Quando o empoderamento é hereditário
Kamilah Pimentel, mãe da Mc Soffia, conta como a participação no movimento negro desde cedo ajudou na formação da família
Ser mulher é um desafio. Ser mulher negra, da periferia e mãe é mais desafiante ainda. Mesmo assim, Kamilah Pimentel (foto) vive com alegria, criando sua filha de 13 anos, a Mc Soffia, que concorre ao Prêmio CLAUDIA na categoria Revelação.
Kamilah engravidou ainda na adolescência e preferiu não casar. Assim, criou a filha com a família por perto, na casa da mãe, Lúcia, ativa no movimento negro.
Recentemente, Kamilah e Soffia mudaram-se para um apartamento só das duas, no centro de São Paulo. O quarto que dividem é decorado com as bonecas de pano negras, confeccionadas pela avó da menina.
No depoimento abaixo, Kamilah conta como a militância fortaleceu essa família de mulheres.
“Eu nasci no centro de São Paulo e morava com a minha avó, meu avô, minha mãe e meu tio. Aí, minha mãe ganhou um apartamento na Cohab Raposo Tavares, periferia de São Paulo, e fui morar com ela. Morávamos eu, minha mãe, minha irmã, dez anos mais nova do que eu, e a Soffia. Era a casa das quatro mulheres.
Preconceito sempre existiu, porque é uma coisa institucional. Sofri com o racismo como todo mundo, mas minha mãe sempre manteve o diálogo aberto. Graças à militância dela, eu já tinha consciência para saber lidar.
A gente entende que isso tem que mudar. Daí a importância da nossa luta para promover transformações.
Quando eu tinha 15 anos, comecei a namorar. Mas eu fui uma adolescente meio rebelde e não quis mais conversar com a minha mãe, muito menos ouvir. Eu não tinha muito conhecimento sobre sexo.
Na época, não era um assunto sobre o qual a gente podia pesquisar na internet como hoje em dia. Acabei engravidando.
Foi um baque para minha mãe, mas ela sempre me apoiou, como me apoia até hoje. Eu digo que tinha a questão do empoderamento inconsciente, porque eu não quis me casar, fui a única contra o casamento.
Eu não achava que só porque engravidei tinha que casar e foi a melhor coisa que eu fiz. Eu senti que não seria feliz.
Depois que me tornei mãe, consegui entender a importância de conversar, ouvir, tirar as dúvidas e de valorizar os pais.
A Soffia nasceu no momento que minha mãe estava muito atuante na militância negra e automaticamente participava dos eventos com a gente, ela nasceu já em meio a isso.
Eu crio minha filha com base no diálogo. Qualquer dúvida ela pergunta e a gente conversa. Acho importante ela não deixar nada passar, para entender o preconceito e o machismo que vivemos para lutar contra.
Ela é uma menina muito forte e tem vivido esse empoderamento desde jovem. Hoje, percebo a importância do diálogo e quero que ela cresça com isso.”