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“A economia brasileira está sofrida”, diz Zeina Latif

Secretária de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, Zeina fala sobre como contornar os equívocos na gestão pública

Por Paola Carvalho
18 set 2022, 08h41

Zeina Latif, passou por diversas instituições financeiras, antes de ser a secretária de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo. Para ela, a economia brasileira está “sofrida”. Ela avalia que, embora bem intencionadas, houve excesso de intervenção estatal e sem o devido zelo na história do país. Para contornar os equívocos na gestão pública, segundo Zeina, seria necessário, no primeiro ano do próximo ano de mandato presidencial, a apresentação da estratégia e da capacidade política para se avançar com reformas. “É essencial o sinal no sentido de respeitar e reforçar a disciplina fiscal do país”, disse. Confira a entrevista completa que Zeina concedeu à CLAUDIA.

Zeina Latif
Zeina Latif, Secretária de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo. (Foto: Acervo Pessoal; Ilustração:/Getty Images)

Qual a sua visão sobre a atual condição da economia brasileira?

A economia brasileira está sofrida, estou falando de um intervalo de pouco mais de 10 anos. Foram três ciclos de recessão, dois deles associados a crises internacionais, e um deles, entre 2014 e 2016, made in Brasil. Estamos falando de um Brasil que cresce pouco desde os anos 1980, com ciclo econômico acidentado, com agravamento a partir de 2014. Um dos principais problemas foi o uso excessivo da política fiscal, com aumento do gasto público e renúncias tributárias. Lá atrás, o descuido com as contas públicas, gerou um ambiente macroeconômico muito instável, maligno para o setor produtivo. O que ocorre é que, via de regra, ainda que parte da reação dos governos tenham méritos, a gente exagera na dose. É aquela história do remédio que, em excesso, vira veneno. Então vimos reações em exagero lá atrás, na crise em 2009, que gerou um superaquecimento da economia por um momento, mas depois deixou a fatura para ser paga. Essas crises todas acabam desestruturando a economia e reduzindo o que os economistas chamam de potencial de crescimento do país, porque reprime muito o investimento, desestrutura cadeias produtivas, afasta pessoas do mercado de trabalho por muito tempo. É um país muito aquém de países pares. 

Quais seriam as ações mais urgentes para impulsionar o desenvolvimento econômico do país?

Temos agora, no curto prazo, já no próximo ano, ajustes importantes para fazer. Quem quer que seja o presidente, é muito importante definir prioridades no primeiro ano de mandato presidencial. É o momento propício para avançar com reformas mais ambiciosas, pois elas dependem de diálogo e negociação e é quando o presidente tem maior capital político. Depois, conforme a gente vai avançando, determinados acertos vão ficando mais difíceis. É importante dar ênfase em como se dará o compromisso com a disciplina fiscal. Hoje temos dados que não são tão ruins, mas por uma má razão. Temos a alta da inflação, que acaba camuflando o problema fiscal, pois ela infla a arrecadação e contém o crescimento dos gastos em termos reais. É um resultado de certa forma artificial. Tivemos a discussão dos furos das regras do teto com as flexibilizações que foram feitas. Então, o próximo presidente, para ajudar no trabalho do Banco Central, terá de trazer a inflação para a meta, trazer a taxa Selic para patamares mais baixos. É essencial o sinal no sentido de respeitar e reforçar a disciplina fiscal do país. Uma discussão é fundamental: qual é o grau de compromisso do próximo presidente com a disciplina fiscal, seja qual for o regime escolhido? É prioridade no primeiro ano de governo. Quanto mais rápido, melhor para estabilizar o ambiente macro econômico e avançar na agenda com outras reformas estruturais. O próximo presidente terá de avançar em diferentes frentes. Claro, não será tudo de uma vez, mas é preciso mostrar o seu plano de voo e a capacidade política executá-lo. 

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Qual poderá ser o principal desafio?

Além dos problemas na gestão dos gastos públicos na história do país, houve muita intervenção estatal. Muitas vezes há uma boa intenção, são políticas bem intencionadas, mas que sem devido zelo, gera a necessidade de ainda mais intervenções na economia. Um exemplo clássico foi a medida provisória 759 do setor elétrico, uma medida forte que visava reduzir o custo com a energia, mas com tremendo artificialismo, o que fez despencar os investimentos no setor, conta que pagamos até hoje. Vimos ainda segurar o preço dos combustíveis, prejudicando severamente o caixa da Petrobras, alguns analistas falam em R$ 60 bilhões de prejuízos. O objetivo pode ser meritório, mas a forma gera consequências de difícil correção. Foram muitas intervenções, que, junto com a questão fiscal, foi responsável por gerar a mais grave recessão da nossa história.

