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Mês do Cliente: Revista em casa por 10,99

Correndo, me livrei das drogas e virei campeã

Sou a Ana Animal. Vivi o inferno nas ruas e hoje venço todas as competições na minha categoria

Por Redação M de Mulher
Atualizado em 21 jan 2020, 04h43 - Publicado em 17 dez 2009, 21h00
Ainá Vietro (/)
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Vou a favelas contar minha história. Espero 
inspirar os jovens, para que não se percam 
como eu
Foto: arquivo pessoal

Quem me conhece já me ouviu dizer que não tenho medo de nada. É verdade. Vivi dos 18 aos 38 anos na rua, e isso me ensinou muito. Aos 35, achava que iria morrer. Usava drogas e tinha alucinações o tempo todo: ouvia vozes, via monstros…

Um dia, parei na frente de uma loja de eletrodomésticos – não me lembro o ano e o mês, minha memória é fraca. A tevê na vitrine mostrava o filme ”Carruagens de Fogo”. Aquela música não saiu da minha cabeça.

Sonhei com gente correndo na praia

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Nunca gostei de ficar suja. Eu usava os chafarizes das praças para me lavar. Mas, à noite, com dinheiro roubado, paguei para ter cama e banho. Fui dormir em um hotel. Sonhei com homens correndo na praia, igual ao filme. Era um prenúncio: a corrida salvaria minha vida.

Eu morava em um esconderijo na rua. Lavava roupa e fazia comida. Mandava os mais novos roubarem arroz, feijão, batata e carne. Fazia uma fogueira e cozinhava para todos.

Foi um dos colegas de rua, de apelido Draculino, que me fez o desafio: ”Duvido que você participe de uma prova”. A Maratona de São Paulo estava para acontecer. Eu sempre corria da polícia e sabia que conseguiria participar. Pedi, então, que roubassem tênis, roupa e o dinheiro da inscrição.

Duvidaram de mim, mas lá estava eu, pronta para a largada. Vestida como corredora, mas com um saco de cola no bolso. Corria alguns quilômetros e achava que estava no fim. Sentava, deitava, descansava… Em seguida, continuava. Um ônibus que recolhe os retardatários passou, e eu me recusei a ir. Fiz o trajeto em seis horas. Na chegada, roubei uma medalha para mostrar ao Draculino.

Na primeira vez que corri, passei mal

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Tive dores nos braços e nas pernas. Depois dessa loucura, cheguei a ficar cinco dias sem andar! Jurei que nunca mais iria correr. Por outro lado, estava cansada de viver nas ruas, das ameaças de morte e de apanhar. Queria mudar de vida.

Minha mãe me abandonou ainda bebê. Fui deixada com minha irmã gêmea em uma caixa de sapato no portão de uma Febem (antiga Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor, hoje Fundação Casa, que atende menores infratores).

Cresci lá, em meio a beliscões e puxões de orelha, com as pessoas dizendo que eu seria burra para sempre. Se na sala de aula era ruim, aos domingos, dia de visita, era pior! Entre todos, só eu e minha irmã não recebíamos ninguém. Todos ganhavam beijos, abraços, doces…

Eu via as mães conversando com as crianças e sentia raiva por não ter ninguém. Mesmo assim, gostava de cuidar dos mais novos. Dava a eles o carinho que minha mãe não me deu.

Saí da Febem e logo estava nas ruas

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Um dia, quando estávamos com 18 anos, chamaram minha irmã e eu. Minha mãe estava lá, tinha ido nos buscar. Pediram para eu abraçá-la e beijá-la. Não quis. Ela não era nada para mim! Cheguei a bater nela.

Saí da Febem e fui trabalhar na casa de uma mulher. Nunca mais vi minha irmã. Foram cinco meses e nenhum pagamento. Fiquei revoltada! Um dia, aproveitei a saída da patroa, peguei três malas e coloquei o que vi pela frente: bolacha, blusa, sapato, maquiagem… E fui morar no Centro, na praça da República.

Cheirei muito e quase me matei

Distribuí as coisas entre moradores de rua e ganhei a amizade deles. Na primeira noite na rua, forrei o chão com jornal e me cobri com cobertores. Cheirei cola pela primeira vez… A partir daí, cheirava para não passar fome e frio. Fiquei viciada, adorava a sensação. Almoçava e jantava cola.

Da cola para drogas mais pesadas foi rápido. Comprava maconha, crack e cocaína para revender. Uma vez, cheirei tanto que quis me jogar de um viaduto. Fui salva por um mendigo, que me abraçou por trás.

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Cheguei a pensar que tivesse Aids

Para me proteger, andava com um revólver calibre 38, comprado na favela. Com ele, brinquei até de roleta-russa! Fiz tantas loucuras… Tinha medo de ter Aids. Um dia, no parque do Ibirapuera, estavam fazendo exames médicos de graça. Eu fiz e me encaminharam para o hospital. Estava com anemia crônica e vermes, de tanto comer lixo!

Na época, apareci num programa de TV e contei o meu sonho. O então secretário estadual de Esportes, Fausto Camunha, se impressionou com minha história. A equipe dele me achou, e Fausto disse que queria me ajudar. Fiz exames e descobri que poderia ser corredora.

Ganhei um quarto no Centro Olímpico da Prefeitura. Morei lá três anos. Tinha alimentação, assistência médica, dentária e técnica. Treinava e participava de provas. O Fausto me ajudou a refazer documentos e limpar meu nome. Tirei passaporte para minha primeira corrida internacional, a Maratona de Nova York, nos Estados Unidos. Depois, participei de provas no Japão, na Argentina, no Chile e até na Disney!

Acordo todo dia às 4h para treinar

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Saí do Centro Olímpico para morar no Ginásio do Ibirapuera, onde vivo até hoje. Tenho o acompanhamento do técnico Wanderley de Oliveira. Acordo todo dia às 4h para treinar. Faço uma média de 25 km diários.

Sou campeã em todas as provas da minha categoria, a máster, para quem tem mais de 40 anos. Sou conhecida como Ana Animal. Além de focar nos treinos e provas, vou a favelas e comunidades contar minha história. Vejo nos olhos dos jovens uma possibilidade de futuro que não tive. Ao dividir minha vida com eles, espero inspirá-los, para que não se percam como eu.

Ana é um exemplo de disciplina

Fausto Camunha, 66 anos, jornalista, ex-secretário estadual de Esportes de São Paulo

”A Ana me chamou a atenção quando a vi num programa na tevê. Eu havia perdido meu filho de 24 anos em um acidente de carro. Ela veio como um desafio e um alento para a tristeza. A Ana é um exemplo de foco, disciplina. Tenho muita satisfação em ver até onde ela conseguiu chegar.”

Ela vai além a cada prova

Wanderley de Oliveira, 50 anos, diretor da Federação Paulista de Atletismo, São Paulo, SP

” Acompanhei as mudanças da Ana desde o princípio. Ela é conhecida como Animal porque tinha um jeito mais agressivo e brigava com as pessoas. O esporte a deixou mais sociável. Hoje, a Ana é querida por todos. Eu nunca imaginava que ela pudesse competir, mas a cada prova ela mostra que vai além. Se tivesse sido descoberta antes, poderia ter se transformado em uma atleta de alto nível.”

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