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Mulheres no Poder

Foi um ano polêmico na Política. Porém, no resultado das eleições, as mulheres tiveram algumas conquistas

Por Daniela Arrais
Atualizado em 31 dez 2018, 15h40 - Publicado em 30 dez 2018, 12h54
Política
 (|Débora Islas/CLAUDIA)
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Na Câmara, 77 mulheres foram eleitas deputadas federais. Em 2014, tinham sido 51. No Senado, entrarão sete mulheres e uma vaga de suplente será preenchida – a casa contará com 12 senadoras em um total de 81 lugares.

Já nas Assembleias Legislativas, teremos 161 deputadas estaduais, versus as 119 do pleito de 2014. Única mulher eleita para o governo estadual, Fátima Bezerra (PT) foi alçada ao posto no Rio Grande do Norte com 57,6% dos votos. Atua na área de direitos humanos, meio ambiente e na defesa dos direitos dos trabalhadores e das mulheres. “Há um simbolismo muito forte nessa expressão do voto popular. O resultado ainda mostra o déficit da participação feminina na história política”, afirma Fátima.

Em Roraima, pela primeira vez uma mulher indígena cumprirá mandato como deputada federal. O mérito é de Joenia Wapichana, que também foi a primeira indígena a se formar em direito no Brasil e a primeira advogada indígena a se pronunciar no plenário do Supremo Tribunal Federal.

Erica Malunguinho tornou-se a primeira mulher trans a se eleger deputada estadual por São Paulo. Natural de Pernambuco, é ativista pelos direitos dos negros e dos LGBTQ. Criou o Aparelha Luzia, espaço cultural considerado um quilombo urbano, no centro da capital paulista. “Quero dar continuidade às lutas históricas das mulheres negras e a essa articulação política que vem movimentando a sociedade, porque é isso que preservará a sobrevivência de muitas minorias”, diz Erica.

“A bancada feminina, apesar de ainda ser pequena, teve um aumento importante”, analisa Rachel Menenguello, professora do Departamento de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Houve incentivos legais para o crescimento da participação com a regulação do financiamento de campanha. Para cumprir determinação que existe desde 1997, os partidos são obrigados a lançar ao menos 30% de candidatas mulheres para o Legislativo. Em maio, o TSE decidiu que 30% do fundo público de financiamento deveria ser destinado a elas.

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Uma reportagem da ‘Folha de S.Paulo’ mostrou, a dez dias da ida às urnas, que a maioria dos partidos brasileiros precisou recorrer a candidaturas majoritárias cujas vices ou suplentes eram mulheres para atingir esse percentual mínimo. “Se essas organizações não mudarem internamente, estimulando de forma legítima o ingresso e a atuação delas, a política continuará sendo um universo predominantemente masculino”, completa.

Mulheres
(Débora Islas/CLAUDIA)
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Ainda não é possível saber até que ponto a agenda feminista terá que cuidar da manutenção dos direitos conquistados ou poderá evoluir para seu aperfeiçoamento. “O novo Congresso levará ainda um tempo para dominar a dinâmica legislativa porque boa parte dos eleitos é totalmente iniciante”, alerta Rachel.

Entretanto, é importante ressaltar que ter mais mulheres ocupando esse espaço não significa que as pautas femininas serão votadas e muito menos defendidas com mais veemência. “Nessa direção, acredito que já exista no âmbito da sociedade civil uma mobilização dos movimentos e organizações feministas que fará a vigilância e a cobrança desses temas.”

O que esperar

A Gênero e Número é uma organização de mídia independente orientada por dados. Neste ano, manteve o foco no Legislativo. A cobertura começou em março e logo apontou as mulheres com chance de serem reeleitas. No mesmo mês, houve o assassinato de Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro. “As mulheres que estavam no front em todo o Brasil fizeram discursos mostrando a importância de ocupar os espaços de poder”, lembra Giulliana Bianconi, fundadora da organização.

Na sequência, surgiu um movimento forte de voto em mulheres, muitas redes se formaram e o tema chegou à superfície. “Só o fato de termos um aumento de 51% no número de eleitas na Câmara aponta um avanço. Lá dentro, representa apenas 15%, mas chegamos a isso em apenas quatro anos. Para bater os 10% anteriores, demorou muito mais tempo”, ressalta ela.

