Pizza 3D e insetos tostados, o que vamos comer no futuro
Nos próximos anos, a alimentação mudará radicalmente. Elaboramos uma prévia de como será nossa dieta daqui em diante
Antigamente, se pedissem pra gente prever como seria nossa alimentação nos anos 2020, imaginaríamos algo parecido com o que comem os astronautas, aquelas refeições em cápsulas e secas. O tempo – felizmente – nos mostrou possibilidades melhores, começando por uma rotina mais inteligente. A internet das coisas, grande tendência, promete transformar nossos eletrodomésticos em receptores e transmissores de dados de consumo, capazes de programar, portanto, a compra de alimentos ou nos lembrar de que aqueles brócolis no fundo da gaveta estão chegando à data de vencimento. Nosso refrigerador receberá informações de uma nova dieta incrível, desenvolvida por alguma conceituada instituição e, com base nessas notícias, montará um cardápio (claro que só depois de se certificar de não ser nada milagroso ou fake). A questão é: o que estará nesse cardápio? Como será nossa alimentação em dez anos? Quais mudanças já estão em curso? É o que investigamos a seguir.
Flexitarianismo, muito prazer
“A eliminação ou redução de consumo de carnes e laticínios emergiu como uma das maneiras mais populares e eficazes de diminuir as emissões de CO2, e a tendência em buscar proteínas alternativas continuará a remodelar os alimentos e as bebidas”, diz Luiza Loyola, account manager e expert em tendências da WGSN. “Quem opta por essa dieta, os flexitarianos, está encontrando cada vez mais opções e cobrando das empresas transparência sobre seus processos de produção, ingredientes ecologicamente corretos e rótulos nutricionais detalhados.”
Pelo seu bem e pelo bem do planeta
A evolução da consciência do consumidor sobre o que ele come, como vive e o impacto de tudo isso para o meio ambiente está transformando nossa alimentação. “Espera-se que os ingredientes, as refeições e os sistemas alimentares adotem uma abordagem holística da sustentabilidade”, afirma Luiza. Os jovens estão mostrando sua força não só em relação ao consumo de proteínas de origem animal mas também quanto aos agrotóxicos e outras questões alimentares. “Cresceu 15% o número de adolescentes que fazem a substituição pela proteína de ervilha e de arroz”, diz a nutricionista Elaine de Pádua, especialista em adolescência pela equipe multidisciplinar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), autora do livro O Que Tem no Prato do Seu Filho? (Alles Trade).
Hambúrguer verde
Na carona do movimento pró-alimentação saudável e sustentável, vêm os produtos processados para atender a essa demanda. “É preciso olhar com critério e verificar se eles são livres de aromatizantes, corantes, conservantes e aditivos químicos, os chamados clean label. O desafio é fazer escolhas mais saudáveis sem perder sabor ou praticidade”, ressalta Elaine. O badalado hambúrguer verde, que “sangra”, comercializado por várias redes, continua sendo um produto superindustrializado. “De fato, não ter proteína de origem animal não é garantia de alimento saudável. O que preocupa são as substâncias artificiais adicionadas, como o organismo reage a elas e quais consequências isso pode acarretar a longo prazo para a saúde”, analisa a nutricionista funcional Patricia Davidson, do Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo que gigantes da indústria alimentícia programam lançar produtos orgânicos em massa, os céticos alertam ser difícil manter o ritmo, tendo em vista o nível de contaminação atual do solo e da água. Ou seja, é preciso fiscalizar antes de consumir e prestar atenção nos diversos processos da fabricação do alimento.
Refeições instagramáveis
As experiências gastronômicas também deverão acompanhar as mudanças de comportamento de consumo. Os pratos terão que ser nutritivos, gostosos e visualmente estimulantes para o compartilhamento nas mídias sociais. A geração Z (nascida entre 1990 e os anos 2010) está crescendo em um momento em que as dietas como paleo (que exclui industrializados e privilegia carnes pouco gordurosas e vegetais) e sem glúten se espalham rapidamente, em parte graças às redes. “Além disso, produtos frescos, cultivados localmente, e refeições inspiradas em culturas variadas deverão atrair a atenção das novas gerações”, afirma Luiza.
Mudança de hábitos
Em uma posição de influência e poder, a geração X (nascida de 1960 ao final de 1970) está mais preparada para adotar abordagens radicais para um futuro sustentável do que a geração Boomer (nascida logo após a Segunda Guerra Mundial). Em outras palavras, provavelmente os mais velhos vão demorar mais a adotar alimentos orgânicos do que os mais jovens.
