Natuza Nery: a mulher que não desliga
Apresentadora de um jornal, um programa de bastidores políticos e um dos podcasts mais ouvidos do país, Natuza Nery “só” trabalha e é mãe
No domingo, 8 de janeiro, Natuza Nery estava doente, meio febril. Talvez tenha sido o primeiro dia, em muitos anos, em que se permitiu dormir à tarde para descansar. Eram 15h45 quando sua mãe lhe acordou: “Minha filha, acho bom você se levantar. Invadiram o Congresso”. Quando pegou o celular, tinha centenas de mensagens. Se arrumou como pôde e entrou no ar na GloboNews, onde é comentarista política e apresentadora o Jornal das 18h e, desde fevereiro, a Central GloboNews, novo programa de bastidores da política em Brasília. Em novembro de 2022, ela também assumiu O Assunto, podcast de notícias que está entre os mais ouvidos do país. “Eu só trabalho”, diz. “E sou mãe”, acrescenta. Pouco depois, seu filho Lian, de 14 anos, entra em cena para buscar os óculos. “Ele é a única coisa que me tira do trabalho atualmente”, arremata.
A jornalista de 45 anos, que nasceu em São Paulo e se criou em Recife, conversa com CLAUDIA por vídeo, tendo como fundo a parede marrom de tijolos do seu quarto, construída por ela mesma. Um cenário já familiar aos telespectadores que acompanharam seu trabalho durante a pandemia de Covid-19, a cobertura “mais difícil de sua vida” e de seus colegas. “Foi muito triste, era uma carga emocional muito forte e trouxe até questões de saúde. Tive um problema na coluna que estou tratando até hoje”, revela.
Depois disso, ela acompanhou “a eleição mais importante desde a redemocratização”, cobriu a posse presidencial, a tentativa de golpe e as denúncias de genocídio contra o povo Yanomami, só para citar alguns eventos recentes da convulsa política brasileira. “No geral, tenho dificuldade em dormir, em desligar”, admite. Quando sai do ar na TV, Natuza já tem que definir com a equipe d’O Assunto qual será a pauta do episódio do dia seguinte. “Eu sou um espírito inquieto. Não posso passar um final de semana isolada, sem o celular. Não posso fazer isso nunca.” Na noite anterior a esta entrevista, ela havia trabalhado até as 23h30, ao telefone com uma Ministra de Estado.
Se Natuza (quase) não dorme, pelo menos encontra tempo para algum tipo de autocuidado? “Queria dizer que eu medito, que eu paro para respirar, que faço yoga, mas não faço nada disso. Minha resolução para 2023 é fazer minhas sessões de fisioterapia e treinar, fazer exercício físico.”
E apesar da intensidade e seriedade de sua rotina, ela não deixa de sorrir ao narrar toda a correria. Conta que, durante o isolamento pandêmico, um grande amigo propôs fazer uma colcha de retalhos colaborativa, em que cada amiga bordaria um pedaço do pano sobre “Onde Mora o Amor”. Continuar bordando é outra meta de Natuza para este ano. O projeto desta vez é fazer almofadas inspiradas pelo tema “Eu Canto Errado”, com letras de canções que são de um jeito, mas ouvimos de outro. “Minha frase é ‘por você, vou roubar os anéis e usar tudo’ [em vez de por você vou roubar os anéis de Saturno]”, gargalha.
Na avalanche de desinformação, não há melhor defesa do que a informação profissional. Não é à toa que há mais audiência para programas sobre política
O bordado, inclusive, tem tudo a ver com sua paixão pela arte popular brasileira. Na decoração de sua casa, têm destaque inúmeras esculturas em barro e cerâmica de artistas de diferentes partes do Nordeste. E ela própria esteve a ponto de ser artista. Ou designer. Criada por uma mãe divorciada, que tinha que trabalhar para sustentá-la e não podia dedicar-lhe tanto tempo e atenção, Natuza começou a trabalhar cedo. Saiu de casa aos 19 anos, “era muito sem grana” e vendia planos de saúde odontológicos para pagar a faculdade de desenho industrial. “Percebi que todo mundo tinha talento, menos eu. Era a pessoa que apresentava os trabalhos em grupo e fazia os seminários.”
