‘Felicidade Por Um Fio’: sobre autoaceitação, amor e empoderamento
Produzido pela Netflix e baseado no livro 'Nappily Ever After', o filme vai muito além de um simples clichê romântico
Foi lançado em setembro o filme Felicidade Por Um Fio. Produzido pela Netflix e baseado no livro Nappily Ever After, a trama conta a história de Violet Jones (Sanaa Lathan), uma mulher negra publicitária e muito bem-sucedida que, a princípio, namorava Clint, um médico residente – também negro. Além de se dedicar ao seu trabalho, Violet também se esforçava muito com relação ao seu relacionamento. Ela trabalhava duro para ser a namorada perfeita: sempre recatada, bonita e regrada.
A outra preocupação de Violet era com o seu cabelo: artificialmente liso, a personagem sempre levantava da cama horas antes do namorado para pentear os fios de modo que, quando ele acordasse, ela já estivesse arrumada e acordando “naturalmente” daquela forma. Pelo menos, aparentemente.
Quando durante seu jantar de aniversário seu namorado não a pede em casamento, Violet fica frustrada e, ao questioná-lo, escuta do companheiro que é “perfeita demais” e que nunca estava relaxada e à vontade. Essa fala gera um conflito interno dentro da protagonista. A partir desse momento, a vida dela começa a mudar.
A princípio, Felicidade Por Um Fio parece um filme romântico clichê e água com açúcar (gostamos, também!), mas é muito mais do que isso.
Contém spoilers!
Na infância
Logo no começo da produção é exibida uma cena em que Violet, ainda criança, passeava em um clube com sua mãe. Nesse dia, seu cabelo já era alisado com escova. Sua mãe, uma mulher elegante e também com o cabelo alisado, havia a proibido de entrar na piscina, que estava lotada de crianças – todas brancas. Se ela mergulhasse, estragaria seu penteado.
No começo dessa cena já é possível notar como foi a educação de Violet: ensinada sempre a ser “impecável e perfeita”, sem poder ao menos brincar com seus colegas e fazer bagunça. Porém, como toda criança, Violet não se importou com seu cabelo ou com o que sua mãe diria, afinal ela só queria se divertir. Mas, ao mergulhar na piscina – sob a reprovação de sua mãe -, seu cabelo voltou a ser cacheado e todas as crianças fizeram piada da garota, com xingamentos racistas.
Essa cena logo no começo serviu para mostrar como seria a vida de Violet, a partir de seu primeiro contato com o racismo: uma preocupação exacerbada com sua aparência, uma obsessão pela perfeição externa – desde que padronizada, e a negação de seu cabelo natural.
Começando de novo
Violet sai com suas amigas para beber e afogar as mágoas geradas pelo fim do término do namoro e (quase!) noivado. A crítica de Clint mexeu com a personagem que, entre uma dose e outra, acabou ficando bêbada demais e indo ao hospital em que o ex trabalhava. Chegando lá, disposta a reatar, Violet se depara com Clint conversando em clima romântico com outra mulher.
Ainda mais abalada por saber que seu ex já estava em outro relacionamento, Violet volta para casa. Aos prantos, mas também sorrindo, ela raspa toda sua cabeça em um momento de impulso, e dá à luz uma nova mulher. A cena é impactante e cheia de representatividade: mostra a libertação da mulher negra, que é vítima do padrão do liso eurocêntrico. Impossível não se emocionar!
É claro que depois vêm a ressaca e a personagem entra em desespero ao acordar de manhã e perceber o que fez. Sua mãe, em uma cena cômica, desmaia ao ver o novo visual da filha, mas suas amigas a elogiam. Nos primeiros dias, Violet começa a se vestir de forma antiquada e a usar um lenço para cobrir a cabeça. Os homens do seu trabalho não olhavam mais para ela – o que sempre acontecia quando ela se vestia de forma elegante e tinha o cabelo liso.
Mas após uma ida um tanto quanto equivocada a um grupo de apoio, a personagem decidiu encarar de frente sua mudança radical e voltou a se arrumar como antes e a empoderar-se.
Pós-mudança
Nesse meio tempo, a protagonista se envolve com Will (Lyriq Bent), um cabeleireiro negro que é pai solteiro e a ama como ela é. Violet, a partir desse relacionamento, não tem mais amarras e descobre o quanto de coisas deixou de viver por estar presa à um padrão.
A mãe da personagem não aceitou bem o namoro, por julgar que Will era “pouco” para a filha, o que acabou resultando no afastamento dos dois. Durante esse hiato, Violet reencontra Clint e quase chega a casar com o médico. Em uma das cenas, uma problemática: ele pede para a publicitária alisar seu cabelo para a festa de noivado. E ela aceita!
Mas ao mergulhar na piscina da festa – fazendo uma alusão à cena de sua infância -, a publicitária percebe que nem lá, nem cá: ela não precisava de um homem para se sentir completa.
Reflexão
É importante ressaltar a aproximação de Violet com Zoe (Dariah Johns), a filha de Will. A menina nunca alisou seu cabelo e no começo foi até motivo de chacota pela protagonista. Mas de certa forma, Zoe refletia aquilo que Violet não pôde ser quando criança: livre. Com isso, as duas se aproximaram no decorrer do filme, em uma relação de irmãs ou até mesmo de mãe e filha.
Violet empoderou-se à sua maneira. Pediu demissão do trabalho após recusarem sua ideia de comercial de cerveja que dava voz às mulheres. Na cena, o superior da protagonista escolheu um projeto machista com a desculpa de que “vendia mais”, o que a deixou desconfortável. Ela também livrou-se da padronização imposta ao seu cabelo, aprendeu a se amar e libertou-se das regras de sua família. E no fim, ensinou que relacionamentos afrocentrados podem ser revolucionários – mas não são isentos de terem grandes falhas.
Mas acima de tudo isso, Violet mostrou que se amar e priorizar a si mesma é mais revolucionário ainda.