A mulher que reforma casas de graça depois de ter construído o próprio lar
Com a ajuda do tio e do irmão, Fernanda Silmara dos Santos realizou o sonho de transformar a casa que cheirava tão mal que ela se sentia envergonhada.
“Eu sei o quanto esse projeto transforma vidas”. Foi com essa consciência do que é viver em uma casa simples e surrada que Fernanda Silmara Silva dos Santos decidiu criar o projeto ReforAmar. Totalmente voluntário, o programa reforma lares e espaços comunitários com muito amor e carinho.
Prestes a conseguir o diploma em Engenharia Civil, técnica em controle ambiental e tecnóloga em construção de edifícios, Fernanda criou o projeto para “reformas em casas de famílias carentes, asilos e orfanatos”, como é descrito no Instagram oficial da ReforAmar. Mais do que uma ação cheia de solidariedade, a proposta tem um peso ainda maior para a jovem, por ter vivido em uma casa com problemas estruturais difíceis de lidar – e ela precisou contar com a boa vontade de familiares para conseguir reconstruí-la.
“Tudo começou na minha infância. Morava em uma casa de taipa e tijolo branco. Eu fui crescendo e não chamava ninguém para a minha casa porque tinha vergonha. Mas teve uma vez que eu chamei umas amigas. Elas vieram e falaram que a minha casa fedia. Isso afetou muito minha autoestima”, desabafa Fernanda.
Diretamente de Natal, no Rio Grande do Norte, a tecnóloga explica que, durante toda infância e adolescência, a casa no bairro de Alecrim estava cada vez melhor, mas nunca completamente pronta. Até que a mãe de Fernanda decidiu se mudar para o bairro Felipe Camarão, num local mais próximo de onde ela trabalhava.
“Só que eu não me adaptei. O lugar era perigoso e eu chegava tarde da escola, do cursinho. Então, eu pedi para a minha mãe para voltar, porque tinha o quartinho de trás que estava arrumadinho. E como é todo mundo família aqui na rua, ela deixou. O quartinho lá de trás estava ok – tinha algumas infiltrações, mas para como eu morava antes, com tijolo branco de taipa que ficava aquele cheiro horrível, ele estava ótimo. Só que, na frente, para chegar ao quartinho de trás, tinha a parte que estava toda feia”, detalha Fernanda.
Ela explica que o motivo para a precariedade do imóvel era porque uma obra havia sido começada ali quando Fernanda e mãe ainda moravam na casa. Algumas paredes de tijolo branco haviam sido derrubadas para novas serem levantadas em tijolo convencional. Só que o fato de a reforma ter sido interrompida fez com que, ao voltar, Fernanda encontrasse o lugar cheio de mato e até mesmo com alguns bichos.
Mas o apoio da família estava prestes a transformar toda a situação. “Com isso, eu ainda não me sentia confortável em chamar os meus amigos. O meu tio, vendo a minha situação, falou que me ajudaria a construir a casa. Era só comprar os materiais”, declarou a estudante.
Com uma bolsa conquistada ao estudar no Instituto Federal do Rio Grande do Norte, a tecnóloga conseguiu comprar os utensílios necessários para reformar o local. Durante a semana, o tio e o irmão eram os responsáveis pelo trabalho e aos finais de semana, Fernanda entrava no esquema e também colocava a mão na massa.
Foi com esse apoio do tio e do irmão que a tecnóloga decidiu criar o projeto ReforAmar, em que casas de pessoas carentes são reformadas de forma voluntária. “Foi aquele desejo de que mais pessoas tivessem a vida transformada como eu tive. E, aos 15 anos, eu já tinha começado a fazer trabalho voluntário e eu sabia o quanto era bom. Eu ia para hospitais vestida de palhaças, só que eu sempre pensei em algo na minha área porque o impacto que o meu tio deu na minha vida foi… meu Deus. Minha autoestima mudou demais, não tenho mais a mínima vergonha de chamar os meus amigos, mesmo que eles tenham uma casa melhor do que a minha”.
