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Conheça Aretha Duarte, 1ª mulher negra latino-americana a escalar o Everest

Depois de chegar ao lugar mais alto do mundo, a montanhista luta para que outras possam sonhar com o topo

Por Lorraine Moreira
10 nov 2024, 05h30
A história da primeira mulher negra latina a subir o Everest e que conseguiu parte dos recursos com a reciclagem
Aretha Duarte conseguiu um terço do necessário para a expedição com a reciclagem (Fotos/Samuel Oscar/Ilustração/Catarina Moura/CLAUDIA)
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Aretha Duarte estava no topo do mundo. Não havia distração, insegurança ou vontade de ocupar qualquer outro lugar; ela degustava a sensação de estar no ponto mais alto do planeta.

A montanhista havia alcançado seu grandioso sonho — tão grande que media exatos 8.849 metros — e se tornado a primeira mulher negra latino-americana a escalar o monte Everest, no Nepal. Subir o equivalente a um prédio de 3 mil andares foi desafiador — e Aretha sabia que os próximos passos seriam ainda mais complexos.

Mas a história não começa assim. Filha do ferreiro amador Ailton e da cozinheira Euleide, a esportista nasceu em Campinas, interior de São Paulo, e cresceu em uma família humilde. Seus pais, vindos do nordeste em busca de uma vida melhor, precisaram reconstruir a vida do zero num barraco de madeira na periferia da cidade.

Essa fase foi marcada pelo contraste entre a falta de acesso e a liberdade para ser criança. “Tive uma infância feliz, brincava, praticava esportes e me sentia livre, mas existiam problemas na infraestrutura”, relembra. 

Ainda na juventude, Aretha começou a coletar itens para reciclar e gerar renda. Com seu crescimento, a montanhista testemunhou as transformações de seu bairro. Saneamento básico, energia elétrica e casas de alvenaria foram chegando aos poucos na região — e também na vida da jovem.

Aretha cresceu sendo incentivada para os estudos. Ela foi a primeira da família a conquistar um diploma universitário, justamente em educação física. Foi durante uma palestra na faculdade que ela acabaria capturada para outro futuro: um no topo das montanhas.

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“Nunca tinha ouvido falar em montanhismo, mas fiquei fascinada”, conta. Diante do alto custo do esporte, ela se ofereceu para trabalhar na operadora que ministrara a palestra. De início, vendia roteiros, depois se tornou assistente de guia e, por fim, acabou especializando-se em alta montanha.

A jornada até o topo do Everest

Aretha Duarte é a primeira mulher negra latina a escalar o Everest
Aretha Duarte mobilizou a sociedade em seu projeto de reciclagem para conseguir ir ao Everest (Fotos/Samuel Oscar/Ilustração/Catarina Moura/CLAUDIA)

A paulista de 40 anos passou a maior parte da carreira sem interesse pelo Everest. “Já havia subido montanhas no Nepal, Tanzânia, Rússia, Venezuela e escalado quatro vezes o Monte Aconcágua, na Argentina, uma experiência necessária para o Everest, mas não tinha desejo de escalar o lugar mais alto do mundo, porque o associava ao alto risco de morte, a custos financeiros elevados e a busca por status. Nada disso são fatores que me motivam.”

Bastou assistir a um vídeo sobre o Vale do Silêncio — um vale glacial plano cercado pelas montanhas da cordilheira, onde se ouve apenas o vento  — para que o destino entrasse em sua mira. “Fiquei encantada pela beleza do lugar.” Em 2020, Aretha decidiu escalar a montanha.

Havia, no entanto, um grande empecilho: seria preciso arrecadar US$ 67 mil, hoje o equivalente a mais de R$ 380 mil. Para conseguir esse feito, Aretha resolveu trilhar um caminho que já conhecia bem: coletar e vender materiais recicláveis. Foi assim que se deu o início do “Projeto Catadora no Everest“.

Amigos e familiares se uniram à causa, e juntos arrecadaram cerca de 130 toneladas de materiais recicláveis. O trabalho árduo de domingo a domingo garantiu um terço do valor necessário para a expedição, e mostrou que o projeto ia além da escalada: mobilizou a sociedade, empresas e até políticos.

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Ao longo de meses, ela reuniu recursos com o apoio da reciclagem, de patrocinadores e até mesmo participando de um game show de TV, no qual acumulou outros R$ 59 mil.