Alimentação em vez de remédios
“As pessoas já começaram a abrir os olhos para o combate ao sobrepeso, à obesidade e às doenças crônicas associadas aos hábitos de vida, principalmente à alimentação”, diz Patricia Davidson. Ela vem observando a evolução no padrão alimentar e como a nutrição individualizada e saudável foi ganhando espaço. “Acredito que se tornará o único meio de prevenção de doenças e manejo da saúde. A preocupação com o que se coloca na mesa será, no futuro, ainda maior do que nos dias de hoje. Então, itens específicos, como refinados, processados, defumados e ricos em sal e açúcar estarão cada vez menos presentes no prato dos brasileiros.” Também será mais acessível fazer o mapeamento genético para descobrir predisposição para patologias e, então, prevenir o despertar desses genes pela alimentação personalizada.
Alimentos refinados, processados, defumados e ricos em sal e açúcar estarão cada vez menos presentes no prato dos brasileiros
Patricia Davidson, nutricionista
Mais alimentos de verdade…
Verduras, frutas e legumes orgânicos e menos alimentos processados, num equilíbrio individualizado e reavaliado de tempos em tempos. É assim que deverá ser recheada a geladeira em um futuro próximo. Apesar de o mercado de orgânicos ainda ser pouco representativo, está em crescimento no Brasil. Por enquanto, fazem parte do cardápio de apenas 19% dos brasileiros (em 2017, eram 15%), sendo que 50% dessas pessoas estão na faixa de 25 a 44 anos. A frequência é alta: 36% consomem orgânicos mais de cinco vezes na semana, em especial verduras, frutas e legumes. O preço e a dificuldade de acesso são apontadados por 81% como os principais motivos para não apostarem em orgânicos – 62% os consideram muito caros, enquanto 32% dizem que não encontram os itens facilmente. Não à toa, start-ups como a Feiragora, de São Paulo, tentam democratizar o acesso a alimentos livres de agrotóxicos e pesticidas. Para 2020, planejam inclusive lançar o Organic2Go, um serviço de geladeiras inteligentes com produtos orgânicos que podem ser instaladas em empresas, coworkings e até em condomínios, de maneira simples e descomplicada, seja para o lanche no escritório, seja para o jantar feito rapidinho ao chegar em casa. “A ideia é trazer o preço mais próximo dos produtos não orgânicos e aumentar a disponibilidade para que esses alimentos façam parte da rotina diária do consumidor”, explica Marcello Napolitano, consultor estratégico da Feiragora e idealizador do Organic2Go. Você vai ouvir falar bastante também de alimentação plant based, à base de hortaliças e vegetais. “Quanto mais in natura, melhor. Mas é importante destacar que aumentará a gama de industrializados com essa pegada porque as pessoas têm carência de vitaminas e minerais na alimentação”, pontua Elaine.
Muitas bocas para alimentar
Existe, sim, uma grande preocupação em relação a alimentos mais saudáveis. Por outro lado, segundo a Organização das Nações Unidas, em 2050 seremos 9 bilhões de pessoas. Para alimentar a todos, será preciso encontrar recursos para dar conta dessa demanda. Nesse cenário, surgem tendências. “Há necessidade de fazendas urbanas, mas não vejo a agricultura convencional terminando. Elas vão trabalhar em conjunto”, prevê Elaine. Ela nota ainda que o cultivo local de alimentos vai dar força para a culinária regional, atualmente abafada pela globalização e pela premência de praticidade. “Os recursos de cada área serão muito importantes para a alimentação mundial. A comida do futuro será diferente de uma região para a outra”, diz ela.
Insetos e pizza 3D
É isso mesmo que você leu. Existe uma tendência de consumo de insetos. Diferentemente da criação de gado, frango ou porco, eles precisam de pouco espaço, água e comida. “Além disso, os insetos têm alto teor de vitaminas, minerais e proteínas. Eles podem ser ótimos snacks, por exemplo. Resta saber se as pessoas vão aderir”, afirma Elaine. Alimentos desenvolvidos com inteligência artificial também são uma forte aposta. “Esse segmento vai crescer bastante. Talvez passemos a ter impressoras, no lugar de fogão na cozinha, para imprimir a pizza”, adianta ela. Algas (cada um pode ter a própria criação) têm um tipo de ômega 3 importante para a função cognitiva e a saúde cerebral e cardiovascular. Carne produzida em laboratório, ovo vegano feito com amido da ervilha, hambúrguer tech, à base de proteína de ervilha e beterraba (para ter aspecto semelhante ao da carne), garrafas comestíveis produzidas com algas para diminuir o impacto ambiental estão na lista de inovações. E ainda café mastigável e itens tecnológicos fortificados com nutrientes. Bom apetite!