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Ainda assim, o quadro é difuso. “Há uma bancada reforçada do Partido Social Liberal, o mesmo do presidente. O debate vai ser difícil. Vamos ter de nos esforçar para garantir que a ala feminina consiga trabalhar. Ajuda se as mulheres estabelecerem entre elas um bom diálogo, independentemente do partido”, indica Giulliana. Os especialistas acreditam que todo o esforço durante o primeiro ano de governo será direcionado no sentido de não perder os direitos já conquistados. Recomenda-se não se assustar com as notícias – serão muitas, e todas gerarão polêmica. As mulheres precisarão conhecer, com clareza, as pautas fundamentais.

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“Política é um assunto distante da maioria da população brasileira. As pessoas não sabem a diferença entre os três poderes ou os limites de atuação de um prefeito ou vereador. Trazendo esse recorte para a perspectiva de gênero, o recado é bem óbvio: ‘Não é lugar de mulher’. Porque é lugar de poder”, aponta a mestra em antropologia Carol Delgado, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Fica o desafio de tornar esse campo mais plural, com mais vozes. “Temos muitos grupos dentro da política para dissecar, romper, reimaginar. Todo esse processo precisa estar ao alcance dos comuns, da maioria”, afirma. Aproximar-se da política no dia a dia, para além das disputas eleitorais, será obrigatoriedade. Assim como manter-se informada e abrir espaço para conversa em muitos âmbitos, no grupo de amigos, em coletivos, com o pessoal do escritório e com a família.

As comunicadoras Sabrina Fernandes e Debora Baldin têm canais no YouTube e publicaram dezenas de vídeos oferecendo informação, contexto e análise durante o período eleitoral. A maioria dos conteúdos viralizou, alcançando diferentes públicos e suscitando discussão. “Homens falam muito de política. Quando eu digo que tenho um canal no YouTube, perguntam: ‘É de maquiagem?’. Temos a responsabilidade de romper padrões”, avalia Sabrina, à frente do canal Tese Onze. “É preciso estar atento, informado e em movimento. Não há mais espaço pra se acomodar”, completa Debora.

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O que está em jogo

Durante o processo eleitoral, não faltaram brigas e discussões. A polarização levou à ideia de que existe um inimigo com quem é impossível estabelecer diálogo. Em um extremo, houve até quem acreditasse que o outro lado precisaria ser eliminado. É um caminho perigoso e um risco para a democracia, sistema que carece de oposições para funcionar. “Além disso, destacaram-se no debate as ideias retrógradas a respeito dos direitos das mulheres e do reconhecimento das diferenças. Voltamos a discutir pautas da metade do século 20, como a igualdade salarial entre homens e mulheres”, examina Rachel.

Para a antropóloga Carol Delgado, o avanço em nossas conquistas básicas de direitos vem provocando uma reação muito feroz que implica duas linhas de pensamento. A primeira vê com mais clareza as estruturas rompidas com alguns avanços, principalmente em se tratando das minorias. Para esse grupo, o medo vem da insegurança de nunca ter estado numa posição de construção. A segunda linha questiona o que está acontecendo por medo da mudança: “Se chegamos até aqui desse jeito, por que mudar?”. Essas pessoas precisam ser acolhidas e sensibilizadas por um discurso mais acessível. E esse trabalho de meio de campo deve ser feito por setores privilegiados. “Quem já tem uma posição conquistada terá que criar coragem para pular no miolo das discussões”, explica Carol.

As incansáveis

Nascida na periferia de São Paulo, Tabata Amaral (PDT) foi eleita a sexta deputada federal mais votada do estado com 264 450 votos. Aos 25 anos, a garota prodígio formou-se na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e decidiu voltar ao país para mudar os rumos da educação. “Fui eleita de maneira diferente. Fizemos uma campanha a muitas mãos, com 5 mil pessoas envolvidas e mais 400 doadores. Em um país onde falar de educação não dá voto, sinto a felicidade e a responsabilidade que isso representa.”

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Filha de uma diarista e de um cobrador de ônibus, Tabata colecionou mais de 30 medalhas de concursos de matemática, física, robótica, entre outros, na adolescência. Chamou a atenção de uma instituição particular, que lhe ofereceu uma bolsa de estudos para que fizesse o ensino médio e entrasse em uma universidade. Aceita em Harvard, quase não foi, pois pouco antes perdeu o pai para as drogas. Nos Estados Unidos, formou-se em astrofísica e ciências políticas. De volta ao Brasil, fundou a organização não governamental Mapa Educação. A vontade de se candidatar veio de uma frustração com a política. “Não tenho experiência nem dinheiro e sou jovem, mas por que não eu? Recomendo a todas que se sentem desafiadas a ocupar espaços. Façam a si mesmas essa pergunta. Pode ser você, sim.”