Fernanda ainda fala sobre como sentir que tem um lugar especial para voltar no fim do dia foi essencial para que ela criasse esse movimento de ajuda ao próximo. “Mesmo que não seja a casa mais maravilhosa do mundo, mas para mim é o meu lar. E é isso que eu quero passar para as pessoas: que elas se sintam em um lar. Não simplesmente morar em um casa e não gostar dela. Muita gente não sabe o que é isso, chegar de um dia turbulento e ainda não se sentir confortável. Ainda tem que ficar pensando em ‘ah, começou a chover, tem que botar balde ali’ e começar aquele trabalho dentro de casa e nunca descansar. Sempre ficar naquela angústia, com vergonha”.
Só que Fernanda também revela que teve receio de não ter pessoas que embarcassem nessa missão junto com ela. Mas ela acabou totalmente surpreendida. “Eu até tinha medo de fazer esse projeto e não ter gente para ajudar. Mas não, eu vejo que muita gente quer ajudar só não sabe por onde começar. E o ReforAmar é uma porta para ela começar a fazer o bem”.
Para ser beneficiado pelo projeto, Fernanda explica que é necessário passar por oito fases. A primeira é a da escolha, em que pessoas indicam o possível imóvel a ser reformado, contam a história da família que mora ali e enviam fotos da residência. Com a necessidade gritante de quem vive no lugar e a avaliação para ver se o ReforAmar tem estrutura para reformar a casa, ela é escolhida para receber a ajuda dos profissionais. O segundo passo é fazer toda a medição do ambiente que passará pela transformação e as plantas iniciais. Já a terceira fase é a produção da maquete eletrônica por arquitetos e designes voluntários, para que a família possa ver como ficará a mudança e também opinar sobre ela.
Depois da aprovação do dono da casa, o orçamento da obra é feito e postado no Instagram, junto com a história e com a prévia de como o lugar ficará. A ação na rede social é para que os seguidores possam fazer doações em dinheiro e os voluntários do meio consigam se oferecer para o trabalho.
Quando não é possível reformar a casa inteira, Fernanda senta para conversar com os donos do lugar para entender quais são as prioridades a serem seguidas na transformação – e, mais uma vez, a opinião da pessoa é essencial. “A gente pensa muito no conforto do contemplado, para fazer a casa dele virar um lar. Ele se sentir confortável, não ter vergonha dela e a sua autoestima melhorar”, enfatiza.
Os serviços oferecidos pelo projeto ReforAmar vão desde levantar e derrubar paredes, tirar rebocos antigos e colocar novos até conseguir móveis usados ou novos – quando sobra dinheiro arrecadado. E a ideia é sempre conseguir colocar tudo isso em prática de forma voluntária.
“Para pintura e passar massa corrida, essas atividades mais fáceis em que dá para ensinar em um dia, são voluntários de diversas áreas. Tem voluntários de nutrição, educação física, farmácia, de todas as áreas. Já quando é um serviço de alvenaria, subir parede, reboco, instalar cerâmica, instalação elétrica, em que tem que ter uma pessoa especializada, a gente tenta conseguir voluntariamente ou que dê desconto. Quando não dá, temos que contratar e aí a gente coloca o valor do serviço no orçamento”, detalha Fernanda.
Atualmente, a grande dificuldade do projeto é na arrecadação, pois não existem parcerias fixas ligadas ao programa. As doações de grandes empresas acabam acontecendo apenas durante ações específicas e depois terminam.
Só que a perseverança continua. A primeira casa reformada foi feita por ela e mais quatro amigos que acreditaram no projeto e até se propuseram a dividir os gastos da primeira obra com ela. Eles mudaram a fachada da residência e a usaram no material de divulgação nas redes sociais. Atualmente, já são sete obras realizadas.
Com um ano de projeto completo, a comemoração de Fernanda é muito significativa. Isso porque nessa sétima edição, a reforma foi completa. Com a ajuda dos voluntários e das doações, o ReforAmar conseguiu desde a transformação da casa em si, até móveis novos e comida para a família carente.
Quer contribuir com o projeto?
Como Fernanda explicou anteriormente, o ReforAmar pode ser incentivado de diferentes maneiras. Além da possibilidade de ser um voluntário nas construções caso você seja de Natal, a forma mais prática de ajudar é por meio de doações em dinheiro. Estes são os dados para auxiliar no projeto:
Fernanda Silmara Silva dos Santos
Banco Caixa Econômica Federal
Conta: 31594-7 / Agência: 0034
Operação: Poupança