Retirar camisinha sem permissão gera debate sobre crime sexual
Casos são frequentes e expõem as vítimas à gravidez indesejada e ao risco de contrair DSTs
Você pode ainda não tenha ouvido falar em “stealthing” mas, talvez, já tenha sido vítima da prática. Considerada agressão sexual, o termo dá nome à prática de retirada da camisinha durante o sexo sem o consentimento do parceiro.
Embora o nome seja uma novidade, um artigo escrito pela advogada americana Alexandra Brodsky, publicado no mês passado no periódico científico Columbia Journal of Gender and Law, aponta que a prática é comum entre jovens sexualmente ativos e ainda é pouco discutida.
O trabalho de Alexandra baseia-se em relatos de vítimas do abuso. Ele chama a atenção para o fato de que, apesar dos depoimentos que descrevem a prática como uma violação humilhante e desempoderadora do acordo sexual, muitas vítimas não viam a remoção da camisinha como agressão sexual. “Após a prática, ela afirmam que sentiram medo de engravidar e de contrair alguma doença, além da impotência diante do desrespeito”, disse Alexandra no artigo.
Leia também: Em 75% dos casos de estupro, o autor do crime é próximo à vítima
Ela conta ainda que, na internet, existem fóruns frequentados por defensores da prática. “Não apenas interessados em aumentar a sensação física de prazer, eles justificam suas atitudes como um direito natural masculino de ‘espalharem sua semente’”, relata.
Apesar disso, nenhuma das vítimas entrevistadas considerou levar o caso à justiça. Também não há registros de queixas semelhantes nos tribunais dos Estados Unidos. Apesar disso, todas sofreram abalos emocionais, financeiros e psicológicos depois dos casos. Por essas razões, a advogada acredita que a lei deve proporcionar formas de compensar essas vítimas, ou, pelo menos, de oferecer a oportunidade de terem suas queixas validadas.
Responsabilidade legal
Segundo a revista Veja, o único caso conhecido de condenação por stealthing aconteceu em janeiro, na Suíça. Durante a relação sexual, uma mulher reparou que o parceiro havia removido o preservativo sem avisá-la — e muito menos sem que ela consentisse. A vítima denunciou o homem e ele foi condenado por estupro. Foi a primeira vez em que um caso assim foi julgado como tal.
No Brasil
A lei brasileira, porém, não permite que a prática seja considera estupro. O código penal define, no artigo 213, estupro como “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.
“Não existe essa previsão de ‘furtividade’ na nossa lei”, explicou o defensor público Saulo Brum Leal Júnior, da Assessoria Subdefensoria Institucional da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, à BBC. “Para que um crime seja enquadrado como estupro, é preciso que o ato sexual tenha ocorrido mediante grave ameaça ou violência”.
Entretanto, existem alternativas legais às mulheres vítimas dessa situação. Os artigos 130 (perigo de contato venéreo), 131 (perigo de contágio de moléstia grave) e 215 (violência sexual mediante fraude) do Código Penal brasileiro poderiam ser aplicados, uma vez que o sexo aconteceu de forma desprotegida e não consensual.
Os especialistas dizem também ser possível entrar com uma ação cível contra o acusado. “Seria uma ação reparatória pelo dano causado, como, por exemplo, uma gravidez indesejada”, assinala Leal Júnior, da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul.