O que a operação mais letal do Rio diz sobre o Brasil em 2025
A Operação no Complexo do Alemão e na Penha, no Rio de Janeiro, reascendeu o debate sobre como acabar com organizações criminosas
O céu do Rio de Janeiro não amanheceu azul naquele 28 de outubro. No Complexo do Alemão e na Penha, uma enorme nuvem de fumaça cinza cobriu o ar da cidade maravilhosa. O som de tiros cruzando de um lado para o outro compunha o cenário. Quem olhava para cima tentava entender o que era aquela névoa cinza: tratava-se de veículos espalhados pela periferia para formar barricadas.
O Brasil não está em guerra, mas a cena é digna de um conflito bélico. No combate, estavam mais de 2.500 policiais de um lado e inúmeros criminosos do Comando Vermelho (CV) do outro. Era o início da operação policial mais letal da história do país.
A operação mais letal já registrada no Brasil
Os intensos tiroteios do dia 28 de outubro duraram cerca de 15 horas. Os disparos começaram por volta das seis da manhã e seguiram até por volta das nove da noite. Oficialmente, houve 117 mortes de suspeitos e quatro de policiais na chamada Operação Contenção.
Nenhuma outra ação havia sido tão letal. As duas operações anteriores com maior número de mortes ficam muito distantes desses números: a do Jacarezinho, em 2021, com 28 mortes, e a da Vila Cruzeiro, em 2022, com 23. Todas foram realizadas durante o governo de Cláudio Castro.
O uso político de operações e o impacto eleitoral
Prestes a disputar novamente o cargo nas eleições de 2026, o governador do Rio de Janeiro considerou a operação um sucesso. “Se o sucesso for medido pela posição do governador na discussão nacional, então ótimo. Dois dedos para cima. Mas por que ele fez isso agora, de todos os momentos? Ele está no poder há mais de quatro anos. O crime organizado existe no Rio de Janeiro desde os anos 1980, pelo menos”, diz Graham Denyer Willis, professor no Departamento de Política e Estudos Internacionais da Universidade de Cambridge.
Enquanto a internet acompanhava praticamente ao vivo o confronto entre policiais e soldados do Comando Vermelho, logo surgiu outro embate — desta vez, de textos publicados nas redes sociais, escritos por pessoas no conforto de suas casas. Elas debatiam se a operação fora ou não um sucesso.
Duas visões sobre como combater o crime organizado
De um lado, há quem defenda que o confronto direto é a última tentativa de acabar com uma organização criminosa que causa estragos além do território em que atua, mas também aprisiona trabalhadores locais a uma vida trágica.
De outro, estão os que acreditam que o foco deve ser o enfraquecimento financeiro da organização, como ocorreu na operação contra o Primeiro Comando da Capital em São Paulo. E há ainda quem defenda que uma estratégia não exclui a outra, devendo ambas ocorrer de forma combinada.
“São décadas de operações policiais que utilizam um nível extremamente elevado de força, com denúncias sistemáticas de abusos. Essas operações nunca produziram resultados no sentido de desmobilizar os poderes armados. Ao contrário, os comandos ficaram cada vez mais fortes, se nacionalizaram e internacionalizaram. E a contrapartida, o sufocamento financeiro, a desmobilização política e a garantia de cidadania nos territórios, nunca acontece”, diz Jacqueline Sinhoretto, professora do departamento de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos.
A vida sob o domínio do Comando Vermelho
Viver sob o comando do CV não é tarefa simples. O grupo muitas vezes controla o que se fala, o que se veste e até mesmo os serviços básicos. Usar roupas com o número três pode ser suficiente para arrumar encrenca, já que o número remete à organização criminosa rival, o Terceiro Comando Puro (TCP). Falar “a gente” também é visto como um código inimigo.
O CV ainda monopoliza a TV a cabo, a internet, o transporte e outros serviços básicos. Quem não paga os R$130 pelo gás, geralmente comprado por um valor inferior a R$100 em áreas sem controle do CV, é cobrado diretamente pelos traficantes. A organização também amedronta quem vive fora dessas regiões.
Não é por acaso que pesquisas mostram que a população aprova o que aconteceu e quer que ações semelhantes se repitam. A AtlasIntel registrou 87,6% de aprovação entre entrevistados de favelas do Rio e 80,9% entre moradores de favelas em todo o país.
“Do ponto de vista dos moradores do Alemão e da Penha, há o saldo da violência acumulada tanto pelo bando criminoso quanto pela polícia, e uma descrença generalizada que produz essa sensação momentânea, em parte dos moradores, de que alguma coisa foi tentada”, afirma a especialista.
Por que ações diretas continuam falhando
O histórico de combate ao crime organizado no Brasil sempre se concentrou em ações diretas, mas os resultados têm sido ineficazes. “O crime organizado existe no Rio de Janeiro desde os anos 1980, pelo menos. E drogas são um mercado, não um lugar ou uma coisa. Elas têm mais a ver com as elites brasileiras, a classe média e o consumidor global do que com a favela”, afirma o professor.
De fato, o dinheiro não circula apenas nas favelas. Um estudo da Esfera Brasil mostra que o crime organizado se infiltrou em grandes setores da economia, como mineração, mercado imobiliário, comércio de combustíveis e transporte público, e afeta cada vez mais o crescimento econômico do país.
A comparação com a Operação Carbono em São Paulo
Uma recente operação contra o PCC, realizada em São Paulo, serve de exemplo de tudo o que a Operação Contenção não fez. Ela revelou um esquema que controlava postos de combustíveis e utilizava fundos de investimento para lavar dinheiro, mascarar transações e ocultar patrimônio. A Operação Carbono foi considerada um verdadeiro sucesso entre especialistas.
