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Como lidar com as redes sociais?

O que podemos fazer para impedir que nossas interações sociais nas redes sejam mediadas, manipuladas e "produtizadas"?

Por Alessandra Borelli
Atualizado em 2 nov 2020, 17h06 - Publicado em 2 nov 2020, 16h00

Diversos veículos de comunicação têm demonstrado nos últimos dias que O Dilema das Redes, documentário que estreou em setembro na Netflix, continuará em pauta por muito tempo, já que quase 50% da população de todo planeta utiliza os recursos das redes sociais abordadas no filme. Naturalmente angustiados, pais, professores e outros profissionais que lidam diretamente com crianças e adolescentes passaram a questionar-se sobre o dever que teriam de, não somente melhor administrar o seu uso, mas de, eventualmente, de deletar os perfis utilizados pelos mais jovens.

Não à toa, a palavra dilema explica que se trata de uma questão a ser ponderada. Antes de tudo, importante compreender que as empresas de mídia social não, necessariamente, vendem os dados dos usuários e sim os usam para traçarem perfis psicologicamente sofisticados, influenciáveis, daí uma das maiores decepções, a de reconhecer a nossa própria vulnerabilidade em ter nossos comportamentos imperceptivelmente manipulados.

O tom do documentário é bastante alarmista, mas os próprios ex-executivos das big techs, que incluem Guillaume Chaslot, que ajudou a criar o mecanismo de recomendação de vídeos no YouTube, Justin Rosenstein, um dos co-criadores do botão “curtir” no Facebook, Tim Kendall, ex-diretor de monetização do Facebook, entre outros engenheiros, executivos e idealizadores do Google, do Instagram, Pinterest e do Twitter, insinuam haver uma “luz no fim do túnel” sem extremismos e ainda assumindo o compromisso, por meio da criação de institutos e centros de pesquisa, de criarem soluções para os problemas que eles próprios ajudaram a criar.

Sim, porque eu, você, seu pai, mãe, filho(a), nora, genro, irmão, amigo, advogado; individual e isoladamente, não acabaremos com o “dilema das redes”, mas a sociedade como um todo e o próprio Estado podem, juntos, exigir maior transparência e regulação. A Lei Geral de Proteção de Dados tem tudo para representar um dos caminhos. Mas seria o suficiente? Quais outras regulações precisamos para impedir que nossas interações sociais sejam mediadas, manipuladas e produtizadas?

Como assim, empresas lucrando com minha atenção, minha privacidade representando moeda de troca e ninguém sequer me perguntou se eu concordo com isso? Ah vai! Sério que você nunca havia escutado ou lido a frase “Se você não paga pelo produto, o produto é você”? Que nossos dados já são considerados mais valiosos que o petróleo? Sim, não por coincidência você, após ter pesquisado sobre passagens aéreas, começa a se deparar com anúncios sobre viagens, hotéis, passeios e, claro, passagens aéreas, como se lidos tivessem sido seus pensamentos ou um “anjo escondido” no seu dispositivo soubesse exatamente quais seus interesses e necessidades para aquele momento. Fato, hoje somos definidos por aquilo que postamos, curtimos, comentamos e compartilhamos. Sob o “disfarce da personalização” os dados extraídos a partir dessas interações representam insumos para estratégias publicitárias extremamente precisas oferecidas pelos “gigantes” aos anunciantes. É para isso que seus algoritmos trabalham: para que você se mantenha cada vez mais interessado, engajado e navegando. Sem saber (ou por não querer saber) você segue satisfeito com sua timeline customizada e as big techs, além de igualmente satisfeitas, seguem também bem felizes com o faturamento nas alturas graças a sua ajuda. Tudo isso, até então, sem a menor preocupação em relação ao consentimento dos usuários.

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Bem, difícil mesmo trazer um assunto tão sensível à pauta nesse tom, justamente em um momento da vida onde as conexões digitais representam o principal, para muitos o único, meio de interação humana, sobretudo por idosos, crianças e adolescentes.

O filme reclama pela criação e priorização de padrões éticos, humanos e saudáveis já na concepção dos produtos e serviços ofertados. Mas o que fazer enquanto isso não acontece? Não seria o caso de, assim como introduzido o privacy by design, criar-se o human by design?