Em sua trajetória, a senhora passou por diferentes setores, como o acadêmico, o corporativo, o financeiro e o público. Pensando em políticas públicas, quais complexidades são convergentes nesses diferentes campos?

Não existe visão consensual entre economistas, há um grande debate. Eu diria que há uma grande representatividade desse pensamento: houve excessos e equívocos na gestão da política pública. Muitas vezes, infelizmente, a discussão que era para ser técnica acaba ganhando influência da política ideológica, o que é muito ruim para o debate público. Deveríamos discutir a técnica, em cima de diagnósticos e números. E nem sempre isso é possível. O que atrapalha, muitas vezes, é que os efeitos da política econômica, para o bem e para o mal, demora para se materializar. Então temos reformas que vão na direção correta, mas elas demoram a trazer efeitos. Daí as pessoas acham que não serviram para nada. Exemplo: a reforma trabalhista no governo Temer. Por muito tempo afirmaram que não serviu para nada, só para tirar os direitos do trabalhador. Muitos dados positivos de hoje possivelmente são registrados por influência daquela reforma. É tudo? Não. Mas é importante a sociedade entender que a materialização pode demorar. 

O que as novas gerações podem esperar do Brasil? 

Eu tenho uma visão positiva apesar dessa armadilha de baixo crescimento. Me traz apreensão, pois o ritmo de melhora é tão lento, que nos faz perder talentos, com consequências sociais, trazendo cisões entre a sociedade e a classe política. O Brasil ficou 10 anos sem fazer reformas estruturais, entre a crise do mensalão até o início do governo Temer. É um período prolongado que cobra o seu preço. Temos uma retomada, algumas reformas importantes foram aprovadas, como a da previdência, mas é muito importante que tenha celeridade. Minha visão é, portanto, positiva mas preocupada. E por que eu tenho esse otimismo moderado? Porque vejo a sociedade mais madura que no passado, que deseja maior participação, que demanda mais dos serviços públicos e isso ajuda a moldar políticas públicas. Mesmo que nessa eleição não tenhamos um leque de opções competitivas, vemos surgimentos de lideranças nos estados. Se isso não foi suficiente para essa eleição, será para a próxima. Há exemplos de boas administrações estaduais, gerando esse ambiente. Outro ponto é que a gente tem uma classe empresarial e da elite com uma visão mais moderna e atenta a questões sociais, como para a agenda ESG. A sociedade pode influenciar positivamente a agenda política. Vejo cada vez mais espaço para isso.

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Qual balanço a senhora faz da sua atuação como secretária de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo até aqui?

A economia de São Paulo voltou ao patamar pré-pandemia e o ritmo paulista supera ao do país, conseguiu níveis de trabalho até melhores. Mas há novos padrões de comportamento, como mudanças de hábitos, corte de gastos e aceleração do uso de tecnologia. O Estado está agindo, ajudando pessoas fora do mercado de trabalho. Então, avançamos em políticas de empregabilidade para grupos mais vulneráveis. Requalificar, especialmente adultos, não é fácil. O Estado está muito ativo nessa questão, estimulando cursos e carreiras. Não dá para fechar os olhos, aumentou a pobreza, agravada pela pandemia, e é o grande foco nosso. O outro lado da história é buscar melhorar ambiente de negócio para ter geração de vagas, com diálogo permanente com setor produtivo. Não se trata de artificialismo, mas sim de políticas públicas que estimulem o investimento. 

Como uma mulher em posição de liderança, como a senhora avalia a atual condição das mulheres brasileiras, quais avanços seriam urgentes?

Uma coisa é a mulher bem nascida, que tem desafios, mas associados a questões culturais, que limitam avanço no mercado corporativo. Outra coisa é a mulher de baixa renda, com empregabilidade comprometida para cuidar de filhos. Pensando nelas, estou convencida, e faz parte do nosso plano, políticas voltadas para geração de renda, como o Empreenda Mulher. Se por um lado, elas têm participação forte e equilibrada nos cursos, percebo que para empreender precisam de um olhar diferenciado. É o medo de se arriscar, é outro perfil, até conservador, pois tem preocupações com a família. Como garantir que serviços públicos cheguem aos grupos vulneráveis? A nossa busca passou a ser mais ativa. A política pública tem custo e o Estado precisa ter escala. Por isso, a parceria com o setor privado é fundamental. Então o que eu procuro fazer bastante é reforçar parcerias com o setor privado para viabilizar políticas públicas para ganhar escala e aumentar efetividade. E, claro, fazer uma boa implementação, tendo conhecimento dos impactos.

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