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Por que os brancos são 7 vezes mais representados nos comerciais?

É o que revela a 3ª edição do estudo "TODX?", da Heads Propaganda, que analisou 889 postagens patrocinadas no Facebook e 3 mil propagandas televisionadas.

Por Débora Stevaux (colaboradora)
Atualizado em 18 nov 2016, 19h27 - Publicado em 29 mar 2016, 20h00
Bruna Castanheira
Bruna Castanheira (/)
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Vai verão, vem verão e nós continuamos sendo as gostosonas das marcas de cerveja, as únicas responsáveis por trocar as fraldas dos filhos, aquelas que sozinhas mantêm a casa cheirosa e brilhando – e nos sentimos muito felizes por isso. Loucas por beleza, indomáveis ao entrar em shoppings, fazemos “mimimi” quando estamos com cólica. E por que não comprar uma máquina de lavar no dia 8 de março, numa “promoção imperdível”? Mas nós realmente somos assim? Não. É por isso que você e 65% das brasileiras não se sentem representadas – nem de longe – pelos esteriótipos de gênero contidos nas propagandas, segundo dados do Instituto Patrícia Galvão.

A terceira edição do levantamento realizado pela Heads Propaganda, TODXS?, analisou 889 postagens patrocinadas por 127 marcas anunciantes no site Facebook. A pesquisa também foi realizada nas telinhas: foram examinados 3 mil inserções de 30 segundos, de 50 segmentos do mercado — o que totaliza 207 marcas.  Mesmo que 53% da população brasileira se autodeclare como negra, de acordo com o Censo Demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, os comerciais televisivos parecem habitar um universo paralelo embranquecido. Ao protagonizarem alguma peça publicitária, 83% dos homens são brancos.  No caso das mulheres, este número salta para 84%. E o mais grave: a presença de casais negros no período analisado foi nula.

Pelo feed de uma das redes sociais mais famosas de todo o mundo, o cenário permanece desanimador: mulheres brancas são protagonistas de 82% dos anúncios, enquanto estatisticamente, os homens correspondem a 88%. Mesmo que, em relação à segunda edição, tenha sido notado um aumento na presença da mulheres negras nas propagandas televisivas — que foi de 1% para 16%,  de forma geral, os brancos são 7 vezes mais representados nas duas mídias.

“A diversidade racial aumentou discretamente em relação às edições anteriores, mas os números provam que ainda há uma grande distorção da realidade brasileira. E não podemos continuar pensando que ‘é só publicidade’”, elucida a diretora de planejamento da Heads Propaganda e porta-voz à frente do projeto,  Carla Alzamora: “Porque ela é onipresente nos nossos dias, reforça estereótipos, projeta padrões inalcançáveis e reflete comportamentos ofensivos. Também não estamos dizendo que a publicidade é o único grande problema, mas é parte dele. E, por ser assim, tem responsabilidade de se tornar parte da solução.”

Para as mulheres, o lugar-comum

Quando comparada com a segunda edição do levantamento, realizada em janeiro deste ano, a terceira não apresentou um aumento no número de comerciais que empoderam as mulheres e contribuem, portanto, para a equidade de gênero. O mais curioso é que foi registrado um aumento de 8% nos casos que tentam retratar as mulheres de maneira empoderada, mas devido a má-execução, acabam por cair no estereótipo dos papéis de gênero.

Caso as marcas tivessem um maior cuidado e atenção na hora de abordar o assunto, o índice que corresponde à quebra de estereótipos seria maior quando comparado ao que reforça (26%).  O dado mais triste catalogado aponta que dois terços dos comerciais produzidos e analisados, tanto nas telinhas, quanto no Facebook, não contribuem para a equidade de gênero, mesmo que a quantidade de peças publicitárias que não utilizem os estereótipos tenha crescido de 41% para 46%, nas duas últimas versões do estudo.

Representações da figura feminina hiperssexualizada diminuíram em 60%, quando relembramos a última análise realizada pela Heads, na época que antecedia as festas carnavalescas. É importante ressaltar que a segunda versão levou em conta pontos como a sazonalidade e a possível influência das comemorações. “Já tínhamos a hipótese de que a idealização do padrão de beleza e a hipersssexualização da figura feminina eram estereótipos praticamente ‘embutidos’ nesta época do ano, o que acabou se confirmando. Há mudanças positivas, a diminuição do índice de estereótipos, o reconhecimento das mulheres por talentos e não por características físicas, a sororidade entre mulheres. Mas o balanço geral ainda é negativo”, completou Carla.

