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O tempo de cada um: pais e mães que assumiram a homossexualidade

Após passarem décadas em uma prisão emocional e existencial no rótulo heterossexual, pais e mães finalmente encontraram o seu lugar “além do arco-íris”

Por TEXTO Kalel Adolfo ILUSTRAÇÕES Catarina Moura
10 jun 2022, 09h19

Não é espantoso que, em pleno 2022, ainda nos cobrem qualquer espécie de “prestar contas” para amar quem quisermos? Usar o verbo “assumir” para falar de sexualidade é old-school demais, mas infelizmente as dificuldades que acompanham a decisão de contar para o mundo nossa real identidade ainda não foram ultrapassadas. Primeiro, passamos por um intenso período de autoaceitação. Depois, precisamos conter a ansiedade para descobrir como os outros irão reagir à notícia. Simplesmente não há como saber o que irá nos acontecer quando revelamos que somos parte da comunidade LGBTQIA+, e isso é assustador.

Para quem nasceu em outras gerações, esses medos tendem a ser ainda mais paralisantes. Este é o caso de Priscila, Sandy e Eduardo*: todos tiveram experiências em casamentos heterossexuais – chegaram a ter filhos – e, em silêncio, guardaram seus sentimentos com receio de sofrer retaliações de uma sociedade conservadora. Por um instante, a fantasia até parecia estar dando certo. Contudo, chega um momento em que a alma grita, e é necessário interromper a repressão de anos. A seguir, três histórias inspiradoras sobre pais que foram corajosos o suficiente para quebrar convenções e recomeçar suas trajetórias da maneira mais honesta possível.

Pais LGBT
(Catarina Moura/CLAUDIA)

Longe das tradições

“Eu sempre soube que era gay. Mas nasci em 1949, estou prestes a fazer 73 anos. Naquela época, você não podia se assumir em hipótese alguma. Quem fizesse isso era perseguido, perdia o emprego e até os amigos”, desabafa Eduardo.* Por medo de sofrer retaliações, o engenheiro químico se envolveu com uma garota que, acidentalmente, engravidou. “Foi muito traumático. No século passado, quem engravidasse uma menina era obrigado a casar, não tinha outro jeito. E a mulher também sofria um preconceito terrível, era quase uma morte social. Então, precisei assumir o casamento.”

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Porém, os anos passaram e ambos perceberam que não tinham nada em comum: a união havia sido puramente circunstancial. Naturalmente, o divórcio foi concretizado, e essa liberdade fez com que Eduardo conhecesse um rapaz bastante especial. “As pessoas começaram a notar, por mais discreto que eu fosse. ‘Nossa, você só tem esse amigo’, me diziam. Mas, depois de quase três décadas juntos, nos separamos. Eu sofri tanto que falei ‘Quer saber? Vou me assumir para a família’”, diz. A primeira pessoa a receber a notícia foi a irmã, que o acolheu com muito carinho.

O verdadeiro receio, contudo, era o cunhado. “Típico homofóbico que fazia piadas de mau gosto. Mas a reação foi inusitada. Lembro dele me abraçar por quase um minuto e dizer ‘Nós te amamos de qualquer jeito, não se preocupe’. Quando aquele cara que só fazia comentários machistas me aceitou, tudo ficou mais leve.” Depois, foi a vez da filha. “Foi tranquilo. Estávamos jantando e ela falou: ‘Ah pai, que bom que você não precisa mais se esconder. Eu só fico feliz por você.’” Hoje, Eduardo celebra 13 anos de casamento com Leandro.* “Eu o amo. Ele é o homem da minha vida, o adoro de todas maneiras possíveis. Sei bem a diferença entre viver numa masmorra e ter liberdade. Se anular é uma violência tão grande… Por isso, não quero nem saber: ando com ele para cima e para baixo. Sou livre.”

Pais LGBT
(Catarina Moura/CLAUDIA)

Sei bem a diferença entre viver numa masmorra e ter liberdade. Se anular é uma violência tão grande. Por isso, ando com ele para cima e para baixo. Sou livre

Eduardo*, engenheiro químico

Paixão que dá coragem

Pais LGBT
(Arquivo Pessoal/CLAUDIA)

Desde que se entende por gente, Sandy Borges já enxergava as mulheres de um jeito especial. Mas como cresceu escutando que precisava constituir uma “família doriana”, a líder em gestão de pessoas foi obrigada a sufocar a sua identidade antes mesmo de compreendê-la. Isso a levou a se casar com um homem e ter dois filhos, Kayque e Felipe. A relação que durou 25 anos não ressoava em seu coração. Os conflitos apenas cresciam, até o momento em que o divórcio se tornou um acontecimento inevitável. “No final dessa separação, eu conheci a Aline, que já era assumida. Ela me ajudou bastante, porque esclareceu várias dúvidas que eu tinha sobre sexualidade. E, um ano após o fim do meu casamento, acabei beijando-a”, conta. A mãe dos meninos relembra que a jovem chegou a segurá-la, afirmando que ela poderia estar apenas confusa. Contudo, aquele foi apenas o início de sua jornada. “A gente namorou por uns três anos. Comecei a fazer terapia, porque, aos 40, eu pensava: ‘Porra, casei, tive filhos, para só agora entender que a minha praia não era essa. Que saco’”, brinca.

