Sexo teatral
Nossa colunista Marcela Leal reflete: precisamos de tanta preocupação com a performance para ser feliz?
Não entendo por que as pessoas levam sexo tão a sério. Não entendo por que as pessoas ficam tão desesperadas e tão tristes pautando suas vidas na quantidade de sexo que fazem e utilizando como termômetro para o fato de serem ou não felizes. Essa é, para mim, uma das maiores mentiras que contamos para nós mesmos.
Acho engraçado, por exemplo, o fato de um casal fazer malabarismos, subir no lustre, transar de ponta cabeça, usar brinquedos sexuais, gritar transando e fazendo poses para o espelho sendo que ninguém se viu direito, nunca se olhou no olho, nunca se conheceu de verdade, nunca se admirou, nunca disse para o outro o quanto ele é incrível. Tudo fica no campo da encenação, da forma, para que ninguém corra grandes riscos e invada o universo emocional do outro – afinal, aí sim, teríamos um problema.
Assisti a uma palestra uma vez onde um mestre espiritual dizia: “Transar e andar de bicicleta são a mesma coisa”. Afirmação que causou certa revolta nos participantes, afinal, na cabeça dos revoltados, sexo é algo muito especial e muito maior do que tudo. Mas eu entendi o que ele estava querendo dizer: Sexo é uma ação como outra qualquer e não deveríamos dar o peso que damos. É bom? É. Posso transar oito vezes ao dia? Sim. Posso não transar nunca? Sim. Mas isso não define o meu estado interno e nem o quanto estou feliz ou não.
Para mim, ser livre sexualmente não significa transar com todo mundo ou decidir não transar nunca mais, mas fazer o que eu quiser na hora que eu quiser e se eu quiser, sem ser escrava daquilo que a sociedade, ou minhas amigas ou os filmes impõem como correto. Krishnamurti dizia: “Não é sinal de saúde estar adaptado a uma sociedade doente”.
Imagine um casal: os dois estão na sala da casa, conversando, descontraídos, bebendo, e de repente, resolvem transar. Quando entram no quarto, se transformam e viram atores numa grande encenação: a mulher começa a urrar como uma leoa no cio tirando sua lingerie, joga os cabelos pra todos os lados, dança “sensualmente” numa mistura de Tati Quebra Barraco com Robocop, leva os dedos à boca enquanto faz um strip-tease ao som de Unchain My Heart do Joe Cocker. O homem, por sua vez, vira um pedreirão viril e começa a falar com voz de macho alfa: “Gostosa, vem cá que eu te pego!”.
Quantos clichês de filme têm nessa cena? “Ah, mas é assim que os homens gostam.” Desculpe, amiga, mas não é assim que os homens gostam. Os homens gostam que “você seja você” e não uma atriz de quinta reproduzindo todas as cenas de Filme B que já viu na vida.
Não existe nada mais sedutor do que ser espontânea, estar à vontade consigo mesma, estar se sentindo bem. O bem estar é contagiante e faz com que as pessoas (nesse caso, os homens) nos queiram por perto.
Eu sei que muita polêmica se criou em cima do filme Cinquenta Tons de Cinza, mas eu não posso deixar de me lembrar do que senti assistindo: Anastasia, uma garota sensível e inteligente se vê diante de um cara também incrível e inteligente, porém com uma obsessão: encaixá-la em suas fantasias sadomasoquistas. Até aí, nenhum problema. O que as pessoas decidem fazer entre quatro paredes é problema delas, e, se dá prazer a elas, ótimo. A questão é que o universo imaginário (vulgo “viagem”) de Christian Grey era tão forte que estava cego, e ele nem sequer se interessou em saber quem era aquela mulher, o que ela pensava e do que gostava. Afinal, para que correr grandes riscos, não é mesmo?
Então Anastasia se bancou e decidiu ser ela mesma: “Ou você olha para mim, ou vou embora. Não estamos os dois na mesma vibe, percebeu?”. E foi embora.
Só existe relacionamento quando duas pessoas decidem realmente olhar uma para outra. Por uma hora ou por mil noites, é preciso olhar e ver o outro. Isso é felicidade compartilhada. E o sexo é só uma consequência: aí, sim, “feliz” desse encontro verdadeiro.
Marcela Leal é humorista e escreve quinzenalmente aqui no nosso site. Fale com ela!