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A carta aberta de José Mayer é ruim, mas indica novos tempos

Mais preocupado em salvar a própria pele do que em pedir desculpas, carta de José Mayer é problemática - mas seria ainda pior se ela não existisse.

Por Ligia Helena
Atualizado em 20 jan 2020, 16h44 - Publicado em 4 abr 2017, 21h46
 (Divulgação/Divulgação)
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“Eu errei no que fiz”. José Mayer, acusado de assédio sexual pela figurinista Susllem Meneguzzi Tonani, que trabalha na TV Globo, divulgou uma carta aberta nesta terça-feira (4), se desculpando por suas “brincadeiras de cunho machista”.

A carta foi celebrada por algumas pessoas, como uma confissão de culpa e um pedido sincero de perdão. Mas em nenhum momento o ator se digna a dar nome ao “erro que fez”. Assédio sexual. Isso foi o que José Mayer fez. Mas não ousa nomear.

Ao classificar as investidas em Susllem como “brincadeiras”, José Mayer tenta minimizar a gravidade da acusação. Susllem afirma que, na frente de duas testemunhas, o ator colocou a mão em sua vagina e disse que era um desejo antigo. Isso vai muito além de mera brincadeira.

José Mayer afirma na carta que “não teve a intenção de ofender, agredir ou desrespeitar”. Qual teria sido então a intenção dele ao tocar a vagina de Susllem sem consentimento? Diz ainda que “tem amigas, tem mulher e filha”, como se esse fato o absolvesse da culpa. Ainda mais triste é pensar que, mesmo cercado por mulheres, como ele alega viver, ainda assim ele tem dificuldade em se colocar no lugar de uma e, com empatia, não assediar.

Vale lembrar que na primeira vez em que o ator se manifestou sobre o caso, alegou que as pessoas estavam misturando ficção com realidade, atribuindo a ele falas e atos que seriam do personagem Tião Bezerra, da novela “A Lei do Amor”, em uma tentativa clássica de desqualificar a acusação da vítima, como se ela fosse louca.

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Na sequência, José Mayer joga a responsabilidade de sua atitude no fato de ser “fruto de uma geração que aprendeu que atitudes machistas, invasivas e abusivas podem ser disfarçadas de brincadeiras ou piadas”. Interessante que quando o assediador é jovem, tentam justificar o assédio por ser “apenas um menino”. Quando é velho, é culpa da geração. Aparentemente a agressão nunca é responsabilidade do agressor.

E, por fim, ele diz que descobriu nos últimos dias que o mundo mudou e que precisa mudar junto com ele. E que está “vivendo a dolorosa necessidade dessa mudança. Dolorosa, mas necessária”.

Quão doloroso pode ser para um homem aprender a respeitar as mulheres? Aprender que o corpo da mulher não é propriedade pública, e que tocar a vagina de uma mulher sem consentimento é crime? Quão doloroso pode ser parar de falar coisas ofensivas para nós mulheres, parar de nos inferiorizar, de nos humilhar e ridicularizar?

Isso é o mínimo. Não merece aplausos. Não é mais do que a obrigação de qualquer ser humano decente.

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A carta aberta de José Mayer é cheia de problemas. Toca apenas a superfície do que ele foi acusado de fazer, e em vez de pedir desculpas por ter ofendido, agredido e desrespeitado, ele se preocupa em explicar que não teve a intenção.

O lado positivo é que um homem em uma posição de poder foi obrigado a – mesmo de um jeito ruim – se retratar perante um assédio sexual. E na maior emissora de TV do país. Isso é inédito: em geral acusações do tipo são abafadas e não são levadas adiante.

Isso não é mérito da cartinha de José Mayer. É mérito de Susllem, que não teve medo (ou enfrentou o medo) e se expôs e contou em detalhes o que sofreu. É mérito das funcionárias da TV Globo, que se organizaram para protestar contra os casos de assédio sexual no meio televisivo, que são tratados como normais. É mérito das mulheres que vêm falando e falando sobre violência sexual, sem nunca se calarem, apesar das muitas tentativas de silenciamento.

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Emocionada. Emocionada pela construção de um novo normal, de um novo tipo de postura que busca transformar a sociedade para um berço mais caloroso para todas e todos. Um movimento de mulheres, de todos os departamentos dentro da Rede Globo de televisão, unidas pela mudança da normalidade. Para dizer não ao que por tanto tempo foi neutralizado por medo. Nós, atrizes e diretoras, que temos voz, nos tornamos realmente fortes quando nos vimos unidas com todas as mulheres da empresa. Nos posicionamos em torno da ideia de sororidade. De que #MexeuComUmaMexeuComTodas. De que, em algum momento, não vai mais importar onde você está na escala de poder hierárquico. Você, mulher, será abraçada por todas nós. Porque é só assim que a gente fica forte. Eu, Camila, hoje, me senti empoderada pela força de cada uma de vocês. Sou muito grata por poder fazer parte desse passo. Que ele se estenda por todo lugar. Que vocês mulheres que nos viram em luta, sintam-se fortes para reagir sempre. Juntas, unidas. Não contra alguém em especial, mas pelo bem estar de todos.

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A carta aberta de José Mayer provavelmente será a primeira de muitas que ainda vamos ler por aí. Pois infelizmente ele não é o único e nem o último assediador. Muitas mulheres ainda sofrem com isso diariamente. Mas elas não vão mais se calar.

 

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