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Anúncio divulgado em março do ano passado pela empresa de produtos de limpeza Mr. Músculo.

Se no ano passado, 45% dos reclames não cooperavam para a igualdade entre os gêneros, no primeiro mês de 2016, este número alcançou preocupantes 58%. Na segunda edição da análise, 28% apresentavam caráter indefinido, em comparação a 36% da primeira metade de 2015. E somente 14% foram, de fato, de encontro à causa; no ano passado esse número era superior em 5%; ou seja, representava 19%.

Não é surpreendente que as empresas de bebidas alcoólicas sejam as que nos mais estereotipam. Talvez deva ser porque sigam à risca o que muitos dizem por aí, de que “cerveja não é coisa de mulher”. Em janeiro deste ano, a categoria foi responsável por 97% do machismo veiculado nas telinhas brasileiras, quando no ano passado, era por 60%.

Para a ativista do feminismo negro, Camila Araújo, de 23 anos, a propaganda que mais a incomodou foi a da Aline Riscado, que interpreta a “Verão”, da Itaipava: “É o exemplo perfeito de como não somos agentes nas propagandas, e sim passivas de um comportamento cômico, feito para entreter homens.” Depois de toda a má repercussão gerada por uma das peças publicitárias chave do carnaval paulistano, a empresa lançou outra. Nesta, a personagem passa de coadjuvante para protagonista. Embora ela fale, o seu discurso é calcado nas diferentes “marcas do verão”,  ou seja, esteriótipos estéticos femininos.

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A Skol mudou o tom após várias mulheres se indignarem nas redes sociais pela propaganda que incentivava o comportamento abusivo por parte dos homens durante o carnaval paulista deste ano.  

O segmento de produtos de beleza e cuidados pessoais – típico da esfera feminina de consumo – retratou em 91% valores atrelados ao mesmo lugar-comum da categoria das bebidas; quando em 2015, só 39% fazia questão de reforçar esses valores. 94% – para não dizer quase a totalidade – das campanhas se muniram da hiperssexualização dos nossos corpos para produzir esses estereótipos. 77% das marcas de cervejas nos colocaram na parede por nos exibir segundo um único padrão de beleza – que muito provavelmente não nos representa; o setor de produtos de beleza também nos coloca com um peso, altura, tipo de cabelo, cor de pele e olhos específicos no espelho televisionado, utilizando-se deste mesmo artifício em 95% de seus anúncios.

O CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) é uma organização civil fundada há mais de 50 anos para evitar a veiculação de propagandas consideradas abusivas ou de conteúdo enganoso. É importante frisar que a entidade analisa os prováveis abusos de acordo com a denúncia dos consumidores, mas não tem o poder de multar ou devolver o dinheiro ao consumidor que se sentiu “lesado”. Mas por ser uma crítica que não é levada tão a sério pela área publicitária, Carla acredita não guiar as decisões dos profissionais dessa área: “Mesmo que a pressão popular das redes sociais seja o combustível  das mudanças, é necessário uma maior conscientização por parte dos clientes e das agências, e também entender o porquê dessas pessoas não se identificarem com a marca e apontar o dedo para onde está problema para então resolvê-lo.”

Dados do último censo realizado pelo IBGE divulgaram que somos maioria entre os habitantes do país, representando 51% da população nacional. Mas a postura das empresas responsáveis pelo mau exemplo parece ainda subestimar o poder de consumo do público feminino: “Por volta de 80% das decisões de compra passam pelas mãos das mulheres – as marcas perderam a oportunidade de dialogar com elas – se conectar, criar novas referências e lucrar mais”, arremata Carla.

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Culpabilização da vítima no anúncio do Ministério da Justiça para combater o consumo de álcool por crianças e adolescentes.

