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HELLOO!

Sabe a mitologia de que mulheres bacanas e moderninhas tem um melhor amigo gay? Veio das comédias românticas, funciona como se você ganhasse um certificado de aprovação do grupo mais seleto e critico de todos. Mas é ao mesmo tempo uma inversão do pre

Por Redação M de Mulher
Atualizado em 16 jan 2020, 02h26 - Publicado em 7 abr 2013, 21h00
Natália Klein (/)
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“A mitologia do melhor amigo gay é ao mesmo tempo uma inversão do preconceito e a propagação desse mesmo preconceito”
Foto: Bassai

Quando eu era criança, toda esquisita e desengonçada, sonhava com duas coisas, igualmente imprescindíveis: ser paquita e ter um melhor amigo gay estilista. Felizmente eu cresci e minhas ambições se tornaram um pouquinho mais sofisticadas do que ser uma babá loira que veste uniforme de banda militar. Mas não posso negar que ainda me resta uma fagulha daquele outro sonho, o do amigo estilista.

Na minha adolescência, fiquei obcecada pelos filmes da Audrey Hepburn. Eu queria ser como ela. Bonita, moderna, estilosa, fazendo bom uso da altura – única coisa que tínhamos em comum, além do pé gigante. Obviamente, meus óculos enormes, meu aparelho fixo e meu cabelo de gambá morto não ajudavam muito no processo. E numa idade em que a maioria das garotas sonhavam com um príncipe – não encantado, mas encarnado no corpo do Leonardo DiCaprio –, tudo o que eu queria era meu próprio Givenchy, estilista genial e amigo íntimo da Audrey. E em vez do cavalo branco, eu sonhava com uma arara enorme, cheia de roupas incríveis, todas feitas sob medida para mim.

Quando entrei para a faculdade de Comunicação Social, subitamente, quase todos os meus amigos eram gays. Infelizmente, nenhum deles era um estilista talentoso em busca de uma musa. Acredite, eu procurei. Mas, ainda assim, em pouco tempo, ter amigos gays ou amigos héteros passou a não fazer a menor diferença para mim.

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Sinceramente, acho que já foi o tempo em que ter um melhor amigo gay tornava uma mulher heterossexual mais legal e descolada. Essa lógica chega a ser preconceituosa, se levarmos em consideração o panorama politicamente correto em que fingimos viver atualmente. Digo fingimos porque a aceitação dos gays pela sociedade me parece, por vezes, bastante hipócrita.

Tomemos como exemplo o maior ícone gay de todos os tempos deste semestre, o Crô da novela Fina Estampa. Uma espécie de mucama e esparro, que vivia para servir às extravagâncias de sua – eu cito – Rainha do Nilo. Não me entendam mal, acho as cenas ótimas e é inegável que o personagem tinha carisma e, por isso mesmo, caiu nas graças do povo. O que me preocupa nesse caso não é a aceitação de um personagem gay pelo público, e sim a forma como esse personagem precisou ser retratado para ser aceito.

Mas eu entendo de onde vem toda essa mitologia acerca do melhor amigo gay. Ela foi tão propagada no cinema e na TV quanto a ideia de que existe uma pessoa certa para cada um de nós e que, após uma série de peripécias e mal entendidos, os dois vão perceber que foram feitos um para outro, como num filme da Meg Ryan ou da Julia Roberts. Aliás, alguém conhece alguma boa comédia romântica gay? Opa, romântica-gay não soa bem. Rola um cacófato. Homocomédia romântica, então. Existe?

Enfim, a questão é que boa parte das comédias românticas que eu assistia na minha adolescência de óculos, aparelho e péssimos cortes de cabelo envolvia um melhor amigo gay, legal e descolado. De cara, posso citar o estilosérrimo Rupert Everett em O Casamento do meu Melhor Amigo. Dono de uma fineza única, o “amigo gay” da Julia Roberts a ajudava na difícil tarefa de reconquistar um ex que estava prestes a se casar com a chatinha e sem sal da personagem interpretada pela Cameron Diaz.

