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Por que a reforma eleitoral ameaça o crescimento das mulheres na política

A dinâmica em torno da reforma ocorre em tempo recorde e sem a participação popular, enquanto grupos oprimidos correm sérios riscos

Por Ligea Paixão (colaboradora)
Atualizado em 3 ago 2021, 20h13 - Publicado em 3 ago 2021, 12h00
política
 (Débora Islas/CLAUDIA)
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Nas últimas semanas, um tema tornou-se recorrente nos debates políticos: a reforma eleitoral e política no Brasil. Considerada a maior desde a Constituição de 1988, a modificação do sistema, que está sendo conduzida principalmente pela Câmara dos Deputados, tenta emplacar em tempo recorde as mudanças que já devem começar a valer a partir das eleições de 2022, se aprovadas pelo Congresso Nacional nesta terça-feira (3).

Dentre as modificações ambicionadas estão a mudança do sistema de eleição de deputados e vereadores, o voto eletrônico impresso, o relaxamento das cotas criadas para incentivar a participação de mulheres, negros e indígenas na política e o afrouxamento de punições pelo mau uso de verbas públicas no período eleitoral.

O agravante é que esta reforma ocorre a “portas fechadas”, ou seja, sem o conhecimento ou participação popular em algo que implicará bruscamente a política brasileira nas próximas décadas.

O distanciamento não é por acaso, já que as mudanças devem abrir portas para uma série de retrocessos, além de favorecer uma elite política em detrimento dos direitos de grupos estruturalmente oprimidos.

“Toda essa reforma e medidas que estão sendo colocadas apontam estagnação e retrocesso, visto que a política brasileira já vive um atraso muito grande”, opina Hannah Maruci, professora de ciência política na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 

Sobre o início desse projeto de reforma, Hannah explica que “ele foi feito a partir de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que decretava o adiamento de eleições perto de feriados, mas que serviu de ‘barriga de aluguel’ para algo gigante”, destaca a docente, que também é co-fundadora da Tenda das Candidatas.

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A instituição criada por Hannah funciona como uma comunidade de atendimento voluntário para lideranças feministas, que também fornece instruções sobre formação política. Segundo ela, a Tenda é uma das formas de quebrar com o ciclo de manutenção do poder, que é defendido pela medidas propostas na reforma. 

“Na política, quem está no poder hoje não se estabeleceu ali há pouco tempo, houve uma falta de alternância durante séculos, que fez com que essas pessoas que estão lá não queiram sair ou mudar as regras do jogo. Não coincidentemente, são homens, brancos, mais velhos e que têm dinheiro”, diz a especialista.

O desejo de se manter no poder estimula esta reforma e prejudica, por exemplo, a representatividade e a presença de pessoas do gênero feminino no Congresso.

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Os pontos de retrocesso

O “distritão” 

Atualmente, o método utilizado para eleger deputados federais, estaduais e vereadores é o sistema proporcional. Por meio deste modelo, os candidatos são eleitos pela maioria de votos e também proporção de cadeiras que cada partido conquistou, ou seja, tanto o coeficiente partidário quanto o coeficiente eleitoral possuem um peso.

Sendo assim, o método é bom em termos de representatividade, pois permite que pessoas de grupos com menor visibilidade e dinheiro consigam chegar ao poder por causa do número de cadeiras destinadas ao seu partido, ainda que não tenham recebido maioria dos votos.

“Diferente do sistema proporcional, o ‘distritão’ é um sistema majoritário. No modelo, o candidato é eleito pela maioria dos votos, o que personaliza a eleição, pois estará no poder quem tem dinheiro para investir em uma boa campanha ou quem já está no poder há um tempo, enquanto outros serão marginalizados”, explica Hannah.

“Além disso, este sistema não atribui responsabilidade partidária. Nós votamos em candidatos específicos, uma vez que sabemos pelo partido, que une interesses e posições, como será o seu posicionamento em relação a diferentes pautas. Já quando se vota no indivíduo, com base em suas pautas individuais, não se sabe como ele se posicionará ou se cumprirá com os termos estabelecidos na campanha, pois não há um partido para garantir isso”, alerta a professora.

Isenção de multa 

Hoje, por meio do que prevê a lei, 30% dos candidatos nos partidos devem ser mulheres e um fundo deve ser dedicado à sua candidatura e formação, caso contrário o partido paga uma multa.

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No entanto, uma das mudanças previstas é a isenção desta multa aos partidos, caso a cota não seja cumprida. O difícil é que, mesmo que este fator não fosse aprovado na reforma, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) já foi aprovada.

“Além de retirar a multa para os partidos que não cumprirem a porcentagem do fundo partidário, também tira a obrigatoriedade do cumprimento de 30% de candidaturas na prática, pois o fundo partidário acompanha a quantidade de candidaturas. Então, é uma forma de relativizar as cotas de candidatura e a quantidade de dinheiro que serão destinadas a elas, impactando diretamente no incentivo de viabilização de sua candidatura”, aponta.

Apenas 15% 

A proposta de reserva de 15% de assentos para mulheres se deu junto com a PEC, que tirou a obrigatoriedade das cotas de candidatura de 30%. “Com uma pressão que foi feita pelos diversos movimentos [sociais], conseguiu-se 18% de reservas, mas este é um mínimo de reservas de assentos, que logo acabará se tornando o máximo”, esclarece a especialista.

A reforma defende uma reserva de assentos progressiva de 18%, 22% e 30%, sendo que a última porcentagem está prevista para ser alcançada apenas em 2038. “Para alguns, pode ser interpretado como um avanço, mas mundialmente falando, hoje, a média mundial já é 30%, o que significa que estamos caminhando para daqui 20 anos chegar na média mundial de hoje, quando a busca deveria ser pelos 50%, que representam a igualdade. É um grande atraso”, expõe Hannah.

As divergências

Segundo o monitoramento Representatividade de mulheres na macro reforma político-eleitoral de 2021, do movimento Freio na Reforma, a proposta possui os três pontos de retrocesso, que foram citados e explicados acima, (pontuados acima) e sete pontos de avanço.

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Mas por que não falar dos ponto de avanço, tal como a criminalização da violência política contra mulheres?

“É claro que há pontos positivos, avanços que são muito importantes, mas os pontos negativos são muito mais intensos. Para comemorar os pontos de avanço, que não compensam em nada os retrocessos, temos que antes garantir que as mulheres estejam presentes”, defende Hannah.

As mulheres não são as únicas afetadas com a reforma. “Elas, ao menos, estão mencionadas, mas não há uma menção específica às pessoas negras, LGBTQIA+ e indígenas, por exemplo. Tudo o que não se explicita, se exclui”, alerta a professora.

Além disso, a especialista alerta para o privilégio social. “Precisamos pensar que serão beneficiadas mulheres brancas e ricas, enquanto as negras, que não foram especificadas e hoje são as mais subrepresentadas e subfinanciadas estruturalmente, continuarão desprivilegiadas. É necessário olhar, igualmente, para essas intersecções e criar um cenário em que se leva em conta uma das principais desigualdades da sociedade brasileira, que é a racial”, diz.

Como paralisar a reforma

“Como sociedade civil temos que agir para freá-la. Como fazer isso? Pressionando, seja por meio de hashtags, mobilização online ou, se possível, questionando diretamente os deputados, lembrando que todos os efeitos negativos gerados por essas mudanças serão pagos e vividos por nós, a população”, finaliza Hannah.

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