Dona Onete: “Fiquei famosa depois dos 70 anos”
Aos 78 anos, a artista conta como teve sua oportunidade de mostrar seus dons artísticos e divulgar a cultura de seu estado
Foi depois dos 70 anos que Dona Onete, 78 anos, teve sua oportunidade de mostrar seus dons artísticos e divulgar a cultura de seu estado, o Pará. Cheia de energia e coragem, ela foi lá e fez com muito sucesso. Leia seu depoimento:
“Sei que estou famosa, todo mundo fala, mas não deixo a ficha cair, que é pra não ficar, como se diz aqui, no Pará, de pavulagem – quando as pessoas se empolgam demais. O sucesso veio primeiro na Europa e nos Estados Unidos; só depois no Brasil. Eu vou viajando e não confiro essas coisas. Então, comecei a sair nas revistas, ser convidada para programas de televisão e aí pensei: ‘Meu Deus, será que isso tudo é comigo?’.
O que está acontecendo agora, aos 78 anos, nunca passou pela minha cabeça. Nasci em Cachoeira do Arari, na Ilha de Marajó, me criei em Belém e, quando casei, fui para Igarapé-Miri. Lá virei professora de história e secretária de Cultura. Até cantava, mas não era, como dizem, cantar de vez, para mostrar um trabalho. Eu não era profissional.
Participava de seresta em bares e sempre gostei muito de compor. Até hoje escrevo todas as letras das minhas músicas. Nas sextas-feiras, depois das aulas, eu saía com os alunos. Eles gostavam de me ouvir cantar. Há uns 20 anos voltei para a capital, pensando que tinha encerrado tudo em Igarapé-Miri, que dali pra frente eu ia só aproveitar a minha aposentadoria.
Um dia, fui dar uma canja num lugar que tocava carimbó, e o pessoal da banda Coletivo Rádio Cipó escutou a minha voz. Eles imaginaram que fosse uma jovem. Não faziam ideia de que era uma senhora. Quando me chamaram pra cantar com eles, não queria aceitar, mas meu segundo marido disse: “Vai, pra você não ficar aí, idosa, deitada em uma rede, doente”.
Ele sabia o que estava falando. Meu amor faleceu há oito anos, mas estaria muito feliz com o que está acontecendo. Em 2012, aos 72 anos, gravei meu primeiro disco, Feitiço Caboclo. O segundo foi Banzeiro, com DVD, e estou preparando o terceiro.
Preciso ser rápida, correr contra o tempo, porque ainda tenho muito pra falar sobre o meu Pará. Acho que é uma obrigação divulgar minha terra, as comidas daqui, a história, a dança, o artesanato, enfim nossa cultura. Hoje meu estado está mais conhecido, pode ver.
A Gloria Perez, que sempre retratou outros países nas suas novelas, desta vez escolheu contar sobre o Pará. Eu até apareci no penúltimo capítulo (A Força do Querer terminou em outubro). Tem tanta coisa no meu pedaço que é como se ele fosse um país mesmo.
No entanto, por muito tempo fomos esquecidos. Financeiramente, ainda não dá pra viver tão bem. Conto mais com a minha aposentadoria, porque essas viagens que faço custam muito caro. Não estou me importando com isso. Quero que as pessoas conversem sobre o Pará, saibam o que ele tem de bom. É isso que mexe comigo.
Sim, fico cansada com essa rotina doida de shows e eventos. Em outubro, passei oito dias no Rio de Janeiro andando pra lá e pra cá e, quando voltei, precisei descansar por alguns dias. Como não posso caminhar muito, eu canto sentada e depois levanto um pouquinho.
As pessoas já estão acostumadas, e isso não importa, porque a voz continua boa. Acho que não há impedimento pra nada. O que vale é a idade da nossa mente. Fico triste em ver que muitos idosos acabam esclerosados porque não são considerados na própria família, não têm com quem conversar. Hoje, todo mundo senta em volta da mesa e gruda no celular.
Ninguém mais liga pra ninguém. É lamentável. Antigamente, os mais velhos tinham muita importância na casa, a comidinha da vovó era valorizada. Hoje a avó só serve pra segurar a barra da neta. É preciso dar mais atenção aos idosos, eles querem ser ouvidos e têm muito conhecimento para transmitir.
Eu falo disso nos meus shows, incentivo que eles saiam pra passear. A gente precisa fazer algo de que gosta. Pode ser crochê, praticar exercícios ou dançar jamburana.”
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