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O Congresso Nacional ignora a mulher

A CLAUDIA promoveu uma discussão entre senadoras e deputadas sobre a falta de mulheres na política, os projetos analisados em Brasília e os impactos (muitos deles ruins) que tudo isso pode causar na vida das brasileiras

Por Patrícia Zaidan Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 28 out 2016, 13h03 - Publicado em 6 ago 2015, 10h06
iStock/Thinkstock/Getty Images
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O Parlamento há tempos não ficava tão nervoso e tomado de cenas fortes. Em uma delas, no meio de uma discussão, o deputado Roberto Freire (PPS-SP) torceu o braço de Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Ao exigir providências, veio novo golpe, de Alberto Fraga (DEM-DF): “Mulher que participa da política e bate como homem tem que apanhar como homem”, bradou ele, sem interesse em ver que somos 52% da população e 44% do mercado de trabalho, produzimos 40% do Produto Interno Bruto, chefiamos 38% das famílias e, sim, devemos também ocupar o poder. Jandira é a única líder de bancada, está no sexto mandato, relatou a Lei Maria da Penha e, agora, vê o conservadorismo galopar. “Acabou a mediação. Não se consegue construir acordos”, diz. “Há preconceito e ódio, um risco para as lutas femininas.” Os projetos ganham tom masculino porque as parlamentares são minoria. E continuará assim: a emenda que criava cota de 30% das vagas da Câmara para mulheres naufragou dias após o debate promovido por CLAUDIA com deputadas e senadoras.

Debate em dia agitado

Foi em 11 de junho. As debatedoras saíam e voltavam várias vezes da sala da Secretaria da Mulher, onde gravamos a discussão. A cota de 30% entrou na pauta da reforma eleitoral, e as deputadas correram para o plenário. Convenceram o presidente Eduardo Cunha (PMDB-RJ) a adiar a votação: precisavam convencer mais gente a apoiá-las. Teriam que obter 308 votos – a derrota, no dia 16, veio com 293. A senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), procuradora da mulher, dividiu sua atenção com a Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga empresas sonegadoras de imposto de renda, e a deputada Maria do Rosário (PT-RS) esteve com um pé na CPI da Petrobras. Participaram também a senadora Marta Suplicy (sem partido), ex-prefeita de São Paulo, a deputada Dâmina Pereira (PMN-MG), coordenadora da secretaria, e Jandira. Elas lembraram a raiz do problema: são 51 mulheres no total de 513 deputados; 13 em 81 senadores. Isso faz o país, no ranking da ONU, amargar o 124º posto entre os que têm maior número de mulheres na política. Vergonha! Foram convidadas e não puderam comparecer ao debate a senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS) e as deputadas Mara Gabrilli (PSDB-SP) e Elcione Barbalho (PMDB-PA).

Dois polos

A revisão do Estatuto do Desarmamento, a criação do Estatudo da Família e a redução da maioridade penal entraram em nosso debate, assim como o clima acirrado que divide a Câmara em dois polos. Alguns deputados ficam com parte da nação que respeita as diferentes culturas, é generosa com o imigrante e mantém a liberdade sexual e o diálogo – e se opõem aos projetos considerados retrógrados. A ala prevalente, respaldada por Cunha, evangélico – que, não raro, toma decisões fora do regimento –, é porta-voz do outro lado da sociedade, que vez ou outra pede a pena de morte e a cura gay e tenta frear avanços femininos. São as apelidadas bancada da bala (militares, delegados e radialistas da área policial) e a bancada da Bíblia (da vertente evangélica de inspiração conservadora). Na véspera do nosso encontro, a divisão ficou evidente: a polícia legislativa conteve, com spray de pimenta, militantes contrários à redução da maioridade e deputados oraram no plenário com cartazes críticos à Parada Gay. Isso irritou os que defendem o estado laico e que religião não se sobrepõe à política.

Divulgação
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Da direita para esquerda: Maria do Rosário, Vanessa Grazziotin, Jandira Feghali, Marta Suplicy e Dâmina Pereira. 

