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Páginas da vida: “Nunca deixei os desafios impostos pela deficiência limitarem meus voos”

Nathália Blagevitch, 24 anos, nasceu com hemiplegia, paralisia de um dos lados do corpo, mas não se abateu com o bullying nem com as dificuldades de locomoção. Hoje, formada em direito, lançou livro sobre o tema e quer ajudar outras pessoas. "Tenho uma vida comum".

Por Isabella D'Ercole Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 28 out 2016, 01h23 - Publicado em 2 mar 2015, 07h24
Filipe Redondo
Filipe Redondo (/)
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Sou igual a todas as outras mulheres. Tenho os mesmos desejos e, o mais importante, as mesmas capacidades. Mas percorri um trajeto para pensar assim. Minha mãe estava com 26 anos quando ficou grávida. Era tudo novidade para ela e para meu pai, então com 29 anos. Mas as coisas pareciam caminhar bem até o sétimo mês de gestação. Foi então que ela sentiu que o bebê havia parado de se mexer. Ligou para o médico e, como resposta, ouviu que o stress excessivo pelo qual passava incomodava a criança, mas não havia nada de errado. Minha mãe pressentia que existia um problema. De tanto insistir com o médico, que tinha viajado, ele a encaminhou para um colega. Bastou um exame para provar que a intuição dela estava correta. Foi detectado sofrimento fetal e recomendado que se fizesse o parto imediatamente. A caminho da sala de cirurgia, com minha mãe já na maca, o médico perguntou a meu pai: ‘Quem você quer que a gente salve, a mãe ou a filha?’ Ele entrou em choque, pois percebeu a gravidade da situação, e apenas ficou em silêncio. No final, as duas sobreviveram.

Nasci com hemiplegia, um tipo de paralisia que afeta só um dos lados. No meu caso, é o direito. Tenho bem pouco movimento na mão, que fica sempre junto ao corpo, e certa dificuldade de locomoção. Meus pais me levaram para fazer todos os tratamentos possíveis. Queriam que eu tivesse o máximo de liberdade. Comecei a fisioterapia aos 7 meses, o que me proporcionou boa postura e estabilidade na evolução da condição, ou seja, não há piora do meu estado. Também fiz terapia ocupacional, tratamento que ensina a realizar as tarefas do dia a dia, como cortar um bife e amarrar o cadarço do sapato. Passei por três cirurgias. A primeira foi aos 3 anos. Até então ficava na ponta do pé, não encostava toda a planta no chão. Essa operação consertou isso. O segundo procedimento cirúrgico, aos 5 anos, corrigiu o estrabismo; e o terceiro, aos 7, nos joelhos, me permitiu esticar a perna completamente – coisa que antes não conseguia.

Não tenho muitas lembranças dessa fase, mas sempre soube que era diferente. Na escola, não podia correr no recreio como as outras crianças nem frequentava as aulas de educação física. Uma vez, aos 6 anos, andava de mãos dadas com meus pais em direção à praia quando uma mulher que passava perguntou o que eu tinha. Meus pais só ignoraram. Ela insistiu até minha mãe se irritar e dizer: ‘Ela não tem nada!” Já na praia, foi minha vez de perguntar sobre o que a mulher falava. Meus pais sempre foram claros em relação à hemiplegia. Então, ali, trataram a deficiência abertamente, responderam a todas as minhas dúvidas e afirmaram que fariam o máximo para eu levar uma vida normal.

Quando um adulto queria saber o que eu tinha, explicava sem rodeios minha deficiência, como havia aprendido. Para outras crianças, tentando evitar mais perguntas, dizia que tinha caído da bicicleta. Mas, na escola, sofri bullying poucas vezes. Só coisas do tipo: ‘Eu posso apontar meu lápis e você não’. Nada que tenha me marcado. Foi na faculdade que fui descobrir o que era sofrer preconceito. Uma colega insistia em me imitar, ressaltando minhas dificuldades. Se eu levantava a mão para tirar dúvidas, ela falava para a sala toda ouvir: ‘Professor, você vai responder à pergunta da deficiente?’ E a turma caía na risada. Fiz reclamações na diretoria, mas, por um ano, nada foi feito. Ela e as amigas chegaram a me prender no elevador e no banheiro e ainda me acusaram de ser cruel por denunciá-las.

Mais ou menos na mesma época, recebi o convite da então vereadora de São Paulo Mara Gabrilli, que também tem necessidades especiais, para trabalhar no gabinete dela. Foram seis meses lá. Aprendi muito no período, e o convívio com a Mara me deu outra visão. Percebi que minhas limitações eram mais psicológicas do que físicas, que eu poderia fazer grande parte daquilo que achava impossível e realizar muito. Saí dali apenas porque fechei um intercâmbio para aprender inglês. E eu estava infeliz com a situação que ainda vivia na faculdade. Nenhuma medida tinha adiantado para combater o bullying e resolvi me afastar daquele ambiente. Viajar foi a melhor coisa que me aconteceu. Por meses, em Las Vegas, tive total liberdade de locomoção. Tudo na cidade era favorável a pessoas com deficiência. Ia ao supermercado, ao shopping… Aqui, às vezes sinto falta de poder comprar pão, pois nem todas as padarias são adaptadas. Muitas têm entrada estreita ou degraus. Quando voltei ao Brasil, fiz um curso motivacional e vi que o problema estava na menina que me enxergava como diferente, e não em mim. Passei a assumir minha condição com mais tranquilidade, o que despertou a minha vontade de lutar pelos direitos de pessoas como eu. E nunca deixei os desafios impostos pela deficiência limitarem meus voos. Voltei para o curso de direito em outra faculdade e me formei no ano passado. Logo fui convidada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para estudar legislação nos Estados Unidos. Foi mais um mês em que me virei sozinha e cresci. Hoje, faço pós-graduação e estou me preparando para prestar concurso e ser juíza. Também vou fazer mestrado e pesquisar a inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho.

Gosto de ressaltar que tenho uma vida comum. Até por isso, foi bacana colocar toda minha experiência em um livro, Tente Outra Vez (Editora de Cultura), escrito com o jornalista Rogério Godinho e lançado no fim de 2014. Minha deficiência não me impede de nada: saio com minhas amigas, viajo, namoro, trabalho, passeio bastante, sonho em ter filhos. Enfrento um pouco de dificuldade para andar; então, prefiro usar uma scooter para percorrer distâncias maiores. Também conto com uma pessoa que me ajuda a me vestir. Com o intuito de derrubar mais e mais tabus, vou estrear ainda neste ano um blog, no qual compartilharei minha experiência cotidiana. É comum pessoas com deficiência me procurarem para dividir questionamentos. Adoro ouvir e dar conselhos. Claro que só faço isso porque sou muito bem resolvida comigo mesma. Superei preconceitos que derrubavam minha autoestima e hoje sou superorgulhosa do caminho que trilho.” 

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