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Com materiais simples, professora cria novas formas de aprendizagem

Mirtes Ramos dos Santos, única vencedora da educação infantil no Prêmio Educador Nota 10, instiga autonomia e criatividade entre os alunos

Por Esmeralda Santos (colaboradora)
Atualizado em 22 out 2020, 13h21 - Publicado em 7 set 2020, 19h24

Nada é invisível aos olhos das crianças. O que para os adultos pode ser apenas um material qualquer, na imaginação dos pequenos, um simples papel ou caixas podem ser terrenos férteis de infinitas brincadeiras.

Mirtes Ramos dos Santos, 52 anos, professora da Creche Municipal João Eugênio, em Recife, lembra que, quando pequena, liderava as brincadeiras que faziam nos grupos de amigos. “Brincávamos de tudo o que você imaginar, de cozinhar, jardim, horta, dançarina, boneca, não tínhamos brinquedos caros, mas nossa imaginação voava. Aquilo me dava um prazer absurdo”, recorda.

As recordações da infância de Mirtes são muito vivas e, por aprender em meio às brincadeiras, o desejo de seguir a carreira de professora sempre esteve presente. “Eu queria estar entre crianças, essa era minha maior certeza. Estar entre crianças e aprendendo com elas”, argumenta.

A educadora tem uma extensa participação em diferentes áreas do ensino como coordenação pedagógica, ensino fundamental e EJA (Educação para Jovens e Adultos), mas a sua verdadeira paixão era a sala das creches. “Eu me construo como professora diariamente em parceria com essas pessoas, porque a aprendizagem é uma via de mão dupla. Ensino enquanto também aprendo”, explica.

Observar, ensinar e brincar

O olhar encantado dos pequenos de 3 a 4 anos onde Mirtes dá suas aulas também fazia os olhos da professora brilharem. “A primeira infância é um momento importante para chamar a poética do ser humano. É quando estamos mais sensíveis, mais curiosos, um período de encantamento com o simples, os pingos da chuva, com o vento batendo nas folhas das árvores. É isso que me deixa cada dia mais apaixonada pela educação infantil, essa curiosidade, encantamento com coisas simples, eles me ensinam todos os dias o que é ser humano”, elucida Mirtes.

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Observar a ação das crianças foi fundamental para que ela percebesse o fio condutor de seu trabalho. Por meio da curiosidade delas, Mirtes começou a ter ideias para expandir o aprendizado das crianças. “O projeto nasce da curiosidade das crianças. Percebi que as aulas não eram atrativas. Sempre tinha alguém que queria sair pra fazer outra coisa”, esclarece.

Em certo dia, quando a educadora entregou massa de modelar para os pequenos, notou que algumas crianças largaram as massinhas e foram até o lixo da sala. O brinquedo escolhido por elas foram as caixas descartadas. Os alunos se interessavam mais por isso e, consequentemente, faziam o exercício de criar outras formas de diversão.

“A partir daí, de observar o interesse das crianças por caixas, comecei a pesquisar embasamentos teóricos que pudessem me dar fundamentos para estimular esse hábito deles. Encontrei os campos de experiências e os direitos de aprendizagem das crianças, que me davam subsídios para fazer esses trabalhos com materiais não estruturados”, explica a docente.

Protagonistas da própria aprendizagem

Uma reunião com os pais foi realizada para mostrar que as crianças podiam aprender através de materiais, que não eram exatamente brinquedos ou feitos especialmente para a sua educação. As panelas e caixas foram doadas por eles, mas o primeiro material usado no experimento foi o papel higiênico. Uma instalação com 36 papéis higiênicos foi feita na sala, despertando a curiosidade das crianças.

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“Elas puderam exercer seu poder de escolha: quem queria puxar, puxava. Quem não quisesse, sentava no chão e brincava com outros materiais que eram colocados conforme a interação delas”, aponta. “Quando o papel rasgava, elas viam que tinha que ter uma força necessária pra puxar o papel sem rasgar. Quando não alcançavam, pediam ajuda para os mais altos, mas quando rasgava muito alto, elas pediam ajuda a um adulto”.

