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A importância de exercitar a coragem, até a de falhar

Reshma Saujani criou uma ONG para ensinar programação às meninas e está lançando livro na Bienal do Rio

Por Daniela Folloni
Atualizado em 17 fev 2020, 13h50 - Publicado em 6 set 2019, 08h00

Ela foi eleita uma das maiores líderes mundiais pela Fortune e seu nome figura na lista da Forbes das mulheres mais poderosas que estão mudando o mundo. Reshma Saujani seria perfeita demais para ser de verdade?

De acordo com a própria, o que a levou longe foi justamente o oposto: a coragem de se arriscar e errar. “A busca pela perfeição me limitou durante muito tempo. Aos 33 anos, finalmente aprendi a ser corajosa na vida profissional, o que também me ensinou a ser corajosa na vida pessoal”, conta a americana.

O ponto de mudança foi quando, sem nunca ter atuado em um cargo público, a então advogada formada em Yale decidiu se candidatar a uma vaga no Congresso americano – tornando-se a primeira mulher indo-americana a entrar nessa disputa. Esse episódio dá início ao seu livro “Corajosa Sim, Perfeita Não” (Sextante), lançado no Brasil em agosto.

A advogada americana Reshma Saujani criou uma ONG para ensinar programação para meninas e aproximá-las da tecnologia
(Divulgação/CLAUDIA)

Aqui vai só um spoiler: Reshma perdeu feio para sua opositora, ficando com apenas 19% dos votos, mas sentiu que, pela primeira vez em sua trajetória, estava fazendo algo corajoso de verdade. Gostou daquela sensação. Percebeu que precisava se livrar de uma vez por todas do medo de errar, que não podia mais desistir antes de tentar e que, fazendo isso, se tornava mais forte e disposta para correr atrás de seus sonhos. Desde então, ela vem colecionando atitudes corajosas.

Fundou e é CEO da Girls Who Code, organização sem fins lucrativos dedicada a aumentar o número de mulheres que trabalham na área da tecnologia. Também atua na She Should Run, cuja missão é ter mais pessoas do sexo feminino em cargos na liderança pública.

Foi sua palestra no TED (uma série de conferências para disseminar ideias), cujo vídeo no YouTube teve mais de 4 milhões de visualizações, que a inspirou a escrever o livro. Neste mês, Reshma vem ao Brasil para participar da Bienal do Livro do Rio, que vai até o dia 8, como um dos destaques internacionais.

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Neste bate-papo, ela conta como nós, mulheres, podemos ter uma vida com mais realizações pessoais e felicidade “exercitando o músculo da coragem”.

CLAUDIA: Em seu livro, você diz que o medo de falhar pode limitar a felicidade e a realização pessoal. Como conecta felicidade e coragem?

Desde pequenas, as mulheres vivem uma cobrança social para serem perfeitas, obter as notas perfeitas, manter uma aparência perfeita, agradecer por tudo e colocar os outros antes de si mesmas. Conforme ficamos mais velhas, nos tornamos viciadas em perfeição. Isso toma conta de cada pedaço da nossa vida na escola, em casa, no trabalho. O fim dessa cobrança por perfeição é ter coragem. Quando você aprende a ser corajosa, tem uma vida mais feliz. Vejo tantas mulheres que se mantêm em empregos que elas apenas acham ok, mas não amam. Também permanecem em relacionamentos sem se sentirem felizes, têm hobbies ou atividades que até gostariam de fazer, mas não se jogam por achar que não são boas o suficiente. Quando você deixa a perfeição ir embora, reconecta sua mente à coragem, e isso leva à felicidade.

CLAUDIA: Em Corajosa Sim, Perfeita Não, você apresenta exemplos seus e de outras mulheres…

Sim. Não importa se estou falando com mulheres do Brasil, da Inglaterra, da Índia, dos Estados Unidos; se são mulheres mais velhas, mais novas, ricas ou pobres… Essa é uma experiência vivida por muitas de nós e que está nos levando à ansiedade e à tristeza. E também está contribuindo para uma lacuna na liderança feminina. É algo que a gente vê acontecer muito no nosso dia a dia. A maioria das mulheres que conheço fica com medo de fazer uma pergunta em uma reunião, a não ser que a questão seja perfeita. Elas não vão levantar a mão para aquela promoção porque acham que deveriam saber executar as funções do novo cargo perfeitamente. Também temos a culpa da mãe, que se julga porque o filho não está com a roupa perfeita ou porque ela não preparou com as próprias mãos os cookies para a festa de aniversário dele. As mulheres constatam que são constantemente julgadas de todas as maneiras, sentem que precisam executar tudo na totalidade.

CLAUDIA: Uma mulher que não é preocupada com a perfeição é mais feliz?

Ela é mais feliz e está fazendo escolhas relativas à própria vida. Isso não significa que vai alcançar sempre tudo o que quer. Acredito que haja uma diferença entre isso e não ter arrependimentos. Existe um monte de coisas que a gente gostaria de fazer, conquistar para si mesma, mas que não consegue resolver. Eu me candidatei a cargos públicos duas vezes e não sinto arrependimento porque pelo menos tentei.

