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Mais do que estimular a abstinência, jovens precisam de educação sexual

Para a ginecologista Dra. Flavia Tarabini, a gravidez precoce deve ser tratada principalmente com informação e estrutura para os jovens

Por Ana Carolina Pinheiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 17 fev 2020, 10h24 - Publicado em 10 jan 2020, 13h33

Após uma pausa no uso do anticoncepcional para tratar uma Síndrome do ovário policístico e a falta do preservativo, aos 16 anos, Larissa abriu o resultado do exame de beta HCG e leu: positivo. O baque pintou logo de cara, afinal, há pouco tempo, a maior preocupação da estudante eram os detalhes de sua festa de debutante.

“Foi muito difícil, não foi um momento tranquilo, já que não sabia como seria a minha vida e nós dois éramos muito novos. E pra falar a verdade, eu tinha noção dos métodos contraceptivos, mas acabou acontecendo”, comenta a analista de suporte.

(Arquivo pessoal/Reprodução)

Assim como Larissa Camilo, 23 anos e mãe da Luísa, no Brasil, muitas meninas se tornam mãe entre os 15 e 19 anos. Segundo dados de 2018 da Organização das Nações Unidas (ONU), a cada mil garotas com essa faixa etária, acontecem 68,4 nascimentos. Inclusive, a taxa supera a média mundial, que é de 46 nascimentos.

As dificuldades após a notícia vão desde questões materiais às psicológicas. “Quando a Luísa nasceu, cheguei a ter depressão pós-parto, porque o começo foi bem complicado. Aí que a gente vê que a ideia de maternidade perfeita não existe”, desabafa. Mas, com o apoio da família e se cuidando, a sua relação com a maternidade mudou. “Com o amadurecimento, hoje vejo que renasci com o nascimento dela”.

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Questão de saúde pública

Para lidar com esse problema de saúde pública, o governo do presidente Jair Bolsonaro incluiu a abstinência sexual como um método contraceptivo para a campanha de prevenção à gravidez na adolescência.

Damares Alves, do ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH), liderou um programa que endossa essa decisão do governo, no qual defensores da “preservação sexual” foram convidados para palestrar na Câmara dos Deputados em dezembro do ano passado. O pastor Nelson Júnior, da organização cristã Eu Escolhi Esperar, e Mary Anne Mosack, da associação americana Ascend, estavam entre os participantes.

A presença da instituição estadunidense Ascend mostra mais uma inspiração do governo brasileiro às escolhas políticas de Donald Trump, já que Valerie Huber, ex-presidente da associação, é uma das responsáveis pelo incentivo à abstinência sexual como política de redução de gravidez precoce nos EUA.

Segundo o MDH ao jornal O Globo, a adoção desse recurso teve como base “estudos científicos e a normalização da espera como alternativa para iniciação da vida sexual em idade apropriada, considerando as vantagens psicológicas, emocionais, físicas, sociais e econômicas envolvidas, sem que isso implique em críticas aos demais métodos de prevenção”.

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Entretanto, segundo levantamentos realizados nos Estados Unidos, essas tendências não foram comprovadas. O Jornal Americano de Saúde Pública aponta que o investimento bilionário no programa que valorizava a abstinência sexual até o casamento como única forma de contracepção entre 1998 e 2016 não diminuiu a taxa de gravidez na adolescência.

Por meio de uma nota, a pasta revelou que não incentiva a abstinência sexual como política de governo, mas que considera a preservação sexual “como estratégia para redução da gravidez na adolescência por ser o único método 100% eficaz e em razão de sua abordagem não ter sido implementada pelos governos anteriores”.

Em contrapartida, em março de 2019, a ministra Damares Alves chegou a afirmar à BBC Brasil que “o método mais eficiente para a não gravidez não é a camisinha, não é o diu, não é o anticoncepcional, é a abstinência. Por que não falar sobre isso? Por que não falar de retardar o início da relação sexual? Eu defendo essa tese”, declarou.

Conheça a campanha

(Ministério da Saúde/Divulgação)

Na segunda-feira (03), o ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta e a ministra Damares Alves anunciaram a campanha de prevenção à gravidez na adolescência, na qual a abstinência sexual é aconselhada como método contraceptivo. A iniciativa, que tem o lema “Adolescência primeiro, gravidez depois”, teve R$ 3,5 milhões de reais de investimento para produzir peças de comunicação. O conteúdo será segmentado para dois grupos: o de 15 a 19 anos, em que o material apresentará os riscos e as consequências da gravidez na adolescência; e de 10 a 15 anos, no qual a recomendação será de retardar o início da vida sexual.