Poucas mulheres

Maria do Rosário

As deputadas ameaçaram não votar a reforma eleitoral se as cotas não entrassem na pauta. Cunha disse: “Não votem. Vou contar quórum desconsiderando vocês. Não faz diferença”.

Dâmina

Tentamos mobilizar os deputados. Com dificuldade de apontar a importância de corrigir a desigualdade, baixamos a cota para 15%.

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Jandira

O Congresso é o lugar com o maior número de gravatas por metro quadrado. Alguns projetos passam facilmente. Como a Lei Maria da Penha. Mas, quando é para dividir o poder, eles barram. E há desrespeito nos partidos. A lei obriga a reservar 30% das candidaturas a mulheres. Isso não mudou nada.

Marta

Para não serem punidos, os partidos chamam a secretária, a vizinha e dizem: “Você se candidata e nem faz campanha”. Se não tivermos a cota de cadeiras, só atingiremos paridade em 100 anos.

Vanessa

Marta apresentou no Senado proposta de uma vaga para cada gênero, na renovação de dois terços do Senado.

Marta

A cada oito anos, o eleitor escolheria um homem e uma mulher.

 

CLAUDIA

Partidos dão às mulheres menos tempo de TV e empresas financiam mais homens?

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Maria do Rosário

Sim. Acham que eles exercem mais poder. E alguns setores avaliam que agimos só na área social, desconhecemos economia. Mas debatemos tudo, com outro olhar.

 

CLAUDIA

Como foi o desconforto diante das agressões a Jandira?

Marta

Para refletir: Mário Covas (governador de São Paulo, falecido em 2001) me dizia: “É injusto debater com você, porque você bate como homem e apanha como mulher”.

Maria do Rosário

Bater tem interpretações. Com Jandira, foi simbólico.

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Dâmina

Foi, literalmente, bater.

Jandira

Mais que isso. A frase de Alberto significa: “Mulher que bate como homem é firme, corajosa. Não pode”. Para ele, assertividade é coisa de homem. Ora, é traço nosso.

Marta

Essa é uma carreira difícil, de cultura masculina.

Maria do Rosário

Tem mais: a política se misturou com situações que desencantam o povo; houve quebra de confiança nas instituições. Se a política tem coisas inadequadas – e se fala mais de escândalos e menos do que produzimos de positivo –, as mulheres se afastam.

Marta

Mulher não marca território. Homem, em reunião política, diz a mesma coisa mil vezes.

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Maria do Rosário

Lutamos para que o fato de termos uma presidenta não seja um episódio, mas uma mudança que nos coloque no exercício do poder como em qualquer atividade.

Marta (cortando Rosário)

Torci para não ser falado isso. Para mim, foi uma decepção…

Maria do Rosário

Ah, não, se você diz isso, nos dividimos. Não merecemos nos dividir hoje. Marta, você não ouviu. Independentemente de ideologia, contradições pessoais e políticas e de quem fosse – poderia ser você –, a mulher na Presidência muda um símbolo. O próximo passo é o Parlamento: nós exercendo maior poder.

Marta

Voltando: a parlamentar, em geral, é separada, viúva, solteira ou mulher de político. Por quê?

Maria do Rosário

Dizem que ninguém nos aguenta. Veem na mulher com poder alguém difícil de lidar.

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Marta

É sofrido para a política deixar o filho pequeno no seu estado de origem e vir para cá. Dâmina Mas conciliamos tudo.

Maria do Rosário

Já aconteceu de chover em Brasília e eu ligar para Porto Alegre pedindo para agasalharem minha filha. E lá nem chovia.

Jandira

Muitas são chefes de família, como eu, que sou divorciada, com dois filhos. E vou dizer: a gente concilia tudo com um custo elevado, que recai só sobre nós.

 

 A Revisão do estatuto do desarmamento é ruins

Jandira

As pautas conservadoras se misturam. Eleito presidente, Cunha montou comissões para tratar do Estatuto do Desarmamento (de 2003), do Estatuto da Família, do Estatuto do Nascituro (proteção ao feto e contra o aborto) e da diminuição da maioridade penal. Está cumprindo acordos com as bancadas da bala e da Bíblia. Esses temas, aprovados sem debate, prejudicam a sociedade e as mulheres.

