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Revisitar a própria infância ajuda você a ser uma mãe melhor

A terapeuta Laura Gutman diz que não há como estabelecer vínculos saudáveis com nossos filhos sem revisitar a própria infância

Por Mariana Sgarioni (colaboradora)
Atualizado em 22 out 2016, 16h02 - Publicado em 23 mar 2015, 19h14

A aclamada terapeuta argentina Laura Gutman detesta ser encarada como alguém que tem a receita mágica para educar crianças felizes. Ela não se considera guru de nada. E ainda diz que suas opiniões também não servem para rigorosamente nada. Não se trata de um balde de água fria, mas, sim, de um choque de realidade – aliás, bem coerente com tudo o que ela escreve.

“É frequente projetarmos poderes mágicos nos outros. Na verdade, cada um de nós é mago apenas em relação a si mesmo. A questão é que preferimos depositar no exterior coisas que cabem a nós assumir”, diz Laura. Portanto, não espere um conselho dela, e sim uma pergunta. Ou melhor: muitas.

Terapeuta especializada em temas de família, Laura Gutman graduou-se em Paris na década de 1980 sob a batuta da analista Françoise Dolto. Fundou o Instituto Crianza, na Argentina, onde funciona uma escola de capacitação para profissionais da saúde e educação e grupos de atendimento ligados a temas da maternidade e infância. Seu primeiro livro traduzido no Brasil, A Maternidade e o Encontro com a Própria Sombra (BestSeller), virou hit entre as mulheres que pensam a maternidade como um bom momento para saber mais sobre si mesma.

Laura esteve no Brasil quando lançou o livro O Poder do Discurso Materno (Summus), em que trata mais detalhadamente de seu método de biografias humanas, processo que mapeia a infância de cada um de nós para concluir qual foi o personagem que nossas mães nos concederam – e que, evidentemente, não corresponde ao que somos hoje em dia. Em uma de suas palestras, emocionou a plateia ao dizer: “Conhece sua parte mais secreta, aquilo que você esconde até de você mesma, a fim de que ela não se projete sobre seus filhos”, numa interpretação livre da célebre frase de Jesus Cristo: “Conhece-te a ti mesmo”. Pois é isso. Para Laura, uma boa mãe não vem pronta. Ela se questiona e se avalia o tempo todo.

Aqui no Brasil, você é considerada por muitas mães como uma espécie de guru. E você rebate que sua opinião não serve para nada… Por quê?
Não serve para nada mesmo. Quando perguntamos a opinião dos outros, é porque estamos muito infantilizados. Ou porque estamos em guerra contra as opiniões de alguém e queremos um aliado para pensar como nós. Seria melhor compreender nossas realidades emocionais para entender a lógica das nossas opiniões e a lógica das opiniões dos outros.

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É por isso que você diz que não oferece nenhuma receita para criar bebês sadios e felizes?
Em todos os meus livros, descrevi as manifestações das crianças como um espelho da sombra dos adultos, ou seja, o que acontece com elas pode ser uma oportunidade para as mães e os pais entenderem o que podem tirar, modificar e tratar em relação às próprias dificuldades. Agora, ao descrever as necessidades básicas das crianças em relação à urgência de receber abrigo, corpo materno, nutrição, presença, disponibilidade e atenção, fui interpretada como quem dá receitas para criar bebês saudáveis e felizes. Não, não é isso que eu digo. Eu não me importo coma forma como a mãe cria vínculo com o filho. O que me interessa é a distância entre o que a criança reclama e a capacidade da mãe de ouvi-la. Quando os adultos reconhecem que existe essa distância, é hora de rever a própria infância e a própria fome emocional.

Em que medida tratar da própria infância tem a ver com a criação dos nossos filhos?
Tem tudo a ver. Nossa infância é a semente daquilo que somos. E também o que move os fios de nossa vida cotidiana e a forma como nos vinculamos com as crianças de hoje. Se fomos desamparados durante a infância, abusados ou abandonados de diferentes formas, logo reagimos, e essa reação está no adulto que nos tornamos. E usaremos essas mesmas estratégias de sobrevivência para nos vincularmos hoje. Por isso é tão importante recorrer primeiro ao verdadeiro cenário da nossa infância antes de pretendermos ser boas mães ou bons pais.