Antes de partir para o Everest, Aretha treinou intensamente. Nadava, pedalava, corria e se preparava para enfrentar os 54 dias na montanha, onde o ambiente hostil incluía ventos de 70 km/h, temperaturas de até -30ºC e o risco constante de avalanches e congelamento, além do conhecido ar rarefeito das grandes altitudes.

Os maiores desafios que Aretha Duarte enfrentou

Aretha Duarte, que escalou o Everest
Aretha Duarte sofreu queimaduras nos olhos e um princípio de edema pulmonar (Fotos/Samuel Oscar/Ilustração/Catarina Moura/CLAUDIA)

Durante a subida, ela sofreu problemas como queimaduras nos olhos e um princípio de edema pulmonar, com a saturação de oxigênio caindo para 70% — se estivesse na cidade, provavelmente teria sido internada. Mas um dos maiores desafios, para ela, foi lidar com o machismo. “Um homem fazia piadas e duvidava da minha capacidade. Precisei me impor e, em certo ponto, me isolar desse participante.”

No momento mais crítico, durante a subida final, seu sherpa, guia que ajuda escaladores a subir montanhas, sugeriu voltar porque ele não estava sentindo suas mãos e pés. Seria o fim da jornada de Aretha. Inicialmente, ela propôs continuar sozinha, mas não demorou muito para se arrepender.

“Percebi a insensibilidade da minha atitude e pedi desculpas chorando. Acredito que ele não esperava aquilo, porque secou minhas lágrimas e voltou a subir.” Juntos, seguiram até o topo, onde a montanhista se ajoelhou e experimentou um misto de emoções.

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Aretha Duarte trabalha para o montanhismo ser mais democrático

Quem é Aretha Duarte
A montanhista quer que mais mulheres e pessoas negras possam escalar (Fotos/Samuel Oscar/Ilustração/Catarina Moura/CLAUDIA)

A sensação de estar acima das nuvens, vendo o sol nascer, garantiu uma das maiores experiências de sua vida. “Senti uma imensa gratidão por todos que contribuíram para eu chegar ali.” Ela percebeu que aquele não era o fim, mas o início de um sonho maior.

“Entendi meu verdadeiro propósito: acredito que as conquistas devem ser coletivas, e não apenas individuais.” Agora, seu objetivo é que mais mulheres e pessoas negras tenham a chance de experimentar a escalada. Também encoraja quem a encontra a viver seus sonhos. “Ajudar as pessoas a reconhecer a força que têm para realizar seus desejos é minha missão.”

Aretha quer escrever uma história que não se apaga. Tudo porque, como muitos brasileiros negros, ela não tem conhecimento sobre a sua ancestralidade. “Ao longo da minha jornada, descobri como as histórias das pessoas negras foram ocultadas. Elas não são contadas na escola, nem no meu círculo familiar. E, ao acessar essas narrativas, descobri inúmeros motivos de orgulho, porque o povo negro, especialmente o africano, trouxe muitas soluções, ideias e transformações para o mundo.”

“Não queria que a história da primeira mulher negra sul-americana a chegar ao topo do Everest também fosse esquecida, que minha história fosse apagada”, conta Aretha.

Por isso, chamou os jornalistas Débora Rubin e Rodrigo Grilo para escrever um livro sobre sua trajetória, o Sucata no Everest: A Saga de Aretha Duarte, além de participar de documentários e reportagens. “É significativo ter minha vida contada de tantas formas e é uma maneira das pessoas se inspirarem.”

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Da sucata ao Everest: a saga de Aretha Duarte, a primeira brasileira negra a escalar a montanha mais alta do mundo

Da Sucata ao Everest - livro de Aretha Duarte

Hoje, é possível ver que sua plantação já está florescendo. Desde a escalada ao Everest, em 2021, as transformações em sua vida e nas daqueles que a conhecem não param de acontecer. “Muita coisa mudou. Vejo minha comunidade e minha família acreditando mais nos próprios sonhos. Eu mesma me sinto mais empoderada, mais forte, e não me limito diante dos desafios”, diz.

Aretha continua escalando: não apenas montanhas, mas também desafios sociais. Projetos que envolvem escaladas na África, por exemplo, são parte de seu legado, incentivando mais pessoas a se reconectarem com suas raízes e enxergarem o valor de suas histórias.

“Cada experiência em montanhas é muito mais do que um desafio físico − é uma imersão cultural, um reencontro com a história.” Assim, não para de imaginar novos futuros: “Meu sonho é promover a transformação social e ambiental, garantindo que todos tenham oportunidades”. 

 

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