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A estranha doença que faz pais inventarem e provocarem doenças nos filhos

Conheça a Síndrome de Münchausen por Procuração, o transtorno retratado na série The Act, que levou a filha Gypsy Blanchard a matar a mãe doente.

Por Nathalia Giannetti
Atualizado em 15 jan 2020, 19h14 - Publicado em 29 abr 2019, 12h20
Cena da série The Act, com Patricia Arquette e Joey King  (Divulgação/Hulu)
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Você já ouviu falar da Síndrome de Münchausen? Trata-se de um transtorno em que o paciente simula sintomas de doenças, vai atrás de tratamento e cuidados médicos sem precisar deles. Mas existe uma variação ainda mais assustadora dessa doença em forma de abuso infantil: a Síndrome de Münchausen por Procuração (SMPP). Nesse caso, quem está doente é a mãe (ou o pai, caso menos frequente), que inventa e provoca doenças no filho.

Essa forma já foi representada algumas vezes no cinema e na televisão. Recentemente, a série norte-americana The Act retratou a vida de Dee Dee e Gypsy Blanchard, um dos casos mais chocantes envolvendo a Síndrome de Münchausen por Procuração e que levantou um debate público sobre o transtorno. A história real mostra que durante a infância e a adolescência, Dee Dee fez com que a filha acreditasse que era muito doente (apesar de não haver diagnósticos médicos fechados), o que fez com que ela dependesse da mãe para tudo – a menina chegou a viver em uma cadeira de rodas sem precisar! Porém, Gypsy descobriu toda a verdade e acabou matando a mãe.

E quem não se lembra do filme O Sexto Sentido? Na trama, o personagem de Haley Joel Osment, que consegue se comunicar com espíritos, se encontra com o fantasma de Kyra Collins, uma garotinha que faleceu após passar um longo período doente. É indicado também que a irmã mais nova de Kyra também estava adoecendo. No entanto, como o menino e Malcolm Crowe (Bruce Willis) descobrem mais tarde, nenhuma das crianças jamais esteve doente, todos os sintomas eram provocado por medicamentos e outras substâncias tóxicas que a mãe dava aos filhos.

Mas o que leva uma mãe a induzir doenças em seu próprio filho? Para te ajudar a entender o tema, conversamos com a psiquiatra Lisieux de Borba Telles, coordenadora do departamento de ética e psiquiatria legal da Associação Brasileira de Psiquiatria.

Definição da Síndrome de Münchausen por Procuração

“O termo Síndrome de Münchausen por Procuração foi usado pela primeira vez pelo pediatra Roy Meadow, em 1977″, conta a dra. Lisieux. O médico tomou como referência a já conhecida Síndrome de Münchausen, que define o quadro em que o paciente simula sofrer de uma ou mais doenças. 

De acordo com os estudos de Meadow, o transtorno possui uma variação em que os sintomas são induzidos no paciente por uma outra pessoa, que os fabrica por meio de doses inadequadas de medicamentos e substâncias que não deveriam ser ingeridas. Geralmente, os tutores contam mentiras aos médicos (como uma longa lista de problemas de saúde e relatos de convulsões, sangramentos e vômitos que não aconteceram) e forçam internações. No hospital, com o paciente ligado ao soro, fica ainda mais fácil a injeção de substâncias intravenosas sem que haja suspeitas.

Quem sofre da síndrome

Na maioria dos casos, a pessoa responsável por provocar os sintomas é a mãe do paciente, mas qualquer um que represente o papel de cuidador de uma criança ou pessoa em uma situação já vulnerável pode ser o perpetrador.

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Cerca de 14 a 30% das pessoas portadoras do transtorno têm relação com a área de saúde e por isso já têm certo conhecimento sobre medicamentos e doenças, facilitando, assim, a simulação. Dee Dee Blanchard, por exemplo, trabalhou como auxiliar de enfermagem antes do nascimento da filha.

Estudos também encontraram outro fator comum entre os perpetradores, em especial do sexo feminino: durante a infância, grande parte dessas pessoa registraram ocorrência de privações afetivas, abuso físico ou sexual e perdas significativas.