E o que significa ser uma boa mãe?
Uma boa mãe, um bom pai, uma boa pessoa é aquela que está disposta a olhar os aspectos de si mesma, aqueles que não admite nem reconhece como próprios. É aquela que está disposto a refletir, escutar e olhar a sua realidade com uma nova lente. É aquela que faz perguntas permanentemente.

Nós impomos aos nossos filhos os nossos desejos e necessidades. De que maneira isso acontece e por quê?
Isso é muito comum. É difícil observar claramente uma criança e aceitar que aquilo que ela necessita – ou reclama – é legítimo apenas para ela, ainda que não tenha importância nenhuma para nós. Em geral, os adultos têm um ponto de vista sobre cada coisa: o que é correto, incorreto, útil, bom, positivo. Pretendemos educar a criança segundo nossos parâmetros, em vez de observar primeiro e estar à disposição do desenvolvimento espontâneo de cada criança.

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Você diz que quando nascemos somos nomeados por nossas mães. Esse personagem cuida de nós durante toda a vida. Por quê?
Lamentavelmente, quando a criança pequena nos pede algo (presença, colo, carinho, corpo materno, escuta, tempo, empatia ou nutrição) e nós, mães, não estamos em condições de satisfazê-la, nomeamos essa criança segundo nossas apreciações subjetivas: ela é caprichosa, é boa, é mal educada, é terrível, é exigente. Na verdade, ela “não é” tudo isso. Simplesmente pede aquilo de que necessita. E pede de maneira “audível” pelo adulto. Mas as interpretações que nós, adultos, fazemos muitas vezes estão distantes da realidade afetiva da criança. É o mesmo que aconteceu conosco, quando éramos crianças, mas não temos nenhum registro disso.

Você diz que um dos primeiros atos de violência contra uma criança é privá-la do “prazer físico-sensorial”. Isso significa amamentação? Ou o contato físico com a mãe?
Os seres humanos são mamíferos. Nascemos do ventre de uma mãe e necessitamos desesperadamente ser protegidos pelo corpo materno. Privar as crianças do prazer de estar em contato permanente com a mãe é um desastre ecológico. Estamos reprimindo todo o prazer, todo o pulso vital e toda implantação sensorial da criança para o resto da vida. A amamentação é parte disso – mas, sem a permanência da criança sobre o corpo da mãe, a própria amamentação não pode prosperar.

O que significa ignorar o choro de um bebê?
Creio que é a violência mais atroz: a violência do desamparo. É a semente do sofrimento humano.

As mães deveriam, então, deixar de trabalhar para estar mais presentes e se vincular aos filhos?
É fantástico que nós, mulheres, trabalhemos. Eu trabalho desde os 15 anos. A autonomia e a liberdade são fundamentais e são direitos de cada adulto, homem ou mulher. Eu escrevi em vários livros que é frequente que as mães, incapacitadas de se vincular afetivamente com os filhos, usem o trabalho como lugar de refúgio para não enfrentar o desafio da intimidade emocional que uma criança pede. Eu sou feminista. E o trabalho não tem nada a ver com a capacidade de se vincular afetivamente.

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O trabalho não rouba o tempo com as crianças?
Não, essa é uma desculpa. O trabalho não é um predador da relação afetiva entre a mãe e seu filho. A única coisa que fere a relação entre mãe e filho é a incapacidade afetiva. Podemos trabalhar, sim, se precisamos, se gostamos e se isso nos faz felizes. O problema é voltar para casa e ter o desejo de conectar-se novamente com a criança. Em geral, a volta para casa nos angustia e preferimos escapar via iPhone, internet ou qualquer outra atividade social que devolva nossa identidade.

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