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Tabata prevê que um de seus grandes desafios na Câmara vai ser ir além da polarização, tentando conversar com direita e esquerda. Ela pretende fazer parte da comissão de educação e quer tratar, principalmente, de três temas: a carreira do professor, a reforma do ensino médio e o financiamento do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Alvo de ataques, assédio e fake news durante a campanha, a jovem observa de perto o crescimento do discurso de ódio e o questionamento de direitos básicos de mulheres, negros e comunidade LGBTQ.

“O vocabulário dirigido a mulheres durante a campanha não era o mesmo direcionado aos homens. O primeiro passo foi entender que nada disso tinha a ver comigo, com minhas ideias, com o que estou vestindo, mas com o meu gênero”, conta. E avisa: “Discursos de ódio levam ao aumento dos crimes. Não vou tratar de maneira leve as ofensas às mulheres nas redes nem nas ruas. Violência é crime e tem consequências”. A paulistana tem outra responsabilidade nas mãos: ser um exemplo para outras meninas jovens. Ao ver mais mulheres na política, isso se torna uma possibilidade, parece mais acessível.

A questão da representatividade é destaque também para Kátia Cunha, Carol Vergolino, Jô Cavalcanti, Joelma Carla e Robeyoncé Lima. Com o codinome Juntas (Psol), elas foram eleitas para um mandato coletivo de deputadas estaduais em Pernambuco com 39 175 votos. Mandatos coletivos são novidade no Brasil. A lei prevê apenas um nome e uma foto na urna. Portanto, trata-se de uma modalidade informal. Ao mesmo tempo, não há nada que impeça. A ideia é compartilhar o poder, em vez de ter apenas um representante. O processo de tomada de decisões passa por muitas visões diferentes.

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Em 2016, Áurea Carolina e Cida Falabella foram eleitas vereadoras em Belo Horizonte no que ficou conhecido como Gabinetona. Em Alto Paraíso de Goiás, na Chapada dos Veadeiros (GO), desde 2017 cinco pessoas dividem um mandato de vereador.

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(Débora Islas/CLAUDIA)

Este ano, em São Paulo, a Bancada Ativista (Psol) conquistou uma cadeira para deputado estadual. Foram 149 844 votos, a décima candidatura mais votada para o cargo. Tanto no Juntas quanto na Bancada Ativista, diversidade é um ponto-chave. Na Bancada, são dois homens e sete mulheres, entre elas Erika Hilton, transexual negra. Já no Juntas, são cinco mulheres, duas brancas e três negras. Uma delas, Robeyoncé Lima, também trans. O Juntas coloca em pauta temas ligados a educação, população LGBTQ, moradia, comércio informal, juventude, direito à cultura e à comunicação. “A perspectiva é de que a gente faça um mandato fora dos portões da Assembleia. Não queremos fazer para o povo, mas com o povo”, explica a professora Kátia. Ela identifica o discurso de ódio, mas ressalta que é mundial. E faz uma ressalva importante: “Muita gente não é fascista, como foi chamada durante as eleições. A verdade é que falta informação. Precisamos chegar a essa parcela que não se sente representada. Mostrar, com afeto, que existe uma saída”, completa.

Aos 51 anos, Mara Gabrilli conquistou uma das duas vagas para senador pelo estado de São Paulo. Elegeu-se com mais de 6,5 milhões de votos. Atuando na vida pública há 20 anos, ela já foi a vereadora mais votada da cidade e também a primeira e única deputada federal tetraplégica do país – reeleita, inclusive. Aprovou projetos de lei sobre acessibilidade para pessoas com deficiência. Neste ano, foi eleita para integrar o Comitê da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência entre 2019 e 2022. É a primeira vez que o Brasil envia um representante. “Sempre trabalhei para todas as pessoas. Se votaram em mim ou não, não importa. O momento do país exige isso de nós.”, pontua.

Mara não se considera feminista, mas tem observado como o tema das mulheres influencia seu trabalho. “O país está prejudicado pela baixa representatividade das mulheres no Congresso. Quando comecei a fazer um trabalho político, não tinha noção da força feminina para a comunidade”, diz. Para ela, a mulher tem um compromisso diferente com o outro, não desiste no meio de uma empreitada. “Se você vai para a periferia de São Paulo, vê que a maioria das líderes são mulheres. E estão preocupadas com saúde, educação, preço no supermercado, jornada tripla. Sou uma defensora delas e de trazê-las para construir política pública.”

A deputada é positiva quanto ao futuro. “Foram eleitos um senador gay, um deputado federal cego, uma indígena. Há diversidade. Independentemente do pensamento de determinadas pessoas, o mundo caminha. Estou com a sensação de que vamos avançar, e não retroceder.”

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