Pense antes de postar foto de seus filhos nas redes sociais
Todas aquelas fotos das crianças são uma graça, mas menos inocentes do que parecem. Saiba o que considerar antes de compartilhar a próxima
Especialmente na primeira infância, as crianças – e seus pais – vivem muitos desafios e descobertas. Natural, portanto, querer registrar o primeiro banho, a estreia nas artes (mesmo que rabiscando as paredes de casa) e até um grande fracasso na cozinha lambuzada…
Sempre foi assim. Com as facilidades da tecnologia, porém, não só o registro como seu compartilhamento ficaram muito mais fáceis. No lugar de cliques desfocados guardados em álbuns que se empoeiravam na estante, posts e mais posts nas redes sociais.
Segundo uma pesquisa da empresa de segurança virtual AVG realizada em dez países, no Brasil 94% dos pais publicam conteúdo sobre os filhos na internet – ante 81% em outros lugares.
A sede dos brasileiros, especialmente millennials (nascidos depois de 1980), por documentar cada passo das crianças e dividi-lo por aí supera a de outras nacionalidades em vários quesitos: 14% arrumaram uma conta de e-mail para seus bebês (a média mundial é 8%) e 12% das mães admitiram ter criado perfis em redes sociais para eles (ante 6% no restante do mundo).
Muito bonitinho e inocente até você lembrar que tudo que cai na rede ali permanece, pode ser buscado e compartilhado. Mais: os filhos crescem e podem não aprovar aquela foto “fofinha” deles fazendo xixi no jardim ou aquela história engraçada (e constrangedora) exibida publicamente.
Essas preocupações e implicações têm chamado a atenção de psicólogos, pediatras e pesquisadores, que ajudaram a cunhar um neologismo: sharenting, mistura das palavras em inglês share (compartilhar) e parenting (parentalidade).
A discussão envolve a criação da identidade digital dos pequenos: onde fica a escolha dos pais e os direitos dos filhos? “Mesmo os bem-intencionados apertam o botão ‘compartilhar’ sem pensar em como as postagens podem afetar o bem-estar e a segurança das crianças”, afirma Stacey Steinberg, professora de direito da Universidade da Flórida, nos Estados Unidos.
Leia também: Como aproveitar os grupos de pais no whatsapp sem se desesperar
Casos (não tão) raros
No mundo, os exemplos de uso indevido das redes se multiplicam. Em 2014, a australiana AliceAnn Meyer publicou em seu blog uma foto do filho Jameson, que tem síndrome de Pfeiffer (que afeta a forma da cabeça e da face), coberto por chocolate. A imagem rodou a internet em memes que, entre outras coisas, comparavam o menino a um cão pug. Dois anos depois, Meyer ainda trava uma batalha para eliminar as imagens da rede.
No Brasil, um homem admitiu à Polícia Civil que planejou o sequestro de um menino de 9 anos com base em informações encontradas no Facebook. “A internet é a maior praça pública do planeta. Uma vez que algo cai na rede, fica difícil apagar e controlar como o conteúdo é usado por outras pessoas.
Elas podem copiar, redistribuir, manipular, salvar…”, lembra Rodrigo Nejm, diretor de educação da Safernet, organização que é referência nacional no enfrentamento de crimes e violações dos direitos humanos na rede.
De acordo com a Comissão Australiana de Segurança das Crianças na Web, até metade das fotos encontradas em sites de pedofilia foi surrupiada de pais que tranquilamente postaram imagens de suas famílias. No Brasil, uma parte das denúncias recebidas pela Safernet trata de conteúdo que teve o mesmo fim.
“Publicava fotos fofas inocentemente até que soube que um colega, pai de família e então ‘amigo’ nas redes sociais, havia sido preso e está em investigação acusado de pedofilia e pornografia infantil internacional”, conta G.L., de Novo Hamburgo (RS). Desde o susto, ela reduziu as postagens. “Hoje, filtro ao máximo as informações e imagens dos meus filhos.”
Uma dica valiosa é dar às crianças poder de veto sobre as informações divulgadas. “Aos 4 anos, elas têm consciência de si mesmas, são capazes de fazer amizades e raciocinar, além de começar a se comparar com os outros”, diz Steinberg.
Pode-se falar sobre a internet com os filhos e perguntar se eles querem que amigos e familiares saibam sobre o assunto postado. Naturalmente, o peso dado à escolha da criança deve variar em relação à idade e às informações que estão sendo divulgadas.
“De qualquer forma, as famílias precisam estar conscientes de que até os pequenos devem ser ouvidos”, propõe a pesquisadora. Essa estratégia é seguida à risca por Luciane Figueiredo, de São João de Meriti, na região metropolitana do Rio de Janeiro: “Sempre pergunto para minha filha, hoje com 15 anos, se posso postar ou não”.
Para os sobrinhos, de 2, 6 e 10 anos, vale regra semelhante. “Peço autorização aos pais, mas também pergunto o que eles acham. O de 6, mesmo com paralisia cerebral, opina sobre o conteúdo e veta alguns posts. Mas não deixo de registrar as proezas dele”, conta.
Veja também: Pai cria aplicativo premiado para se comunicar com a filha
Não é o caso de guardar segredo sobre os feitos dos pequenos. As mídias sociais ajudam parentes a manter contato e podem ser fonte de distração e leveza. O limite, como sempre, é o bom senso. “Reflita sobre a necessidade de mostrar tudo o tempo todo.
A criança precisa se desconectar, viver fora das redes”, alerta Cristiano Nabuco, coordenador do Grupo de Dependência Tecnológica do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Ponderando e discutindo suas postagens, você também ensina os pequenos a pensar antes de compartilhar quando eles tiverem esse poder.
Manual da Etiqueta
1. Ajuste as configurações de privacidade das redes para restringir o público dos posts.
2. Não forneça informações da rotina familiar.
3. Evite cliques de momentos íntimos, como o banho.
4. Peça autorização aos pais antes de publicar fotos de outras crianças.
5. Não discuta problemas de saúde ou de comportamento dos seus filhos de forma pública.
6. Entre em contato com quem usa a imagem dos pequenos, como escolas, clubes e hotéis.
Leia também: Posso sair do grupo de whatsapp que reune meus colegas de trabalho?