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Amor líquido: a busca de mães por apoio e empatia na hora da amamentação

O ato de amamentar fortalece o vínculo entre mãe e filho, nutre e protege o bebê. Mas nem sempre é fácil ou natural

Por Lia Rizzo | Fotos: Marlene Bergano
29 ago 2018, 22h32

A regra é clara. Se a mãe e o recém-nascido estão bem, o leite dela deve ser o único alimento até o sexto mês de vida do bebê. Após esse período, vem a introdução da alimentação complementar – frutas e papinhas. Mesmo assim, é indicado prosseguir com o alactamento até a criança completar pelo menos 23 meses, pois nesse período o leite materno ainda constitui sua principal fonte de nutrientes. As orientações são da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização das Nações Unidas (ONU), que recomendam ainda o uso limitado de fórmulas, mamadeiras e chupetas.

No plano perfeito, o triunfo do aleitamento está condicionado à produção da mulher e à disposição do filho para mamar. O problema é que, como muitas outras idealizações que envolvem o tema maternidade, a amamentação está longe de ser algo simples para uma parte significativa das mães. O mito de conexão obrigatória e imediata torna pesada uma fase muito delicada, em que somam-se às novidades de uma agitada rotina com o recém-chegado a avalanche hormonal do pós-parto e uma série de expectativas da mulher e daqueles que a cercam.

Em um estudo realizado pela Abril Inteligência e a MindMiners, empresa de pesquisa digital, com a participação de cerca de 5,5 mil brasileiras, das cinco regiões do país, somente 23% disseram não ter enfrentado nenhum problema na amamentação. Cerca de 58% relataram dificuldades na pega – modo como o bebê encaixa os lábios no bico do peito –, que culminaram em rachaduras, fissuras e outras lesões nos mamilos. Aproximadamente 48% das que amamentaram afirmaram acreditar que sua produção de leite era insuficiente, o que as teria levado a adotar complemento.

Mesmo anêmica e abalada pelo parto demorado e traumático, a paulista Gabriela Veles, 28 anos, não se deparou com dificuldades na hora do aleitamento da primogênita, Maria Clara, 5 anos. O leite também foi abundante quando nasceu Breno Luis, hoje com 3 meses. “Ambos se alimentaram superbem já na maternidade”, conta a profissional de beleza, que trabalha com pigmentação de sobrancelhas. Menos sorte teve a irmã dela, que deu à luz um menino. Com o seio muito ferido, ela recorreu a Gabriela, que passou a amamentar, além da filha, então com 5 meses, o sobrinho. “O fato de ter recebido apoio ao voltar para casa, nas duas gestações, contribuiu muito para ser bem-sucedida nesse processo”, acredita Gabriela.

(Marlene Bergamo/CLAUDIA)

A artista plástica carioca Vitória Frate, 32 anos, estava certa de que tiraria a amamentação de letra. A gestação tinha sido calma e, durante a espera, havia intercalado os preparativos para a chegada do bebê à prática de exercícios que facilitariam o parto natural. Depois de 41 semanas e alguns dias, chegou Carolina, num procedimento tranquilo e da forma como a mãe havia sonhado. “Foi lindo, me senti plena por ter parido e pronta para viver a maternidade perfeita, já que havia vencido, numa boa, a parte mais difícil.”

Ao voltar para casa, porém, a realidade mostrou-se diferente. Apesar de ter bastante leite e dos cuidados prévios, como tomar sol nos mamilos para evitar machucados, ela não conseguia amamentar. Nervosas, mãe e filha não se entendiam. Em pouco tempo, a carioca desenvolveu mastite em uma das mamas. “Eu me senti derrotada”, recorda. “Fala-se muito da importância do aleitamento, mas pouco das dificuldades que podemos encontrar pelo caminho”.

(Acervo pessoal: Vitória Frate/Reprodução)

Ideia romantizada

A médica Kelly Oliveira, especialista no tema, que atende em seu consultório em São Paulo e é autora do blog Pediatria Descomplicada, pondera que existe uma ideia muito romantizada da amamentação. “O ato envolve mais do que colocar o bebê no peito e ver o leite sair. A mãe pode estar vivendo uma situação de stress, em que precisa entender o que acontece com seu corpo para, assim, superar os obstáculos e ter êxito”, diz.