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Assisti a esse filme tantas vezes que sei algumas falas de cor. Dentre as várias cenas memoráveis desse clássico está a parte em que o Rupert Everett finge ser o noivo da Julia Roberts – sim, porque esse é outro ponto crucial da mitologia do melhor amigo gay: fingir que é o namorado da mocinha hétero nos momentos de desespero. Eu mesma já tentei essa manobra e, sejamos francos, na prática não funciona. Mas não funciona mesmo. Especialmente quando os dois enchem a cara e acabam flertando com o mesmo sujeito, sem saber qual é a preferência dele.

Só que, na tentativa de parecer um homem heterossexual, o elegante Rupert Everett dá início a uma sequência hilária de desmunhecadas, que desencadeia naquilo que, para mim, é a apoteose da história do cinema dos melhores amigos gays. Uma mesa inteira cantando Say a Little Prayer, da Dionne Warwick. E depois todo o restaurante. Meus olhos brilham só de lembrar. Se eu não fosse hétero, eu seria muito gay.

Na TV gringa não faltam casos que corroboram essa mitologia. A minha preferida é Will and Grace – mais um exemplo de melhor amigo gay bonitão e estiloso. É como se andar com um cara com o Will fizesse de você uma pessoa melhor que as outras. É quase como se você ganhasse um certificado de aprovação do grupo mais seleto e crítico de todos. Você passa a fazer parte de um clube exclusivo de pessoas que entendem das coisas.

E, não é por nada não, mas tem muito gay por aí que incorporou o estereótipo do “eu sou melhor que você”. É o que eu costumo chamar de gayxorcismo. Os gayxorcistas são pessoas que se utilizam deliberadamente de todos os clichês que regem a mitologia dos gays, incluindo o amplo conhecimento em roupas, cabelo, maquiagem, sapatos, gosto musical, gosto para filmes e vocabulário. Aliás, destaque para o vocabulário. Os gayxorcistas adoram encaixar expressões em inglês no meio das frases, do nada. Tipo “no waaay ela fez isso”. Ou “eu não gosto dessa baranga at all”.

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De certa forma, isso até inverte um pouco os papéis, colocando todo mundo em função dos gostos e vontades de um seleto homogrupo de pessoas – hellooo indústria da moda –, mas também reafirma todos os estereótipos que a comunidade gay tanto luta para derrubar. A mitologia do melhor amigo gay é ao mesmo tempo uma inversão do preconceito e a propagação desse mesmo preconceito.

Mas não vou me isentar do clichê da mulher moderninha com seu melhor amigo gay. Quem assiste à minha série, Adorável Psicose, sabe que um dos personagens é o – pam pam pammm – meu melhor amigo gay. Que é baseado em uma pessoa real que é o – pam pam pammm – meu melhor amigo gay. Muito embora, eu costume me referir a ele somente como meu melhor amigo. Sem o gay.

Chamar um amigo que vem a ser gay de “amigo gay” é como sair por aí apresentando um amigo negro como “meu amigo negro”. Ou apresentar uma amiga japonesa como “minha amiga asiática”. É de um preconceito indescritível. Porque parte da premissa de que ser amiga de uma dita minoria torna a pessoa mais cool. E eu uso “dita minoria” pois, convenhamos, ao menos por onde eu circulo, os gays não são nem de longe o menor grupo.

De todo modo, a mulher hétero que sai por aí chamando um amigo gay de “meu amigo gay” é qualquer coisa, menos amiga dele. Pelo contrário, dizer isso faz a pessoa soar como um acessório. Mais ou menos assim: “eu nunca saio de casa sem minha make básica, minha itbag, meus sapatos da estação e meu melhor amigo gay.” Nada mais cafona e fora de moda. Como diria um gayxorcista, “suuuper 1996”.

Seja como for, nada no mundo vai me impedir de continuar sonhando com meu Givenchy. E quando nos encontrarmos, vai ser como nas comédias românticas que eu assistia na adolescência. Nós vamos ser perfeitos um para o outro. E eu serei feliz para sempre com minha arara cheia de roupas feitas sob medida para mim. 

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