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Endometriose: a doença que causa dor e pode impedir a gravidez

A dor intensa no período menstrual e nas relações sexuais é sintoma típico da endometriose. A doença, que atinge milhões de brasileiras, rouba o humor, a capacidade de trabalho e pode impedir a gravidez

Por Cristina Nabuco (colaboradora)
Atualizado em 28 out 2016, 14h40 - Publicado em 26 jun 2013, 22h00
Getty Images
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A atriz e escritora Lena Dunham quebrou o silêncio sobre um problema que a afeta, assim como muitas outras mulheres: a endometriose. Em um depoimento emocionante, contou parte de sua experiência:

“A endometriose não representa uma ameaça à vida. Eu sei que eu tenho sorte por ter acesso a um bom suporte de saúde, mas também sei que eu sou uma das muitas mulheres que lutam contra as traições de seus corpos e que são, muitas vezes, encaradas com ceticismo por médicos treinados.

Eu tenho a sorte de ter encontrado Randy [médico]. Eu tenho a sorte de estar cercada de amor e de ser capaz de controlar o meu horário de trabalho, por exemplo. Mas uma noite, enquanto eu procurava “efeitos colaterais” de um remédio – o que não é uma boa ideia – me deparei com o blog de uma mulher lutando contra a endometriose. Ela descreveu seu tratamento e os desafios dele. Ela perguntou: “Quem escolheria ser uma mulher? Sério, é uma coisa terrível após o outra!”. Fechei o meu computador. Era suficiente.

Eu escolheria ser uma mulher. Qualquer dia, de qualquer forma, a qualquer hora. Ser mulher é a melhor coisa que já me aconteceu. Mas eu também espero que, no futuro, o sofrimento de adolescentes seja totalmente investigado, levado tão a sério como uma perna quebrada. Espero um mundo em que a doença não seja equiparada à fraqueza, em que as questões de saúde mental não sejam descartadas, porque, adivinhe, nós somos seres complexos.

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Enfrentei ao longo do caminho um medo enorme de “ser descoberta”, medo de que alguém dissesse que eu não era forte o suficiente para o meu trabalho ou minha vida. Hoje, sou estranhamente destemida. E eu não estou mais com medo do meu corpo. Na verdade, eu sei ouvi-lo quando ele fala. Eu não tenho escolha, mas respeito o que ele me diz, a força de sua voz e de sua verdade.”

A doença

Uma pesquisa indicou que mais da metade das brasileiras não sabem o que é endometriose. Ela atinge, no mínimo, 15% das brasileiras em idade fértil – ou cerca de 7 milhões. Como muitos casos ainda não foram diagnosticados, os especialistas calculam que o grupo que sofre com a endometriose por aqui seja maior, de 10 milhões. A doença causa inúmeros prejuízos, entre eles a queda da produtividade. Há uma perda, em média, de 10,8 horas semanais, porque a profissional fica de cama ou sem gás para trabalhar. A descoberta é de um estudo da Universidade Oxford, na Inglaterra, com 1.418 mulheres de dez países, incluindo o Brasil.

A endometriose surge quando células do endométrio (tecido que reveste o útero) se fixam em outros locais do abdome, como ovários, trompas, os ligamentos que sustentam o útero, a área entre a vagina e o reto, a superfície externa do útero, a membrana que reveste a parede abdominal (peritônio). Dali, continuam a responder aos estímulos hormonais – assim, o tecido cresce todo mês e sangra. Por não ter como escoar, o sangue se acumula, causando inflamações. E elas podem provocar sofrimento incapacitante, que se manifesta como cólica menstrual, dor pélvica crônica e dor nas relações sexuais. Às vezes, as células do endométrio “grudam” em cicatrizes de cirurgias ou sobre o intestino e a bexiga, causando desconforto ou dor ao urinar e evacuar, além de infecção urinária e diarreia, sobretudo nos dias da menstruação. Segundo o ginecologista Nicolau D’Amico Filho, os focos podem ser superficiais ou profundos. Mas a intensidade da dor nem sempre é proporcional à gravidade. Mulheres com quadros profundos podem relatar pouca dor, e vice-versa. Uma minoria não apresenta sintomas. Metade das portadoras está sujeita à infertilidade. “A endometriose pode causar obstrução nas trompas, o que inviabiliza a gravidez por meios naturais”, explica o ginecologista Carlos Alberto Petta, que participa de pesquisas sobre o tema. A doença também leva a alterações hormonais, bioquímicas e imunológicas que atrapalham o funcionamento do aparelho reprodutivo.