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O puerpério, período que vai do nascimento até por volta da oitava semana de vida da criança, é considerado uma montanha-russa de sensações para a maioria das lactantes. Nessa fase, o corpo da mulher está se recuperando do parto e realinhando a produção de hormônios. “Os primeiros 90 dias costumam ser caóticos”, afirma a pediatra e consultora internacional de aleitamento Luciana Herrero, do Instituto Aninhare, de São Paulo. Não raro, é esperado que, de imediato, o bebê demande o seio da mãe de três em três horas, podendo dormir nos intervalos. “No entanto, o mais comum é que o recém-nascido mame a cada hora, pois seu estômago é do tamanho de uma bolinha de gude e a digestão rápida”, explica Luciana.

No estudo da Abril Inteligência, 63% reconheceram ter passado por dificuldades expressivas nesse momento de adaptação à nova rotina. Cerca de 8% admitiram ter sofrido depressão pós-parto. O apoio da família foi fundamental para 78% das entrevistadas. Porém, lidar com o próprio preconceito e o excesso de cobranças até de outras mães torna-se um desafio adicional. “Para evoluir na amamentação, tive de recorrer à translactação por três meses com fórmula”, conta Vitória. “Era radicalmente contra isso e dei a primeira mamadeira aos prantos.”

Como ela, 83% das grávidas participantes da pesquisa desconheciam o procedimento. Foi a pediatra quem sugeriu essa alternativa ao constatar que Carolina, o bebê de Vitória, perdera muito peso. A técnica consiste em usar uma sonda – abastecida com fórmula ou leite materno – no mamilo para a criança sugar pelas duas vias. Presa à pele por um adesivo, a sonda é ligada a uma mamadeira ou frasco com tampa. Com essa ajuda, filha e mãe perseveraram. Atualmente, com 1 ano e 2 meses, Carolina ainda mama no peito. E sem pressa para o desmame.

Preparação antes do nascimento

A psicopedagoga Elaine Violini, 35 anos, de São Paulo, é mãe de Valentina, 5, Luigi, 2 anos e 7 meses, e Vittorio, 8 meses, que mamava exclusivamente no peito até algumas semanas atrás. Desde a primeira gestação, ela investiu em conhecimento. “Lembro de, ainda na faculdade, ter aprendido que o aleitamento é o primeiro processo de aprendizagem infantil. Por isso, ao engravidar, procurei ler muito para ajudar o bebê e me preparar psicologicamente.” Valentina mamou no peito durante todo o primeiro ano de vida.

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A lactação das três crianças foi tranquila. Mas, como 44% das mães com mais de um filho, a paulistana observou diferenças e características específicas em cada processo. Quando Luigi chegou, apesar de mais experiente, ela teve de lidar com o ciúme e a adaptação da primogênita. Para completar, passou por um abalo emocional que quase fez o leite secar por 48 horas. O menino tinha 9 meses na época e, nesses dois dias, ela precisou apelar para a fórmula. “Foi um episódio difícil, mas que me tornou mais empática e compreensiva com quem enfrenta situações delicadas e quase desiste”, diz ela, que ainda amamentou o menino até os 15 meses.

(Marlene Bergamo/CLAUDIA)

Vittorio, o caçula, encontrou uma mãe mais relaxada e bem-resolvida em relação às autocobranças – e com vontade de compartilhar com outras mulheres os caminhos e as possibilidades para o alactamento bem-sucedido. Quando o bebê tinha uma semana de vida, ela se uniu à consultora de amamentação e também mãe Renata Camarini, que conhecera meses antes, e juntas passaram a promover encontros com grávidas e lactantes. Na pauta, além da técnica, falam das próprias vivências e buscam acolher e encorajar as participantes a lidar com suas escolhas e ansiedade – para que não se sintam frustradas ou fracassadas.

Ajuda especializada e acolhimento

É na internet que 87% das lactantes entrevistadas buscam se informar, especialmente em grupos maternos nas redes sociais. Trata-se de um ambiente vasto de dados, mas também de julgamentos e censura, o que pode agravar a insegurança de quem já enfrenta problemas no aleitamento ou decorrentes de inexperiência.