“Carbono Oculto teve uma estratégia planejada para enfraquecer e cortar os circuitos de atividades criminosas organizadas. Atuou com coordenação entre diferentes instituições federais e estaduais, articulando agências de controle, que trocaram informações e produziram provas para identificar brechas”, diz Jacqueline.
“Na operação ocorrida no Rio de Janeiro, não houve uma estratégia propriamente dita. Os locais de morte não foram preservados, não houve perícia adequada. Nenhuma medida foi tomada para relacionar armas e objetos apreendidos a pessoas presas ou mortas, o que inviabiliza a continuidade das investigações. Não há plano de retomada de território, nem iniciativa de desmilitarização dos grupos armados. A articulação entre polícias e órgãos de controle só começou após os resultados desastrosos”, pontua a professora.
O espetáculo político e seus riscos
É também por isso que a operação foi vista, por alguns especialistas, como uma forma de autopromoção do governador. “É muito fácil contar armas, corpos e levar as câmeras junto”, diz o pesquisador, que vê na ação um “espetáculo que impulsiona uma figura pública rumo a uma eleição iminente”.
Oito meses antes, Cláudio Castro havia apresentado um relatório ao governo Trump buscando provar que o Comando Vermelho é uma organização terrorista. O problema é que seu cargo é incompatível com esse tipo de ação. E que a existência de uma organização terrorista é a única justificativa legal para uma invasão norte-americana no Brasil.
“Chamar pessoas de terroristas deu certo para governos ao redor do mundo? Como os americanos no Afeganistão, o regime do Apartheid na África do Sul ou os britânicos na Índia, esse não é um projeto que suplantará a vontade humana de não ser humilhada. Os brasileiros sempre sobreviveram contra essas probabilidades, não importa o projeto violento do momento. Mas podemos aspirar a algo melhor para todos. E, se não por nós, ao menos por aqueles a quem damos o mundo. Devemos dar a eles o presente do medo?”, questiona Graham.
Especialistas também defendem que grupos terroristas buscam impor uma pauta política, ideológica ou religiosa através do medo, enquanto as organizações criminosas têm um objetivo econômico.
As consequências duras das megaoperações
O problema é que esse tipo de operação deixa consequências difíceis de reverter sem um plano. “As intervenções policiais são uma ótima forma de aumentar a filiação ao crime organizado. Pouquíssimas estratégias violentas reduzem o tamanho ou o papel desses grupos”, explica o professor universitário.
Segundo ele, 78% da população carcerária está presa por crimes violentos, e muitos diretores de presídios não têm condições de distinguir membros de facções de não-membros. “Como resultado, esses detentos acabam se submetendo a quem controla a prisão. Lamento dizer, e o leitor provavelmente já sabe, que quase nunca é o diretor.”
Essas operações também têm alto custo para os cofres públicos. “O Brasil construiu cerca de 1.480 prisões desde os anos 1980. Se cada uma custar cerca de R$30 milhões, o país gastou R$4,44 trilhões construindo estruturas que apenas agravam o problema”, afirma o pesquisador.
O medo gerado por operações desse tipo também pode levar mais pessoas ao crime. “Quanto mais a polícia mata nas favelas e nas ruas, mais os grupos criminosos podem dizer: ‘Viu? Vocês precisam da gente’. Intervenções como essas funcionam como campanhas de recrutamento”, afirma Graham.
“Para tentar minimizar isso, a ADPF das Favelas reivindicou limites para essas operações, mas eles têm sido sistematicamente descumpridos. Isso mina a crença nas instituições e restringe o alcance de todas as políticas públicas, subordinadas ao poder policial”, acrescenta a pesquisadora.
Entre a narrativa oficial e a realidade de quem vive com medo
Nas redes sociais e entre líderes de direita, ganhou força a narrativa de que os policiais mortos foram as verdadeiras vítimas — vítimas do crime organizado. Um deles havia se tornado policial apenas 40 dias antes.
“Todos os brasileiros são vítimas. Quem acorda de manhã e diz: ‘Mal posso esperar para ter medo’? Que mãe quer ver seu filho sair de casa sabendo que ele pode desaparecer, ser morto por estar no lugar errado na hora errada, ou ser enterrado em um cemitério clandestino? Tendo vivido em favelas e acompanhado a polícia de perto, fica claro que essa condição de violência constante é horrível para todos: moradores, policiais e, sobretudo, mães”, reflete o pesquisador.
O que realmente funciona no combate ao crime organizado
É possível, porém, agir de forma realmente eficiente. “Há uma pesquisa excelente que mostra o que não fazer. Não prenda dezenas de milhares de pessoas arbitrariamente. Não governe um país onde milhares morrem sem nome nas ruas, mês após mês. Em vez disso, pensemos em políticas que tornem a vida melhor. As pessoas conseguem comer três refeições por dia? Têm acesso a empregos dignos? Podem confiar que o governo as ajudará em vez de matá-las? Podem criar seus filhos sem medo?”, diz Graham.
A solução, na visão dos especialistas, não está também apenas em derrubar as estruturas financeiras das organizações. “Chamamos de crime organizado um tipo complexo de atividade ilegal que possui capacidade econômica e política de desmobilizar o controle sobre suas operações. Portanto, só é possível combater sua estrutura se, paralelamente ao controle dos criminosos, também se controlar os agentes estatais passíveis de corrupção. É preciso mirar não apenas o poder econômico, mas o poder político que o sustenta”, conclui Jacqueline.
Na visão dela, isso se faz com transparência e participação social nas instâncias de decisão, fortalecendo ouvidorias, mecanismos de denúncia, proteção a testemunhas e garantia de cidadania nos territórios.
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