(Foto: professora Mirtes/Arquivo pessoal)

Com os papéis que estavam no chão, as crianças se enrolavam e naturalmente se transformavam em verdadeiras esculturas vivas dentro da sala. “Ainda tinha aquelas outras que estavam ali investigando a textura do papel, rasgando no miudinho, apertando entre os dedos. Outras estavam com o rolo de papelão fazendo binóculo”, descreve Mirtes, que com um material simples conseguiu despertar a criatividade das crianças.

(foto: professora Mirtes/Arquivo pessoal)

As caixas, que foram o pontapé inicial do projeto, tiveram utilidade ainda mais divertida. “Dentro da criatividade das crianças, podiam se transformar em castelo, casinha, barquinho, tambor, patinete, e em outras aprendizagem que ali aconteciam”, conta Mirtes. “Eles questionavam: será que eu vou caber ali? Quantos será que cabem dentro da caixa? Se eu me apertar, será que cabe mais um?”.

Além disso, outras crianças queriam ocupar as caixas sozinhas, espalhando todo o corpo dentro delas, a ponto de não ter espaço pra mais ninguém. “Quando isso acontecia, eles usavam estratégia pra resolver o conflito. Quem ficou de fora, criava brincadeiras onde essa criança que estava ali ocupando todo o espaço, se envolvia. Logo, estavam os dois brincando com aquela caixa”, esclarece.

(Foto: professora Mirtes/Arquivo pessoal)

Lágrimas de saudade que se transformam em memórias

“Tivemos nossos segredos. ‘Suas mães nunca vão saber que o melhor shampoo é feito de areia!’. Aprendemos a cantar loas brincando de lavadeiras. Nossas viagens em caixas de papelão nos levaram para onde nossa imaginação quis. E nossas histórias com lobos, bruxas e tantos outros personagens que povoaram nosso imaginário, já são companheiros presentes nas nossas primeiras narrativas”, o trecho do texto escrito pela professora Mirtes surgiu depois da instalação de sacos de geladinho cheios de água – elemento que também foi fundamental para as descobertas das crianças.

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(foto: professora Mirtes/Arquivo pessoal)

“Quando eles chegaram e viram os sacos de dudu [geladinho ou gelinho], eles começaram a empurrar pra ver a instalação em movimento. Depois, começaram a estourar os sacos e na hora me deu uma saudade, sabe? Apelidei esse experimento como lágrimas de saudade que se transformam em memórias”, conta a professora.

(Foto: professora Mirtes/Arquivo pessoal)

O processo de aprendizagem era acompanhado pelos pais. Um texto também foi escrito pela educadora e entregue a eles para que, quando as crianças se tornarem adolescentes, possam ver as fotos, ler o texto e perceber como a educação pode ser transformadora, desde que eram muito pequenos. “Pra mim, ensinar é uma provocação, eu preciso provocar no outro aquilo que me provocava também”, conta Mirtes.

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O projeto foi vencedor do Prêmio Educador Nota 10, que acontece há 22 anos, e tem o objetivo de reconhecer e valorizar os profissionais que atuam na rede pública de ensino. Para Mirtes, que foi a única indicada com um projeto de educação infantil, é uma grande realização ter seu trabalho reconhecido. “É uma representatividade muito grande. Represento todos os professores de educação infantil. Isso pra mim é imensurável, porque represento nossas crianças. Que os nossos pais possam refletir como as crianças aprendem”, explica a professora.

“Eu sinto que estou no caminho certo. Minha maior forma de amar o outro é propiciando respeito a ele. Precisamos permitir que elas sejam crianças, precisamos propor experiências que elas possam criar. Esse prêmio traz esse compromisso, aumenta minha responsabilidade de ser a voz de muitas vozes, principalmente a das crianças”.

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