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Hoje, muitas mulheres já entenderam que o leite materno é o alimento mais indicado para o bebê. Também estão conscientes dos benefícios da amamentação prolongada (a média do tempo entre as que amamentaram é de 17,2 meses) e da livre demanda – 94% afirmaram dar de mamar sempre que a criança pede, e não apenas em horários preestabelecidos. Porém, como lembra a pediatra Luciana, para o recém-nascido o seio é também aconchego e consolo. “Algo que a mãe só consegue oferecer se estiver tranquila e confiante”, afirma.

A fonoaudióloga e consultora de aleitamento Fernanda Cacciari, do serviço DUDON – Born to Be Happy, que dá assistência à gestante e ao bebê, em São Paulo, acredita que a busca por amparo nesses meios é justificada pelo desconhecimento a respeito das possibilidades de apoio profissional. “Ainda que as mulheres amamentem desde os primórdios, a ajuda especializada é algo novo”, diz ela. Conta ainda que são poucas as que buscam orientação preventivamente. A maioria chega com um quadro severo de dificuldade, quase sempre potencializado por expectativas excessivas e palpites de terceiros – em um momento em que as escolhas e os limites da mãe é que deveriam prevalecer. “Então, antes de informação, tecnologia e acompanhamento terapêutico, temos que estender a mão para essa mulher, que vem muito fragilizada”, explica.

A boa notícia, segundo a consultora Fernanda e as pediatras Kelly e Luciana, é que, com um trabalho conjunto, é possível vencer as barreiras iniciais, sejam elas simples ou mais complicadas, e fazer do aleitamento algo prazeroso para a mãe e o bebê pelo tempo que ambos quiserem.

O acompanhamento pré ou pós-parto para lactação pode ser feito por obstetras, pediatras, fonoaudiólogas e enfermeiras. Além dos serviços particulares, é importante lembrar que há também orientação gratuita na Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano.

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“Meu corpo não produziu leite”

Ao engravidar pela primeira vez, em 2008, a neurologista Tatiane Barros, 43 anos, não tinha dúvida de que amamentaria sem problemas. Gêmeos, Débora e Henrique vieram prematuros, mas saudáveis. O leite não desceu na maternidade e a consultora que a examinou afirmou ser questão de tempo. “Não me preocupei. Saí com a certeza de que, em breve, teria um bebê em cada peito”, relata.

Na primeira consulta, o pediatra notou a fralda das crianças sequinha, indicando que algo não ia bem. “Contei que tentava amamentar, mas que o leite ainda não tinha descido”, lembra Tatiane. O profissional foi categórico. Ela deveria entrar com a fórmula naquele mesmo dia. “Acatei, pois ouvia de muita gente que, sendo pequenos, talvez os bebês não tivessem força para sugar.”

(Marlene Bergamo/CLAUDIA)

Oito anos depois, veio Rafael, que hoje tem 2 anos e 2 meses. “Desta vez me preparei antes, com ajuda especializada”, diz a neurologista. Ao nascer, Rafael foi colocado no seio da mãe, pegou direitinho e parecia que tudo seria diferente. Duas noites mais tarde, porém, o pai teve de sair às pressas para comprar leite. Inconformada, Tatiane iniciou uma verdadeira odisseia para não se render à fórmula. Nada funcionou. A culpa virou sua companheira, como acontece com 67% das mulheres que, seja qual for o motivo, precisam introduzir o leite industrializado parcial ou totalmente. “Tinha vergonha de dar mamadeira em público antes de ele completar 6 meses. E me sentia inferiorizada”, conta.

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Tatiane tem hipoplasia mamária, condição em que o seio não cresce e as células da região podem ser insuficientes para a geração de leite. Há pouco tempo, ela soube que talvez seja essa uma das razões que levam de 1 a 5% das mulheres a não produzir o alimento. “Hoje entendo que não sou menos mãe por não ter dado o peito. Mas seria mais fácil se, no lugar de julgamentos, as pessoas oferecessem um ombro amigo. O problema em si já é enorme e doloroso”.

Leia também: Minha história de amamentação

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