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Como falar sobre sentimentos complexos (como a angústia) com crianças

Além de tristeza e alegria, os pequenos sentem ansiedade, frustração, euforia, vazio emocional... Saiba como ajudá-los a elaborar tudo isso.

Por Raquel Drehmer
Atualizado em 15 jan 2020, 12h31 - Publicado em 25 jul 2019, 22h19
Rearview shot of a young woman and her daughter having a conversation on the porch (shapecharge/Getty Images)
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É comum, na primeira infância, as crianças fazerem confusão em relação ao que sentem. Alegria e euforia, tristeza e frustração, expectativa e ansiedade… Tudo se embaralha e elas dificilmente conseguem expressar suas emoções ou mesmo entender que existem sentimentos um pouco mais complexos do que os corriqueiros. E tudo bem: isso está dentro do esperado.

“Até os seis anos, elas ainda estão começando a adquirir uma capacidade de abstração que só se consolida por volta dos 12 anos. É por isso que pedem explicações lógicas para tudo que se passa, seja para um acontecimento banal, algo fora do normal ou um pesadelo”, explica Tatiana Oliveira Serra, psicóloga com ênfase em ansiedade e transtornos do desenvolvimento e diretora do Núcleo Tatiana Serra – Intervenção e Formação Comportamental.

A psicóloga clínica Evelyn Mattos esclarece de forma prática do que estamos falando: “É o que causa a fase do ‘por quê?’. A criança não fica repetindo essa pergunta à toa ou para irritar – tem quem leve para o pessoal, infelizmente –, mas sim para construir sua compreensão sobre o que ela própria sente. É muito importante os adultos ao seu redor terem paciência para trabalhar a concretização com elas.”

Falando parece ser muito fácil, mas como trabalhar no dia a dia essa concretização? Já nos aprofundaremos nisso, mas antes Tatiana dá uma pista: “É legal trabalhar com o que ela já tem de repertório – pode ser até de uma história ou de um desenho – e, principalmente, dar nome aos sentimentos na hora em que eles forem assunto.”

Evelyn orienta a sempre fazer a comparação entre os sentimentos conhecidos – alegria, tristeza, expectativa, falta de interesse – e os complexos – euforia, frustração, ansiedade, angústia, vazio emocional. “Lidar com algo familiar ajuda muito e deixa as crianças mais seguras”, diz.

Vamos ao detalhamento disso tudo, então.

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Alegria x euforia

Um presente surpresa e até um almoço com a comida favorita deixam qualquer pessoa alegre, e com as crianças não é diferente. Mas às vezes, por pura incapacidade de segurar a onda, elas passam do ponto da alegria e ficam falantes, “gritonas”, agitadas… eufóricas. E podem ficar nervosas por não entenderem por que estão reagindo daquela maneira.

Esta é a hora de sentar com ela, pedir que se acalme e apontar, delicadamente, de que forma o sentimento está passando um pouco do ponto; é nos gritos? no andar de um lado para o outro na sala descontroladamente? Pegar o indício mais forte, explicar que aquilo se chama euforia e que não há necessidade de ficar tão fora de si, embora seja ok isso acontecer.

Um exercício legal e facílimo para trabalhar a euforia é respirar profundamente com a criança três vezes. Isso acalma os ânimos e permite que ela volte a si com tranquilidade.

Expectativa x ansiedade

Toda criança fica na expectativa pela festa de aniversário, por um passeio com a escola, pela visita de alguém. A gente vê a felicidade nos olhinhos delas quando acontecimentos desse tipo são assunto, é uma delícia. Mas há uma linha tênue que separa a expectativa da ansiedade.

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Evelyn explica: “Se a antecipação por algo feliz começa a deixar a criança nervosa, irritada, se até lhe tira o sono, tudo indica que o quadro tenha migrado para a ansiedade, que não é algo positivo”, observa Evelyn. Ela recomenda que, ao notar esse comportamento, mãe e/ou pai sente com a criança e explique que não há necessidade de estragar um sentimento bom em relação a algo tão bacana que está por acontecer.

Uma dica prática: em um calendário de parede, fazer uma contagem regressiva até o evento. Todos os dias, a criança marca um “X” no dia atual e fica de olho na data circulada que se aproxima. “Ficando visível, ela se sente mais no controle da situação e a ansiedade passa”, garante a psicóloga.

Tristeza x frustração

Ficar triste porque algo não deu certo ou por não conseguir qualquer coisa: normal. Permitir que isso domine todos os outros sentimentos e leve inclusive à raiva: frustração que não está sendo trabalhada adequadamente.

“Aqui temos algo especial, porque atualmente os pais tendem a querer abafar a frustração dos filhos ao primeiro sinal. É por um instinto de proteção, mas prejudica a criança no sentido de impedir que ela saiba lidar com isso futuramente. E ela vai ter que lidar com frustração ao longo de toda a vida, é inevitável”, afirma Tatiana.

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Então, em vez de criar uma bolha, os adultos devem estender a mão, dar colo e abraços, falar em voz alta algo como “Você está frustrado, e tudo bem. Vai passar e estou aqui para passar por isso com você”, deixar a criança chorar e esperar o tempo dela para superar – ou seja, não tentar acelerá-la. É importante vivenciar isso tudo até o astral melhorar.

Angústia pura e simples

Enquanto a ansiedade é um sentimento negativo quanto ao futuro, a angústia é algo na mesma linha, só que em relação ao presente. A pessoa não sabe por que, mas sente um aperto no peito, um sofrimento, uma sensação de desamparo mesmo que haja uma rede de apoio – no caso das crianças, até quando mãe e/ou pai estão por perto e são presentes.

O sinal de alerta para a angústia é quando os pequenos se fecham e choram absolutamente sem motivo. “A angústia é um dos sentimentos complexos mais difíceis de abordar, porque a criança realmente se recolhe nela mesma. Sempre recomendo que os adultos estendam a mão e ofereçam ajuda e ouvidos, façam perguntas discretas sobre como os filhos estão se sentindo, sobre como podem ajudar, fiquem quietinhos ao lado deles. É a melhor tentativa”, diz Evelyn.

Mas, se a criança continuar fechada e tudo isso não surtir efeito em um período entre uma semana e dez dias, o melhor é procurar a ajuda de uma psicóloga. Em um ambiente “estranho”, porém controlado e seguro, as crianças começam a se abrir e é possível trabalhar o sentimento com a família nas sessões.”

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Falta de interesse x vazio emocional

Algumas coisas que praticamente todo mundo acha legal podem ser consideradas chatas por uma minoria. E tudo bem, não é preciso haver unanimidade sobre nada no mundo e seus filhos têm o direito de não se interessarem por algo. O problema começa quando eles não se interessam por NADA: é sintoma de vazio emocional.

“Hoje, muitas crianças têm acesso a tudo o tempo todo e na hora que querem. À primeira vista, isso pode parecer incrível, um privilégio. Só que, em pouco tempo, a vida fica um tédio, pois a criança não tem desafios. Os desafios nos movem”, esclarece Tatiana.

Ela dá duas dicas. A primeira é ficar atenta ao comportamento: “A criança com vazio emocional, ao contrário do que muitos pensam, não fica quieta, como se estivesse ‘na fossa’. Ela fica irritada, inquieta, perdida.”

A segunda dica é para mudar esse cenário de tédio e vazio. “Os pais podem restringir temporariamente o acesso a determinados brinquedos ou aparelhos, fazer a criança esperar um pouco. Ela passará a ter estímulos aos quais reagir e ficará mais feliz, mesmo tendo ‘menos’ coisas”, finaliza.

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