Foi quando um amigo produtor de TV lhe convidou para acompanhar um plantão que tudo mudou. Ela se encantou pelo ritmo frenético de ter que conseguir as coisas muito rápido. Decidiu, então, cursar jornalismo e trabalhar num jornal impresso, com economia. O plano deu certo, até que, alguns anos depois, teve que cobrir as férias de uma colega que fazia política. E odiou. “Eu estava acostumada a trabalhar com números, e a cobertura política é subjetiva”, diz. Depois, uma segunda colega tirou férias no Congresso e ela foi escalada mais uma vez. “Esse segundo mês foi diferente. Como se diz em Recife, fiquei arriada dos quatro pneus. Fui me encantando pelas negociações, em entregar o político que fazia jogo duro, dizia uma coisa para a imprensa e nos bastidores dizia outra… Vi que aquilo tinha um borogodó.”
Política, gênero e celebridade
Natuza Nery faz parte de uma geração de grandes nomes femininos que dominam a cobertura e análise política no Brasil. Quando começou a trabalhar, não existiam, no entanto, iniciativas como o #MeToo. O assédio era mais frequente e escancarado. “Os políticos não se constrangiam como hoje em dizer que uma repórter era bonita. Conto sempre que quando estava grávida, com um barrigão, vários deles se sentiam à vontade de pegar na minha barriga, e eu apenas dava um passo para trás. Era muito jovem e não sabia como lidar com aquilo.” Abraços inadequados, mãos no ombro e comentários desagradáveis eram parte de sua rotina e de suas colegas. “Tenho certeza de que isso ainda acontece, mas acredito que eles têm mais medo, estão desautorizados a fazer essas coisas”, diz.
De modo geral, e apesar da propagação devastadora das fake news, ela acredita que os últimos tempos e os que virão são os melhores para o jornalismo em muitos anos. “Numa guerra, você precisa de armas para se defender ou conquistar. E na avalanche de desinformação, que é a arma da extrema direita, não há melhor defesa do que a informação profissional. Não é à toa que há mais audiência para programas de notícias sobre política”, avalia. Natuza ressalta que o poder público também tem o importante papel de educar a população para que ela saiba onde buscar essa informação relevante. “É preciso que o cidadão, ao se deparar com uma suposta informação que o assuste, tenha repertório para conferi-la nos jornais ou mesmo nas redes sociais de profissionais sérios.”
Ela é consciente de que o seu é um desses perfis sérios. Não é casualidade que sua conta no Instagram (@natuzanery), por exemplo, tenha quase nada de sua vida pessoal. Ela não deixa de repostar, no entanto, o vídeo de uma telespectadora flagrada pela amiga assistindo seu programa pelo celular, num bar. “A sua amiga também é fã de jornalista?”, questiona a anônima. Natuza ri: “Fiquei feliz com a cena, mas eu, no lugar dela, estaria me divertindo”.
Ela não se sente confortável no lugar de ser a própria notícia. Sempre tem em mente que jornalista não deve ser celebridade, mas admite que é “preciso ter uma cabeça boa” para manter os pés no chão, principalmente quando se está na televisão todos os dias, sempre impecável, sem um só fio de cabelo fora do lugar. “Minha avó Maria me dizia que você sempre tem que lembrar do lugar de onde você veio, para saber para onde voltar. E eu vim de um lugar em que eu precisava ralar muito, e preciso até hoje, para ter o meu espaço. Não posso achar que sou outra pessoa. Venho de uma família em que minha mãe precisou trabalhar para me sustentar, um lugar em que a gente passava dificuldade. Não esqueço disso. Sobretudo, não esqueço o propósito do meu jorna- lismo, que não sou eu, mas os outros. Principalmente aqueles que não têm visibilidade”.
Natuza não faz reverência ao poder e tampouco a si mesma. Ela lembra de um dia em Brasília em que, saindo atrasada do gabinete de um senador para entrar no ar, foi parada por uma mulher cuja mãe, de 85 anos, era sua fã. Enquanto Natuza avançava pelos corredores até chegar ao local combinado do ao vivo, ligou para a idosa, que se surpreendeu: “Minha filha, como é que você bota ela assim, eu não passei nem um batom!” A jornalista conta que, graças a esse carinho, entrou no ar feliz, em vez de cansada e esbaforida. “Isso de ser famosa me deixa toda errada, fico sem saber o que fazer, onde colocar as mãos.” Mas, também como se diz em sua terra, Natuza segura sua onda. “E vou segurar sempre”, garante.