Precisamos conversar sobre dinheiro
Para as mulheres, historicamente prejudicadas na área financeira, essa troca sobre ganhos e orçamento é imprescindível para mudarmos o cenário
Parece que falar sobre dinheiro com alguém é algo proibido ou, no mínimo, constrangedor. “É preciso esperar as crianças saírem da sala.” Se a cara está fechada e o tom da voz mais baixo, talvez o assunto seja mesmo contas e boletos. Quanto a sua amiga ganha? Mas que pergunta indiscreta, “sua atrevida”! É como se você estivesse invadindo a privacidade do outro ou até mesmo fuxicando. Tem aquelas que também podem pensar que você é materialista demais e até meio egocêntrica, pensando como prioridade o seu próprio lucro, “sua exploradora”! E não pode faltar o “como falar sobre dinheiro com tanta pobreza no país?”. Podemos entender cada reação dessa, afinal, as questões carregam muitas camadas construídas há décadas. Mais do que isso, envolvem também emoções, como medo, insegurança e vergonha (assuntos que já tratei em colunas anteriores — leia em claudia.com.br/tudo-sobre/investimento).
Mais da metade (54%) dos brasileiros consideram dinheiro um assunto delicado e 18% dizem que não falam sobre grana com absolutamente ninguém, nem cônjuges, nem parentes, nem amigos, de acordo com levantamento feito por uma instituição financeira. Do total de entrevistados, 61% atrelam o assunto a sensações negativas, entre as mais citadas, estão a insatisfação (26%) e as inseguranças (24%). Um recorte interessante: 55% acreditam que conhecer a história de outras pessoas poderia ajudar a encontrar melhores soluções para os seus próprios problemas financeiros e 58% afirmam que gostariam de falar mais sobre o tema.
Quando as mulheres enfrentam dificuldades em falar sobre dinheiro, a sua saúde financeira e seu bem-estar geral são afetados. Devido a desigualdade de raça e gênero, elas, muitas vezes, enfrentam problemas financeiros únicos, como o salarial. Por isso, é sempre importante, e cada vez mais urgente, que a sociedade como um todo trabalhe para mudar percepções, incentivando conversas abertas, francas e sem tabus. É hora de naturalizar os cifrões, seja em momento de escassez ou abundância, para mudar realidades.
Falar abertamente sobre grana é algo mais profundo: pode ajudar a aumentar a conscientização sobre desigualdades
Se falar com amigos ou familiares é complexo para você, considere conversar com profissionais de finanças, colegas de trabalho, comunidades online e mentores. Lembre-se de que cada pessoa tem sua própria abordagem para lidar com o dinheiro, e é essencial encontrar a que funciona melhor para você.
As conversas sobre dinheiro também têm potencial de ir além. A falta de negociação salarial, por exemplo, pode resultar em recebimentos mais baixos ao longo da carreira. Mulheres ainda têm maior chance de terem interrupções na carreira para cuidar de filhos ou familiares doentes. Além disso, elas perdem mais em salários e benefícios ao longo da vida devido a licenças de maternidade e ausências relacionadas aos cuidados, porque têm mais probabilidade de serem responsáveis pelas despesas domésticas e familiares.
Mulheres, no fim das contas, enfrentam uma série de barreiras para acessar investimentos e oportunidades para empreender. E a lista não para por aqui. Portanto, mulheres, vamos combinar de não nos culpabilizar e nem jogar a culpa na outra! Historicamente, estamos em desvantagem. As finanças pessoais são uma parte importante da vida de qualquer pessoa, inclusive da nossa (mais ainda da nossa, diria). Desde a gestão do orçamento até a economia para objetivos de longo prazo, é fundamental ter uma boa compreensão de como lidar com o dinheiro.
Falar abertamente sobre grana, entretanto, pode ser algo bem mais profundo do que simplesmente compartilhar quanto ganha: pode ajudar a aumentar a conscientização sobre desigualdades salariais, aumentar a literacia financeira, criar oportunidades de networking, empoderar economicamente nossas pares e reduzir violências. Vamos, finalmente, conversar sobre dinheiro?