A advogada americana Reshma Saujani criou uma ONG para ensinar programação para meninas e aproximá-las da tecnologia
(Divulgação/CLAUDIA)

CLAUDIA: O que você tirou da experiência de palestrar no TED que deu origem ao livro? Você a usou como uma virada na carreira? Isso deu mais coragem a você?

Eu vivo nesse movimento de exercitar a minha coragem. Sempre digo que coragem é como um músculo que precisa estar constantemente em movimento. Não é assim: “Ah, ok, agora eu sou corajosa, estou pronta”. Não! Eu me vejo muitas vezes voltando para antigos comportamentos, especialmente como mãe, sentindo que vou ser julgada por essa ou aquela razão. A mesma coisa como CEO, como líder, com amigos. Esse é um ruído constante, e não só na minha mente. Vivo conversando com mulheres que também têm esse comportamento e vivem se questionando: “Por que eu faço isso?”.

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CLAUDIA: Como podemos começar a ser corajosas agora?

Minha ideia é que a gente não pode ser corajosa se estiver cansada, e toda mulher que eu conheço está exausta. A gente tem que descansar e não se sentir culpada por isso. Vale simplesmente dormir, fazer uma caminhada, desligar o celular, o que for bom para se sentir energizada. É muito importante achar espaço para si mesma sem se sentir egoísta. E a segunda coisa é realmente praticar essa imperfeição. Por exemplo, você não precisa ir à padaria toda produzida e maquiada. São essas pequenas ações que preparam o músculo da coragem, que colaboram para estar pronta na hora de subir a um palco.

CLAUDIA: Você tem algum mantra?

Sim. Corajosa, sim; perfeita, não.

CLAUDIA: O que devemos falar para nós mesmas quando sentimos que estamos indo para o lado da perfeição?

Primeiro, anime-se, reconheça que é uma jornada, que a coragem é um músculo, que está tudo bem se você relaxar. Certa vez, eu estava no avião com minha família. Resolvi dar meu bilhete de primeira classe para meu marido porque sabia que ele estava exausto havia meses. Sentei atrás com meu filho e, em certo momento, o pequeno começou a jogar M&M em mim. Procurei meu marido e o vi tomando uma taça de vinho, relaxado. Olhei para minha situação e disse pra mim mesma: “A-ha! Então essa sou eu sendo mãe!”. Depois disso não tive dúvidas e falei pra ele: “Vamos trocar de assentos agora”. Então tudo bem corrigir-se quando você se dá conta do seu comportamento. Precisa continuar tentando sempre.

CLAUDIA: De que forma podemos modificar a maneira como educamos nossas filhas para que elas cresçam corajosas?

Primeiro, temos de reconhecer que elas nos observam, seguem nossos comportamentos, nos copiam. Necessitamos de uma mudança interna somada a um trabalho com nossas meninas. Um exemplo? Deixar que elas brinquem, se sujem, sigam suas paixões. Mostrar que não é preciso ser a número 1 na aula de natação, de futebol, de ginástica, mas, sim, curtir, fazer o que ama.

CLAUDIA: O que dizer e o que não dizer para as meninas?

Isso me faz lembrar de uma amiga que tem uma bebê. Ela ficava o tempo todo atrás da menina, que estava começando a andar, dizendo: “Cuidado, querida; cuidado, querida”. Eu ouvia e pensava que ela devia falar: “Vai, menina; vai, menina”. Pare de proteger sua filha, deixe que ela se desafie física e emocionalmente.

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CLAUDIA: O exemplo do pai também é importante?

Acho que, nesse caso, é o da mãe, porque as meninas replicam aquilo que nós somos e como nos tratamos. Nós, mães, somos mais protetoras das filhas do que os pais.

CLAUDIA: Como você vê a transformação das meninas no Girls Who Code, que você criou?

Estamos no caminho de tirar a lacuna de gênero. Aumentamos o número de meninas interessadas em ciência da computação. Já são 185 mil garotas nos Estados Unidos. Acabamos de lançar o projeto no Reino Unido, na Índia e no Canadá. Fui à Jordânia recentemente e me encontrei com refugiadas para pensar em como podemos ensinar programação lá. Construímos um movimento global para ter garotas aprendendo a codificar um programa de computador. Mas a maior questão por trás disso é que a gente tem que ensiná-las sobre coragem, sobre como elas usam sua voz, como se sentem autoconfiantes, acreditam em suas habilidades, encontram suas paixões. Existem tantas coisas que puxam as meninas para trás… Entender sobre ciência da computação é um superpoder que elas podem ter e uma habilidade que todas deveriam aprender. E ser corajosa em vez de perfeita é outro tipo de ferramenta, de competência, para que elas atinjam todo o seu potencial.

CLAUDIA: Você tem planos de trazer esse projeto para o Brasil?

Com certeza. Estou animada para ir ao Brasil não só para o lançamento do livro mas para aprender mais sobre os interesses das garotas e quais são as barreiras para as oportunidades. Quando vou a um lugar, gosto de conversar com as pessoas, saber o que elas pensam. Todo país precisa priorizar a educação das meninas, porque sabemos que, quando a gente educa o sexo feminino, melhoramos a economia e todos ganham com isso.

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