Quando entendemos quem realmente somos, não ficamos preocupadas com a aprovação alheia

Sandy Borges, líder em gestão de pessoas
Pais LGBT
(Catarina Moura/CLAUDIA)

O momento de Sandy compartilhar a sua verdade com o mundo não viria neste primeiro relacionamento LGBTQIA+. “Para eu me abrir com os meus filhos, precisava estar apaixonada. Isso só aconteceria quando eu encontrasse a pessoa certa”, explica. Foi aí que Priscila, sua atual companheira, entrou em sua vida, há três anos. “Sabia apenas que ela era a mulher com quem eu queria estar. Quando senti isso, me assumir foi uma consequência natural”, compartilha. “O Kayque sempre foi porra louca, então aceitou tranquilamente. O menor, por sua vez, teve medo que eu sofresse algum tipo de agressão na rua. Foi difícil, precisei levá-lo a um psicólogo. Agora, ele já perdeu a insegurança.” Na sequência, foi a vez de conversar com as melhores amigas e, ao ficar confortável, fazer declarações nas redes sociais. “Quando entendemos quem realmente somos, não ficamos preocupadas com a aprovação alheia.” Ela afirma que, atualmente, os seus garotos não se desgrudam da parceira. “Hoje mesmo o Felipe, que está com 15 anos, veio me contar todo feliz que seu amiguinho da escola se assumiu para a família. Isso é um presente, sinal de que meu filho está bem resolvido.”

Apoio é tudo

“Eu só me assumi aos 39 anos. Fiquei ‘encubada’ por muito tempo”, declara Priscila Puccioni, especialista em marketing. Ela desabafa que, desde criança, sempre gostou de meninas. Mas, por questões familiares e sociais, sufocou esse sentimento e não colocou em prática os seus desejos. “Acabei entrando em dois relacionamentos heterossexuais. O primeiro deles foi terrível, pois eu vivia dentro de uma prisão. Por outro lado, acabei ganhando dois filhos, que me fizeram ter felicidade neste período. Foquei completamente neles”, conta.

E como se as coisas não pudessem ficar mais complexas, Priscila ficou viúva aos 26. Porém, a morte inesperada do marido fez com que ela despertasse para viver a própria vida e tivesse a sua primeira experiência homossexual. “Beijei uma garota nessa época. Mas como os meus meninos ainda eram pequenos, acreditei que o certo seria tentar constituir a famosa ‘família tradicional brasileira’ novamente.” Assim, ela se envolveu com outro homem, com quem teve uma terceira criança. “Esse relacionamento não era saudável. E aí, beirando os 40, percebi que aquilo não era pra mim. Eu estava num momento de maturidade pessoal, profissional e financeira, e pensei: ‘Estou neste mundo para ser feliz. Não estou aqui apenas para fazer a felicidade dos outros’. Meus filhos já estavam adultos e, por isso, decidi assumir a minha vida.” Após um período, Priscila conheceu Dani. “Simplesmente soube que ela foi feita para mim, não havia dúvidas.”

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Pais LGBT
(Arquivo Pessoal/CLAUDIA)

Sou muito mais aceita por todos. As pessoas veem meu brilho, algo que eu não tinha antes. Agora, posso externalizar essa felicidade

Priscila Puccioni, especialista em marketing

Foi essa paixão avassaladora que a impulsionou a conseguir compartilhar a sexualidade com a família: “Lembro que esperei minha filha chegar da faculdade. Assim que a menina colocou os pés em casa, falei que estava namorando. Ela perguntou quem era a pessoa, e eu apenas mostrei a foto da minha esposa no celular”, recorda. A reação da jovem não poderia ter deixado a mãe mais alegre. “Nossa, eu sempre soube, não aguentava mais você não se assumir, era muito mal-humorada’’, dizia a menina. As duas caíram na risada. “Meus outros filhos reagiram da mesma forma. Depois, fiz o mesmao com a minha mãe. Na hora, ela estava cozinhando, parou tudo e veio me abraçar chorando: ‘Finalmente você se encontrou’. Hoje, sou muito mais aceita por todos. As pessoas veem meu brilho, vitalidade, algo que eu não tinha antes. Eu era fria, dura. Agora, sou o oposto, porque posso externalizar toda essa felicidade para o mundo. Estou completa.”

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*Os nomes foram alterados para respeitar a identidade dos personagens.

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