A beleza vendida nas propagandas não é para as mulheres negras

“Posso contar nos dedos os comerciais de xampu que mostram nossos cabelos e alternativas para tratá-los.” Essa é a fala contundente de Larissa Santiago, 28 anos, publicitária e membro do coletivo Blogueiras Negras. Ela não entende o porquê da indústria de beleza e cuidados pessoais ignorar 53% da população brasileira que se autodeclara afrodescendente ou parda, segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada em 2014 pelo IBGE. “A negra não compõe o ideal de beleza no Brasil e isso não é mera coincidência ou questão de gosto, mas uma construção histórica herdada do período colonial”, explica Mariana Ramos, de 21 anos, publicitária e ativista feminista pelos direitos da população afrodescendente.

A invisibilidade dos negros nas telinhas é gritante: dos 25% de homens brancos protagonistas dos reclames analisados, 93% são brancos. Dos 20% de mulheres, 80% são brancas. Mas em comparação com o levantamento realizado na primeira metade de 2015, a diversidade étnica apresentou um aumento ínfimo, mas este número está concentrado em situações em que aparecem várias pessoas, como casais, pais e filhos ou quando se retrata uma roda de amigos, por exemplo.

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Talvez um dos casos mais polêmicos que vieram à tona nos últimos anos tenha sido o da propaganda do tropical drink, da cerveja Devassa. A peça veiculada entre os anos de 2010 e 2011, levava a frase “É pelo corpo que se reconhece a verdadeira negra. Devassa negra. Encorpada, estilo dark ale de alta fermentação. Cremosa com aroma de malte torrado” e trazia o desenho de uma negra com roupas de cabaré sentada de uma forma sensual com olhar expressivo. A marca foi processada pelo Ministério da Justiça após o Procon do Espírito Santo denunciá-la ao Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor. Na época, diversos portais noticiaram que a multa poderia ser de até 6 milhões pelo seu caráter abusivo ao equipará-la a um objeto de consumo. Não à toa, Larissa sempre opta não consumir a marca quando vai a algum bar com as amigas.

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O anúncio da Nivea sugere que um visual afro não seja algo considerado civilizado. 

Este caso é uma prova quase palpável da hiperssexualização das negras nos anúncios, que nos raros momentos em que são representadas, fazem alusão à figura secular da mulata; atrelada comumente ao “sexo descartável”. “Somos sempre as amantes, garçonetes e faxineiras sensuais – um resquício dos nossos tempos de Casa Grande e Senzala, quando éramos escravizadas e consideradas objetos para a satisfação dos senhores”, completa Camila.

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Quantas propagandas de margarina retratam uma família negra? É difícil para Mariana apontar um comercial específico, mas a reprodução de um padrão de estrutura familiar composta por um casal heterossexual e seus filhos, todos brancos de cabelos lisos é algo que a incomoda: “Essa é a média da família brasileira? Os números provam que não, mesmo que seja o que mais se vê por aí. Uma sociedade que nega a existência de negros, mesmo que esta seja maioria no país, não pode ser outra coisa que não racista.

Para Larissa, o apagamento da figura da negra nos comerciais pode ser consequência da falta de representantes femininas nos altos cargos dentro das agências: “Não basta estar na sala de criação, trabalhar com a mais capacitada diretora de arte e dar o nosso melhor. Na hora da aprovação, o diretor de criação muito provavelmente irá boicotar a peça, amparado pelo argumento de que ‘você deixou a ideologia minar o seu trabalho’. Sim, isso já aconteceu comigo!”

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Para representar o editorial “Rainha Afriaca”, a Numéro Magazine utilizou a modelo branca Ondria Hardin com a pele bronzeada.

Portanto, a propensão à hiperssexualização, à objetificação e ao machismo aumentou consideravelmente, conclui o estudo. Para que transformações efetivas aconteçam na esfera publicitária, o primeiro passo consiste em mudar o ângulo do olhar das empresas em relação ao público feminino. Desmerecer nossas demandas – que há séculos ultrapassam o único papel de mães e donas de casa  – é subestimar não apenas o nosso poder de consumo, mas a nossa representatividade enquanto mulheres: “A grande questão que sustenta o machismo e o estereótipo de gênero é a recusa da figura feminina como um indivíduo pensante, com vontades e decisões próprias. É nessa tecla que as marcas precisam começar a bater”, finaliza Mariana.

Assista às duas propagandas da Itaipava citadas na matéria:

 

Nossa diretora de redação, Tatiana Schibuola, conversou com Carla Alzamora, diretora de Planejamento da agência Heads Propaganda e porta-voz do estudo. Dê o play e confira:

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