A Defensoria Pública da União (DPU) e a Defensoria Pública de São Paulo não recomendaram a divulgação da campanha, já que, segundo eles, não há evidências científicas quem comprovem a eficácia da abstinência como política pública. A Sociedade Brasileira de Pediatria também não endossou a decisão do governo. “Diversas possibilidades têm sido testadas em todo o mundo. Os Estados Unidos (EUA), por exemplo, têm gasto bilhões de dólares na busca de alternativas. “O que ensina a experiência americana? Os resultados evidenciam que estratégias combinadas são mais efetivas do que aquelas isoladas. Várias críticas têm sido feitas ao programa americano que estimula unicamente a abstinência sexual, principalmente pela baixa eficácia de resultados e alto custo”, afirmaram em nota.

Na coletiva de anúncio da campanha, Damares explicou que o próximo passo será a criação de um plano nacional de prevenção ao sexo precoce, que ainda não tem data para entrar em vigor. Sobre o processo de construção da iniciativa, a ministra explicou que levou mais de um ano e que estudos científicos foram usados para embasar as escolhas. Entretanto, nenhum artigo específico foi citado no evento. “Os jovens e adolescentes são seres pensantes. Eles não são guiados apenas pelo instinto sexual”, apontou.

Métodos contraceptivos

Além do preservativo e do anticoncepcional, a médica ginecologista Dra. Flavia Tarabini, da clínica André Braz, no Rio de Janeiro, explica que em países desenvolvidos médicos indicam métodos contraceptivos de longa duração e reversíveis, como implante hormonal e o DIU, para evitar gravidez na adolescência.

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Sobre a abstinência sexual, a especialista comenta que o recurso garante 100% de segurança. Entretanto, não acredita que o método seja cabível ou aplicável. “Não podemos esperar que mudanças governamentais – a não ser em um regime ditatorial – sejam deliberadamente estimuladas pelo governo, principalmente nesta faixa etária, em que é comum a tendência por confrontar determinadas orientações”, aponta a médica.

Uma fonte de informação sobre métodos contraceptivos e outras informações ligadas à puberdade era a caderneta de saúde do adolescente — que era disponibilizada gratuitamente em todo o país há 10 anos. Porém, o Ministério da Saúde, a pedido do presidente Jair Bolsonaro, interrompeu a distribuição em março de 2019 para reavaliar o conteúdo.

Educação sexual e condições socioeconômicas

A relação entre menores de idade e sexo ultrapassa a questão da gravidez na adolescência. Casamento infantil e violência e exploração sexual também são problemas de saúde pública decorrentes dessa combinação. Assim, a educação sexual, seja ela na escola, no ambiente familiar ou em outros espaços de trocas sociais, se mostra tão necessária em relação à proteção de crianças e jovens.

Desmistificando a ideia equivocada de que educação sexual despertar a sexualidade a psicóloga Mariana Luz explica que “é importante lembrar que a educação sexual ensina para as crianças e adolescentes orientações que as protegem de pedofilia, abusos sexuais, doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) e a gravidez precoce. Assim, eles vão ter uma relação segura com o sexo e consciente das causas que uma relação desprotegida pode acarretar”, comenta.

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A conscientização deve ser feita para todas as pessoas, independente do gênero, e de dentro para fora. Ou seja, mostrando ao jovem o quão importante são os seus desejos para que ele cultive mais respeito consigo mesmo e, consequentemente, com a pessoa com quem irá se relacionar.

“É preciso trabalhar para que elas desenvolvam um grau de autoestima para reconhecer suas próprias vontades. Da mesma forma, os jovens homens devem aprender a respeitar as mulheres e os limites impostos por elas” aponta Astrid Bant, representante do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) no Brasil.

Para diminuir os casos de gravidez não-intencional na adolescência, o Fundo de População da ONU, em parceria com a ITAIPU Binacional, realiza bate-papos com gestores e profissionais de saúde que atendem adolescentes no Paraná para que os mesmos se conectem aos jovens com mais proximidade.

A gravidez precoce não atinge apenas um grupo específico, entretanto fatores socioeconômicos impactam nessa condição. A cada 10 jovens de 15 a 19 anos grávidas, 7 são negras e 6 não trabalham e não estudam, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Estatística (IBGE).

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“Há fatores que são muito importantes e estão ligados à perspectiva de futuro que é oferecida à juventude. O Estado é responsável por fazer com que mulheres jovens tenham outras opções na vida que não sejam a maternidade precoce, por meio de acesso à educação e qualificação profissional”, diz Astrid.

Educação em sexualidade – Como dialogar com crianças e adolescentes

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