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“A mãe é poderosa porque tem de ser”, afirma Betty Millan

A pscicanalista Betty Milan reflete sobre o que ajuda a exercer a maternidade com mais prazer e menos culpa

Por Liliane Oraggio (colaboradora)
Atualizado em 27 out 2016, 22h19 - Publicado em 9 Maio 2013, 22h00
Reportagem: Liliane Oraggio / Edição: MdeMulher
Reportagem: Liliane Oraggio / Edição: MdeMulher (/)
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“Escutar mais, para errar menos. Assim, é possível saber exatamente do que o filho precisa naquele momento”, afirma Betty Millan
Foto: Marta Santos

Em um momento de crise com o filho único, a psicanalista Betty Milan decidiu decifrar os mistérios, erros e acertos da maternidade. Daí nasceu Carta ao Filho (Record), seu 21º livro, lançado neste mês.
Aos 69 anos, formada em medicina, doutora em psiquiatria pela Universidade de São Paulo, psicanalista com mais de quatro décadas de experiência clínica, Betty desvenda para si mesma e para o filho, hoje com 30 anos, como conciliou o supremo amor materno com intensa atividade intelectual, profissional e amorosa entre São Paulo e Paris.

Escrever foi o jeito que encontrou para lidar com um dos maiores temores femininos: os filhos crescem e vão embora. “A diferença da relação entre mãe e filho e entre dois amantes é que mãe e filho foram um e precisam se tornar dois, enquanto os amantes querem ser um, mas são dois”, analisa. Em entrevista especial à revista CLAUDIA, Betty toca nos principais ingredientes dessa relação e aponta o que considera bons caminhos.

Em tempos de e-mail – e sendo tão íntima a relação com filhos -, por que escrever carta?

Para estabelecer com meu filho uma interação de outra natureza: uma relação simbólica que o excesso de intimidade impede. Escrevi a carta em um momento em que ele estava distante de mim. Eu me inspirei em madame Sévigné (1646-1705), autora da literatura epistolar, que fez quase 800 cartas para a filha ao longo de 50 anos.

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E quem é o seu filho, o destinatário?

Matias Mangin, 30 anos, cineasta formado nos Estados Unidos e na França, onde moramos boa parte do tempo. A carta foi escrita durante uma crise. Após dez anos sozinho em Paris, ele voltou para minha casa. Foi difícil para nós dois. Brigamos, ele foi morar com a avó e parou de falar comigo. Escrevi para rever meus erros e para que ele me escutasse, pois a mãe não tem o direito de falar sobre si mesma com o filho – que, por sua vez, espera que ela esteja sempre lá, à disposição. Essa é a boa mãe: cuida e nunca fala de si própria. Quem o faz toca nas suas faltas e, assim, a imagem ideal da mãe infalível não se sustenta.

Essa idealização é recente ou sempre existiu?

É algo do nosso tempo. Até o século 18, as mulheres não se ocupavam dos filhos. Entregavam as crianças para amas-secas, e o índice de mortalidade era enorme, como aponta a filósofa e feminista francesa Elisabeth Badinter no livro Um Amor Conquistado (Nova Fronteira). Eu não me identificava com padrões de boa ou má. E, escrevendo a carta, me dei conta de que, paralelamente à maternidade, tenho uma vida desautorizada pela família. Mesmo hoje, depois da revolução sexual, a mulher pode trabalhar fora para sustentar as crianças, mas ainda não tem direito de ter vida própria. Nossa independência é difícil para os filhos, e ninguém ensina a ser mãe. Freud dizia que não importa; seja qual for a educação, a mãe vai sempre errar. Fugir do ideal de perfeição é o único jeito de não se sentir culpada.

Na prática, o que se pode fazer?

Escutar mais, para errar menos. Assim, é possível saber exatamente do que o filho precisa naquele momento e decidir qual a melhor conduta sem se importar em cumprir o que é esperado no padrão “boa mãe”. É um desafio. Não fomos educados para ouvir, mas, sem isso, não se pode perceber que cada filho é diferente, único, e pede algo novo a cada ocasião.

O que nunca muda na relação com os filhos e que precisaria ser atualizado no século 21?

O que não muda são os primeiros cuidados. E essa fase não é simples nem glamourosa. Há as mães que enlouquecem depois do parto e aquelas que deprimem, estranham o filho na hora em que nasce. Eu passei por isso e percebi que o amor materno surge com o cuidado. Nesse sentido, o papel da avó é importante, pois ela induz a filha a cuidar e, dessa lida, nasce o amor. Continuamos no papel de zelar pela educação e pelo comportamento social do filho, mas só que dentro de parâmetros reais, menos idealizados. Isso resguarda a criança e a prepara melhor para a vida adulta.

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É mais difícil criar filhos hoje, num mundo de tantas ameaças, excessos e relações virtuais?

Tenho a impressão de que para minha mãe foi mais fácil, embora eu tenha sido presa como subversiva na época da ditadura e minha geração tenha passado pela revolução sexual. Engraçado, o feminismo disseminou a pílula anticoncepcional, mas nunca abordou as questões da maternidade propriamente dita. Em geral, em todas as classes, a falta de clareza em relação a valores éticos e a superficialidade do conhecimento e até mesmo do encontro direto, não mediado pelas telas, diluem os limites e dificultam a educação. Por outro lado, atualmente, as mulheres já não se sentem obrigadas a ser mães.

Ainda que falhe, o vínculo entre mãe e filho é eterno. Isso é um superpoder?

A mãe é poderosa porque tem que ser, ela é a segurança afetiva dele. Por exemplo, ser mãe é ser boa atriz: meu filho me telefonou da Índia dizendo que tinha emagrecido 6 quilos. Eu me desesperei, mas simulei calma para que ele não ficasse ainda pior, pois minha serenidade contava para que ele se curasse. Mãe escuta, dá limite e se afasta na hora certa. Por isso, amor materno não pode ser confundido com amizade. Tenho uma mãe toda-poderosa: sempre foi convencional, mas independente e atuante, à frente da clínica popular de olhos de meu pai, médico radiologista. Teve três filhas (além de Betty, a arquiteta Marlene Milan Acayaba e a artista plástica Denise Milan). Ficou viúva precocemente e fala de meu pai, seu grande amor, todos os dias. Hoje, dona Rosa tem 95 anos. Não pensa na morte, mas está preparada para ela e, quando pode, prepara os outros ensinando que ninguém deixa de existir porque morre. Lamentar a infelicidade somente atrai infelicidade. Com a sua idade, ela consegue ser imprescindível. Isso se deve ao amor sem limites e também à segurança que nos dá. Está sempre bem-disposta e atende a todos. É assim que ela mantém a família unida. Dificilmente imagino minha vida sem ela.

Qual a grande preocupação de pai e mãe hoje?

Que os filhos sejam supercompetentes para entrar no mercado de trabalho e não fracassem jamais. Esquecem que a cobrança e a exigência desmesuradas têm um custo para a criança. Pode virar uma tortura e ter o efeito contrário, diminuindo a qualidade do desempenho.


 

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