Número de adultos que moram com os pais cresce 137% no Brasil
Mais do que um dado, o movimento revela tendências sociais e novas formas de convivência; Entenda

Com o nascimento de um bebê, começa o desfile de marcos: os primeiros passos, o primeiro dia de aula, o dente que cai, a nota vermelha, o diploma do colégio. Depois vem a faculdade, o primeiro salário, a tão esperada independência — e, por fim, a saída de casa. Até que, num giro inesperado, o movimento se inverte: os filhos voltam a morar com os pais.
Marcelo*, 50 anos, voltou para a casa dos pais
O administrador Marcelo*, 50 anos, é uma das pessoas que precisou fazer o caminho contrário em 2018. Recém-separado, com a guarda da filha de quatro anos, uma cachorra e um emprego a menos, era hora de recomeçar. E, como tantos recomeços, ele partiu de um lugar conhecido: a casa dos pais. “Meu pai fez o convite porque viu ali uma chance de eu sair do buraco em que estava”, relembra Marcelo.
Ele havia saído da casa de seus genitores aos 18 anos e só voltava como visita. O retorno teve o conforto do colo familiar, mas também veio com suas fricções. “Quando você sai de casa e volta, já não é mais o mesmo filho. E os pais que te recebem também já não são os mesmos”, pondera.
A equação, por si só delicada, ganhava um grau a mais de complexidade: Marcelo não voltava sozinho. Criar a filha envolvia decisões cotidianas e pedagógicas, e nem sempre as visões batiam.
Enquanto Marcelo tentava manter uma rotina mais regrada — menos açúcar, menos tela — os avós, movidos por um amor indulgente, ofereciam doces e desenhos animados fora de hora. “Eu não queria que ela tivesse a mesma educação que eu tive 40 anos atrás”, explica.

Mas era uma ajuda imprescindível — e ele sabia disso. Quando conseguiu se restabelecer profissionalmente, passou a contribuir financeiramente em casa.
Ainda assim, não podia abrir mão do suporte dos pais no cuidado com a filha. Eram os avós que a buscavam na escola, cuidavam dos horários de banho e alimentação. E com a presença da criança, Marcelo percebeu algo bonito: a casa se iluminava, e os dias dos avós também. “Ela alegrava a vida deles”, diz.
Durante a pandemia da Covid-19, no entanto, a dinâmica virou de novo. Marcelo perdeu o emprego — e mais uma vez ele precisou ser amparado financeiramente. Só que algo havia mudado no equilíbrio daquele arranjo doméstico: seus pais também começaram a precisar dele.
A mãe havia parado de dirigir e começava a enfrentar limitações motoras. O pai, por sua vez, recebeu o diagnóstico de uma doença degenerativa. “Acabou invertendo”, conta Marcelo.
“Antes, eles me ajudavam no cuidado com a minha filha. Agora, eu passei a ajudá-los no cotidiano da casa, com burocracias de plano de saúde, com tecnologia, além da minha filha e da cachorra. Fiquei muito sobrecarregado.”
Embora os dois ainda mantenham alguma autonomia, Marcelo entende hoje a importância de estar por perto, de garantir que haja sempre alguém por ali. Aquela casa, antes abrigo e recomeço, se transformou em rede de cuidados mútuos. Não havia mais um que cuidava e outro que era cuidado — todos se revezavam, amparavam-se.
São meus filhos que tomam conta de mim
A história de Marcelo reflete um fenômeno global. Entre 2012 e 2022, o número de brasileiros de 25 a 34 anos que moram com os pais cresceu 137%, segundo dados da Kantar IBOPE Media.
Apelidado de “geração canguru”, esse movimento é mais comum entre famílias de renda mais alta, especialmente na região Sudeste. Entre os que compartilham o teto com os pais, 60% são homens; 40%, mulheres. E o Brasil, claro, não é uma exceção no mapa.
Na Europa, a Eurofound — órgão que monitora políticas sociais no bloco — aponta uma tendência similar: o número de jovens adultos empregados que vivem com os pais aumentou entre 2017 e 2022 em países como Irlanda (de 27% para 40%), Portugal (de 41% para 52%), Espanha (35% para 42%), França (10% para 12%), Itália (41% para 48%) e Croácia (58% para 65%).
Nos Estados Unidos, uma pesquisa da empresa financeira Thrivent revela que 46% dos pais já receberam os filhos adultos de volta em casa em algum momento. E, para metade deles, o vilão tem nome e sobrenome: os altos custos da moradia.