Ainda foi provada a relação da Síndrome de Münchausen por Procuração com outros transtornos psicológicos. “O perpetrador pode sofrer de Transtorno Factício (a pessoa forja sintomas nela mesma ou em alguém próximo), Transtorno Somatoforme (a pessoa está constantemente preocupada com a própria saúde e apresenta sintomas físicos de origem indeterminada) e ou Transtornos de Personalidade”, diz a psiquiatra.

Nesse mesmo estudo ainda foram encontradas evidências de mitomania (desejo compulsivo por mentir), desde o período de adolescência das participantes.

Outros estudos também registraram a ocorrência de transtornos de personalidade em 17 de 19 mães que simularam sintomas em seus filhos, os mais comuns eram transtornos antissocial, histriônico, borderline, e narcisista.

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Causas da doença

É difícil determinar qual o motivo exato de alguém induzir um ente querido, principalmente uma criança, a ficar doente. As motivações podem ser diversas e estão muitas vezes associadas a outros transtornos psicológicos.

Como já foi citado anteriormente, é comum que o cuidador sofra de outros distúrbios que influencie o quadro geral da situação, porém como cada caso é diferente, não há uma regra.

Para a dra. Lisieux há algumas razões principais e mais frequentes para esse comportamento, que podem ser desde uma ansiedade extrema que leva a um exagero dos sinais e sintomas, até o desejo de obter ganhos materiais, atenção e manter a proximidade com a vítima.

Como especialistas conseguem identificar

A 5.ª edição do Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o DSM-5, define a síndrome como “transtorno factício imposto a outro” e, para se enquadrar nessa categoria, o caso deve seguir o seguinte critérios: 

  • Falsificação de sintomas físicos ou psicológicos, indução de lesão ou de doença em outro
  • O indivíduo apresenta a vítima a terceiros como doente, incapacitado ou lesionado
  • O comportamento fraudulento é evidente até mesmo na ausência de recompensas externas óbvias
  • O comportamento não é mais bem explicado por outro transtorno mental, como transtorno delirante ou outro transtorno psicótico.

“Para chegar ao diagnóstico correto é preciso que aconteça uma cuidadosa avaliação psiquiátrica”, alerta a especialista.

A verdade é que é bem difícil que isso aconteça porque há uma dificuldade de confrontar o paciente – quando ele percebe a desconfiança, nega e geralmente muda de médico ou até mesmo de cidade, onde ele ainda não é conhecido. 

E a vítima?

Segundo a dra. Lisieux, o relacionamento disfuncional da vítima com o cuidador tem como consequência o desenvolvimento de distúrbios emocionais e comportamentais.

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Esses transtornos, somados a problema como a evasão escolar, colaboram imensamente para a baixa sociabilidade e sensação de isolamento da criança, que normalmente tem apenas o perpetrador como “amigo”.

Com o passar do tempo, a vítima deve começar a perceber contradições no seu quadro médico, algo que lhe causa grande confusão e pode fazer com que ela desenvolva um transtorno factício futuramente.

Em casos em que um dos pais sofre da Síndrome de Münchausen por Procuração, é comum que o outro progenitor seja uma figura bastante ausente na vida do filho. O pai de Gypsy Blanchard, por exemplo, se divorciou de Dee Dee quando a menina ainda era um bebê e, por muitos anos, seu contato com ela se resumia a apoio financeiro e telefonemas. 

Abuso infantil difícil de ser detectado

Apesar de parecer bastante fácil identificar se uma criança está doente ou não, a situação é bem mais complicada. Quando a criança é muito pequena, são os pais o responsáveis por falar com médicos se há algo de errado. Dificilmente o profissional irá saber se aquele choro é porque ela sofre de alguma doença ou se foi provocado de alguma maneira por outra pessoa.

O médico também pode se sentir pressionado a encontrar logo uma causa para os sintomas. Além disso, é difícil pensar que alguém tão preocupado com estado do filho possa estar causando o mal.

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Por isso, a desconfiança pode demorar anos para acontecer e, mesmo assim, corre o risco de a criança apenas ser levada em outro lugar quando o perpetrador sente que a equipe médica percebeu algo de estranho.

O que é feito após o diagnóstico?

“É importante que se realize uma avaliação multidisciplinar de cada caso, envolvendo cuidadosa avaliação médica e psicossocial, além do acionamento de serviços de proteção à criança e de consultoria jurídica sempre que necessário”, conclui a dra. Lisieux.  

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