Vanessa

Cada um poderá ter quantas armas quiser. O argumento: o cidadão precisa se defender do bandido. Ora, desarmemos o bandido. Vamos ver, em briga boba de trânsito, um sacar o revólver e atirar no outro.

Marta

Mais armas em casa, mais mulheres assassinadas.

Jandira

O número de jovens mortos na rua crescerá. Pode ser um filho nosso. Na periferia ainda mais.

Maria do Rosário

O Brasil ainda está implantando, com luta, as estruturas para o funcionamento da Lei Maria da Penha, o que passa pelo Legislativo, Ministério Público, Judiciário, pelas delegacias e pela Casa da Mulher Brasileira, que atende vítimas. Devemos andar no sentido contrário: a urgência é enfrentar, no âmbito da segurança pública, o desvio de armas da polícia e o tráfico delas.

Estatuto da família

CLAUDIA

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há no Brasil 11 arranjos familiares além do tradicional pai, mãe e filhos. A nova proposta estabelece como família apenas a formada por homem e mulher. Como as senhoras veem isso?

Maria do Rosário

É uma intervenção contra os direitos civis, humanos e individuais.

Vanessa

O Supremo Tribunal Federal aprovou a união civil entre casais homossexuais (em 2011). A sociedade contemporânea já aceita. Duas pessoas do mesmo sexo podem criar uma família.

Marta

O Congresso está indo a reboque do que acontece na sociedade. Pelo seu conservadorismo, acaba delegando poderes ao Judiciário. Tem sido assim em todos os avanços na área do comportamento.

 

CLAUDIA

Uma mulher com filho não reconhecido pelo pai, então, não seria uma família? O Estado ignoraria essa relação familiar?

Maria do Rosário

Pelo projeto que está aqui, essa não seria uma família. Mas, apesar de a Constituição, efetivamente, falar em homem e mulher em um artigo, em seu todo reconhece as demais famílias, amplas e abertas.

 

Pena mais cedo

Vanessa

Diante da criminalidade, a sociedade concorda em diminuir a idade para a punição; 80% a aprovam. Não a vejo como saída. É nossa obrigação apresentar algo melhor. O projeto, na Câmara, fala em 16 anos. Daqui a pouco criminalizaremos os de 12. Com a redução da maioridade penal, a mulher sofre, porque está perdendo a capacidade de recuperar seu garoto ou garota que delinquiu. Ela preferia ter o Estado como parceiro para educá-los, não só puni-los. Talvez aumentar a pena de quem utiliza menores em crimes seja uma boa medida.

Maria do Rosário

Defendo o aumento da punição para menores que cometem crimes graves, mas não no sistema penitenciário, que não recupera ninguém.

Marta

A tendência é esta, no Senado: aumentar a pena em crimes hediondos. Do contrário, uma menina rouba um xampu e… pronto! Sempre que ocorrem crimes que chocam, aparecem esses projetos, que não são o remédio ideal.

Maria do Rosário

A redução terá um impacto na legislação em geral. A exploração sexual de menor de 18 é crime; então, o agenciamento de meninas de 16 pode deixar de ser. Hoje, nossos filhos só dirigem a partir da maioridade penal. Se houver mudança, os de 16 irão para o trânsito brasileiro, campeão de mortes no mundo, quando sabemos que é inadequado dirigir nessa idade. Há populismo em torno da discussão e exploração da dor das famílias que perdem seus entes queridos. Quem se opõe à redução está do lado das vítimas e querendo resolver a violência com uma série de medidas.

Marta

Nesse projeto, também tem conservadorismo. Mas não quero acabar a conversa com um tom de desesperança diante do retrocesso, que cresce aqui e no mundo. Antes, o Brasil achava normal a escravidão. Hoje, é forte a repressão contra o trabalho infantil e a exploração de imigrantes. Ninguém mais aceita. As coisas vêm em ondas. No Congresso, a onda retrógrada entrou forte. A situação é difícil principalmente na ameaça aos direitos que a mulher conquistou. A Secretaria da Mulher tem essa sala bonita onde estamos debatendo. Ela, porém, exerce pouco poder. Isso não será por muito tempo.

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