Minha roommate, minha mãe
A escritora e psicopedagoga Carolina Zuppo Abed, 35 anos, saiu da casa dos pais em São Paulo aos 27, rumo a Santos, no litoral paulista, impulsionada por uma proposta de trabalho. Entre 2022 e 2023, viveu em Portugal para desenvolver parte do doutorado. Foi lá, entre bibliotecas e pressões acadêmicas, que enfrentou um burnout.
“Eu estava exausta mentalmente, fraca fisicamente, e com um doutorado para terminar”, conta. De volta ao Brasil, tomou uma decisão que, para muitos adultos, soa como último recurso: voltou também para a casa da mãe.
“Sabe quando você só quer ser filha? Eu precisava ser cuidada.” A ideia inicial era ficar por apenas três meses — tempo suficiente, imaginava, para recuperar as forças, reorganizar a vida e concluir a tese.
Assim que se sentiu melhor, decidiu retomar sua antiga vida em Santos, onde mantinha um apartamento. E foi aí que percebeu: ainda não era o momento. A solidão, mesmo cercada pelas próprias coisas, pesava. “Eu estava psicologicamente frágil. Ainda não era bom pra mim”, lembra.
Mais uma vez, voltou para a casa da mãe — ainda com aquele discurso de que seria “só por um tempo”. Com o doutorado concluído, embarcou em mais uma temporada na Europa: três meses entre Portugal e Itália.
Na volta, não houve dilema. Sabia exatamente para onde ir — e não era para Santos. Desta vez, no entanto, era diferente. “Não estou voltando por necessidade”, diz Carolina. “Existe uma pressão enorme para que os filhos não morem com seus pais — como se isso fosse, automaticamente, um fracasso.”
Ela conta que só se deu conta do verdadeiro obstáculo quando se perguntou por que não dividiria um apartamento com amigas. “Percebi que o que me impedia era o julgamento alheio. E, sinceramente? Morar com a minha mãe é uma delícia. A gente se dá bem, tem afeto e leveza. Brinco que tenho uma colega de casa que, por coincidência, me gerou.”
Sua mãe, a psicóloga e psicopedagoga Anita Lilian Zuppo Abed, de 66 anos, vivia sozinha desde a mudança da filha para o litoral. E gostava da paz. “Gosto da minha solidão. Quando você divide uma casa, precisa negociar: o que vai ser o jantar, por exemplo.”
Quando decidiram dividir o mesmo teto, agora sem data para terminar, tiveram que renegociar o contrato tácito da maternidade. Seria possível transformar aquela casa de uma em casa de duas? “Será que conseguimos ser colegas de casa?”, perguntavam-se. “Será que dá para desierarquizar?”
Carolina não queria ocupar o lugar da “filhinha” que volta com as malas e os dramas. Anita, com razão, temia ver sua rotina — e sua autonomia — escaparem pelas frestas.
“Acho que a gente entendeu que ninguém vai tomar o controle da vida de ninguém. Que as decisões relativas à casa vão ser feitas em conjunto. Que temos a mesma voz ali”, explica Carolina. E Anita completa: “Temos nossos combinados para estarmos juntas sem ficarmos grudadas. Cada uma com a sua vida — e, quando a gente se encontra, é muito bom.”
Hoje, dividem as contas meio a meio. E as tarefas domésticas seguem uma lógica de afinidades: Anita cuida das roupas e da caixa de areia dos gatos; Carolina, da cozinha e das compras. Um acordo entre adultas — equilibrado, afetuoso, com cheiro de café fresco e um pacto de respeito mútuo.
Assine a newsletter de CLAUDIA
Receba seleções especiais de receitas, além das melhores dicas de amor & sexo. E o melhor: sem pagar nada. Inscreva-se abaixo para receber as nossas newsletters:
Acompanhe o nosso WhatsApp
Quer receber as últimas notícias, receitas e matérias incríveis de CLAUDIA direto no seu celular? É só se inscrever aqui, no nosso canal no WhatsApp.
Acesse as notícias através de nosso app
Com o aplicativo de CLAUDIA, disponível para iOS e Android, você confere as edições impressas na íntegra, e ainda ganha acesso ilimitado ao conteúdo dos apps de todos os títulos Abril, como Veja e Superinteressante.