A educação digital é uma saída, sem dúvida, mas não apenas ela: a consciência do uso e frequência das novas tecnologias de comunicação e informação (NITCs) é algo que todos podemos desenvolver. Mas, quando escutamos no filme que “mídias sociais se aprofundam cada vez mais no tronco cerebral para assumir o senso de autoestima e identidade das crianças” e pensa (sim, eu pensei) que pelas instigações algorítmicas o futuro delas também pode fazer parte do negócio, a questão perpassa a da utilização em si e torna-se muito mais ampla e ainda mais emergencial.

Sempre achei muito “interessante” essa publicização sobre o fato de executivos de tecnologia, do Vale do Silício proibirem o contato de seus filhos com os avanços que os próprios encontram-se diretamente envolvidos, quando (i) independente do período pandêmico que nos acomete, as NTICs já vinham sendo utilizadas nas propostas pedagógicas; e (ii) para que se possa ensinar e aprender a tirar o melhor e mais seguro proveito disso tudo, é preciso usar.

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Vejam, esta não é a primeira vez que se ouve falar sobre os possíveis desdobramentos e prejuízos que o uso patológico da internet e/ou mídias sociais podem desencadear nos mais vulneráveis, como o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente assim os define. Fato, toda essa manipulação (ou customização) contribui para o uso compulsivo das novas tecnologias e dada a sua condição peculiar de ser em desenvolvimento nossas crianças e adolescentes são mais suscetíveis a relação de dependência mesmo, muitas vezes rompendo importantes relações sociais, deixando outros interesses de lado, negligenciando os estudos, a saúde, o esporte, o brincar, dormir e com tudo isso, claro, contribuindo para o enfraquecimento de seu sistema imunológico.

Discussões e estudos mais aprofundados sobre o assunto começaram no Brasil em 2008, com a condução de um tratamento para adolescentes viciados em internet no Instituto de Psiquiatria no Hospital das Clínicas, em São Paulo. Já no ano passado uma pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo demonstrou que um a cada quatro adolescentes tem relação de dependência tecnológica. De uma amostra de 2.293 jovens entre 15 e 19 anos, 25,3% apresentaram grau de dependência grave ou moderada. Volto a perguntar: não seria o caso de, assim como introduzido o privacy by design, instituir-se o human by design?

Mais que um alerta, O Dilema das Redes é também uma questão de saúde pública cujas demandas somente o Estado pode atender. A Sociedade Brasileira de Pediatria criou guias com orientações para evitar a dependência da tecnologia entre crianças e adolescentes, além de outros prejuízos à saúde destes que, apesar de técnica e digitalmente muito habilidosos, assim como em outros, neste quesito também carecem de extrema atenção e prioridade absoluta.

Verdade seja dita, muito foge do controle de nossas mãos, sobretudo quando falamos de big techs, mas problemas devem servir de insumos para buscarmos soluções e a professora emérita da Harvard Business School, Shoshana Zuboff bem dita essa urgência com a frase: “A indústria digital prospera graças a um princípio quase infantil: extrair dados pessoais e vender aos anunciantes previsões sobre o comportamento dos usuários. No entanto, para que os lucros cresçam, os prognósticos devem ser cada vez mais certo, não bastando para tanto prever, mas modificar em grande escala os comportamentos humanos”.

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Se deixar de usar não é uma opção, qual a solução se não a observância aos limites éticos, transparência e educação?

Quanto a nós, pais e responsáveis, seguimos:

– aprendendo mais sobre a internet, suas oportunidades e perigos

– lendo sobre o assunto, conversando com outros pais, visitando sites e blogs relacionados aos apps, jogos e tudo que os atrai neste ambiente

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– não proibindo, mas direcionando!

– jamais acreditando que estão 100% seguros navegando sozinhos pelo mundo digital

– interessados em saber quem são seus amigos virtuais

– estabelecendo regras cumpríveis

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– os fazendo respeitar a classificação indicativa de jogos, apps e redes sociais

– conversando sobre os perigos de compartilhar tantas informações pessoais sobre sua rotina e de sua família

– orientando sobre não conversar com estranhos na rede

– nos policiando em relação as fotos e vídeos que postamos sobre nossos filhos na internet, considerando o poder de perpetuidade, disseminação e o fato de que, uma vez na internet, não dispomos mais controle sobre aquilo.

Por Alessandra Borelli, advogada especialista em direito digital, proteção de dados e sócia diretora da Opice Blum Academy

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