas facilitam a transmissão do vírus pelo atrito, pois são muito contagiosas.
Dá para pegar pelo sexo oral?
Sim, pode acontecer, mesmo não sendo a principal forma de transmissão. Geralmente ocorre quando há presença de verrugas. Os fatores de risco são baixa imunidade, tabagismo e alcoolismo.
Tenho chances de desenvolver câncer?
O vírus pode ser dividido em dois grandes grupos: o de alto risco e o de baixo risco. Os mais comuns de alto risco são os tipos 16 e 18, e para detectá-los é necessário fazer a cultura específica no exame de Papanicolau. O HPV de baixo risco não tem capacidade de provocar câncer e lesões malignas, pode apenas fazer lesões de baixo grau ou causar condilomas e verrugas. Já os de alto risco, não provocam lesões externas, mas estão associados às lesões malignas.
Todavia, a médica explica que mesmo os casos de alto risco quase nunca evoluem para um câncer. “Por volta de 90% das pessoas que tiverem contato com o vírus vão conseguir eliminá-lo espontaneamente. Os outros 10% não terão essa capacidade e podem ter progressão da doença, mas não necessariamente a nível de um câncer, pois a maioria, ainda dentro dessa porcentagem, consegue eliminar o vírus.”, conta Carolina.
A médica também ressalta a importância dos exames de rotina, do Papanicolau, Colposcopia e das idas frequentes ao ginecologista. “Hoje em dia com as técnicas que nós temos, é muito difícil que pessoas que têm acesso aos serviços de saúde e podem ser submetidas ao rastreamento com frequência venham a ter câncer, porque temos muitos meios de detectar e tratar as lesões anos antes.”
Quais sintomas posso notar?
O HPV pode permanecer de forma latente por muitos anos e demorar para se manifestar ou nunca se manifestar, dependendo da capacidade de remissão e imunidade da mulher infectada. Entretanto, o HPV de baixo risco, como dito anteriormente, pode provocar as verrugas e condilomas acuminados, como também lesões transitórias de baixo grau. Já o de alto risco não pode ser detectado por conta própria, é mais comumente encontrado por meio de exames e provoca lesões de alto grau ou malignas, que podem ser microinvasivas ou invasivas.
Nos dois casos, essas recebem o nome de Neoplasia Intraepitelial Cervical, ou NIC, que são uma replicação anormal das células do trato genital a ponto das mesmas perderem capacidade de diferenciação. Ao acometerem o terço inferior do epitélio, são chamadas de Neoplasias de nível I, as lesões de baixo grau. As que acometem dois terços ou mais, são as de níveis II e III, consideradas de alto risco.
Como trato o HPV?
Existem tratamentos para as doenças causadas pelo HPV, mas não existem remédios contra o vírus. Uma pessoa que tem verrugas e lesões de baixo grau pode recorrer a tratamentos como o uso de ácidos e laser para cauterização ou imunomoduladores.
A especialista aconselha procurar um ginecologista o mais rápido possível em caso de surgimento de verrugas. “Elas espalham muito rápido e são muito contagiosas, portanto o ideal é iniciar o tratamento precocemente. Além de evitar a progressão e a transmissão, quanto mais rápido tratadas, menor o número de lesões e menores as chances de recidivas, cicatrizes e menor a necessidade de precisar de tratamento mais prolongado ou doloroso.”
As que possuem lesões de alto grau, principalmente no colo uterino, podem ser submetidas a um procedimento chamado conização, ou traquelectomia. Caso evolua para um câncer, deve ser tratado de acordo, no caso do colo do útero, é feita a setorectomia. “Muitas vezes, quando fazemos o tratamentos das lesões, dentro do processo inflamatório, o organismo acaba eliminando o vírus definitivamente. Sempre digo que não existe tratamento para o vírus, mas existe cura, e ela depende da imunidade: quem elimina o vírus é o nosso organismo. E mesmo que não consiga eliminá-lo, não significa que não teve sucesso no tratamento, porque esse sucesso é sinônimo da ausência de lesões”, pontua.
Em casos onde o HPV é detectado em exames de rastreamento, ou seja, a coleta do HPV é positiva, mas o Papanicolau e a Colposcopia vêm dentro da normalidade e a paciente não apresenta lesões, não é necessário tratamento específico, mas é preciso fazer acompanhamento a cada 6 meses ou anualmente, de acordo com a conduta do ginecologista.
A prescrição de vitaminas para reforçar a imunidade contribui com o tratamento do HPV, mas o trabalho de remissão do vírus é responsabilidade do organismo e sistema imunológico, portanto não existe nenhum medicamento capaz de eliminá-lo.
A prevenção
A notícia ruim é que mesmo que você já tenha contraído o vírus, pode contrair novamente caso não se previna, pois existem mais de 100 tipos de HPV. Nenhum método é completamente eficaz na prevenção do vírus, mas podem contribuir para que uma infecção não ocorra. A camisinha e a vacina são os principais métodos de prevenção. Em 2021, a campanha de adesão ao ciclo vacinal contra o HPV em meninas foi muito abaixo da meta no Brasil: apenas 55,5% se vacinaram.
“A camisinha diminui em 70% o risco de infecção, mas a principal forma de prevenção é a vacina. Infelizmente não existe risco zero, mas a gente consegue minimizar muito a infecção e a progressão para um tumor”, ressalta a médica.
As vacinas são responsáveis pela prevenção de quase 95% dos casos de câncer do colo do útero pelo HPV. Hoje em dia existem vacinas bivalentes (que protegem contra os tipos 16 e 18, os de maior risco), as tetravalentes (que protegem contra outros dois tipos, mais comuns em clínicas particulares mas eventualmente dadas em postos de saúde), e as nonavalentes, que protegem contra nove variantes, mas são pouco encontradas no Brasil. Hoje, a vacinação está liberada para meninos e meninas entre 9 e 15 anos.
Meu namorado me traiu?
Não necessariamente. A doutora explica que é necessário ter certeza que seu status e o do seu parceiro eram negativos, porque o vírus poderia não estar latente no seu corpo ou no dele. O HPV pode demorar anos para se manifestar e antes dos 25 anos a maioria das ginecologistas e urologistas sequer exigem exames, pois a capacidade de eliminação do vírus é muito grande. Sendo assim, a maioria das pessoas mal sabem que são portadoras do HPV.
Preciso contar para o meu parceiro?
Essa é uma questão ética, sigilosa e delicada. “A paciente deve comunicar o parceiro sexual se houver lesão e/ou HPV de alto risco, em especial os tipos 16 e 18. Não há necessidade de contar a outras pessoas já que a transmissão é quase que exclusivamente sexual”, aponta Carolina.
Muita calma nessa hora!
Depois de reconhecer a doença e tirar todas as dúvidas necessárias, é preciso ter calma. Pedimos para Carolina o maior conselho vindo de uma especialista na área para as mulheres e meninas contaminadas.
“Primeiramente eu diria ‘calma’. Eu sempre brinco que é mais fácil tratar a doença do que tratar a cabeça. O HPV é uma doença muito estigmatizante. O mais importante é: procure um ginecologista especialista na área. Hoje em dia existem muitas técnicas novas, e nós sabemos que o tratamento pode ser conservador na maioria dos casos, não vai comprometer fertilidade e a gente pode minimizar os riscos de cicatrizes. Manter uma boa qualidade de vida, também é importante.”