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Brasileiras não conhecem o problema

Apesar de tantos estragos, a doença permanece desconhecida. Uma pesquisa da SBE (Associação Brasileira de Endometriose e Ginecologia Minimamente Invasiva), divulgada do ano passado, ouviu 5 mil brasileiras acima dos 18 anos: 55% não sabiam o que é endometriose. Pior: ainda vigora entre as mulheres – e às vezes até entre os médicos – a falsa ideia de que as cólicas menstruais são normais. “A consequência é o diagnóstico tardio”, lamenta Petta. “Enquanto a mulher ouve que não tem nada, a doença avança. Com frequência, só é detectada quando tenta engravidar e não consegue.” O tempo entre o início dos sintomas e o diagnóstico varia de sete a dez anos. Há prejuízo emocional: “Uma mulher cheia de dores que vai ao médico e não descobre o que tem fica desacreditada, inclusive pelos familiares, e corre risco de depressão”, avisa D’Amico Filho. Para reverter a situação, 56 representantes de 34 organizações médicas e de pacientes de vários países (incluindo o Brasil) organizaram o primeiro guia internacional com diretrizes para diagnóstico e tratamento, publicado na revista científica Human Reproduction em março, mês da conscientização sobre endometriose. O documento da World Endometriosis Society (WES) destaca a importância de orientar quem sofre de cólicas e dores pélvicas a buscar ajuda médica, mesmo na adolescência.

Como surge a endometriose

A principal causa da endometriose é a chamada menstruação retrógrada: 80% das mulheres têm refluxo de parte do sangue menstrual, o que leva as células do endométrio para outros locais, diz D’Amico. “Em quem tem endometriose, o sistema imunológico falha e não destrói as células que estão fora do seu habitat.” Ter parentes em primeiro grau com a doença aumenta em oito vezes o perigo de desenvolvê-la. “A exposição excessiva ao estrogênio estimula o crescimento dos focos. Por isso, menstruar cedo, engravidar tarde e ter menos filhos eleva o risco”, diz a ginecologista Rosa Neme. O stress e a poluição favorecem o quadro.

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O diagnóstico é feito por meio de exame ginecológico com toque vaginal – que detecta lesões no fundo da vagina, causadoras das dores na relação sexual – e métodos de imagem, como a ultrassonografia transvaginal com preparo intestinal e a ressonância magnética da pelve. O índice de acertos do primeiro ultrapassa 95% e do segundo fica em 70%, diz Rosa Neme.

Alívio novo

Não há cura para endometriose, mas o tratamento bem orientado produz alívio. Em casos superficiais, pode-se indicar algum anticoncepcional hormonal (pílula ou DIU, implante, anel, adesivo). Os focos que afetam o peritônio e os ovários, em geral, regridem com análogos do GnRH, remédios injetáveis à base de hormônios que interrompem a menstruação, colocando a mulher numa falsa menopausa. Mas eles causam ondas de calor e aumentam o risco de osteoporose. Podem ser adotados, no máximo, por seis meses. Uma progesterona aprovada em novembro, a dienogeste, obtém o mesmo efeito sem os inconvenientes. “De uso oral, reduz a lesão, melhora a dor e não tem tempo-limite de prescrição”, informa Rosa. Porém, custa mais e provoca insônia, enjoo, mal-estar e dor de cabeça nos primeiros meses. A endometriose profunda tem indicação cirúrgica: os focos são retirados por videolaparoscopia e seu leito cauterizado. Auxiliam na recuperação dieta equilibrada, exercícios físicos, acupuntura e outros métodos para manejo do stress e controle do peso – o tecido gorduroso produz estrogênio. Se houver dificuldade para engravidar, o tratamento depende da idade. “Até 35 anos, primeiro, cirurgia de remoção dos focos; depois é melhor partir logo para a fertilização assistida”, diz Petta. O principal conselho é não perder tempo. Quanto antes for feito o diagnóstico, melhor para a saúde reprodutiva.

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