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“O ataque me mostrou como as mulheres agredidas se sentem”, diz a juíza Tatiane Moreira Lima

Em março deste ano, a magistrada foi atacada no Fórum Butantã por um homem que respondia em liberdade às acusações de violência doméstica. Hoje, meses depois, fala a CLAUDIA sobre como o episódio mudou seu trabalho e como enxerga os crimes contra a mulher

Por Isabella Marinelli
Atualizado em 22 out 2016, 19h13 - Publicado em 2 ago 2016, 19h29
Associação dos Magistrados
Associação dos Magistrados (/)
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A juíza Tatiane Moreira Lima trabalha na Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Em março, foi atacada dentro do Fórum do Butantã, em São Paulo, por um homem que ameaçou colocar fogo em seu corpo. Ele respondia em liberdade às acusações de agredir a esposa. Hoje, meses depois, fala a CLAUDIA sobre como o episódio mudou seu trabalho e como enxerga os crimes contra a mulher.

CLAUDIA: A Central de Atendimento à Mulher – o ligue 180 – recebeu, nos seis primeiros meses de 2015, mais de 360 mil ligações. Em média, foram 84 ligações por hora de mulheres relatando algum tipo de violência ou pedindo ajuda – para si ou para uma conhecida. E ainda existem os milhares de casos que, por medo, não foram denunciados ou reportados. O que isso mostra sobre a violência doméstica?

Dra. Tatiane: A gente tem o Disque 180 para onde as mulheres podem ligar e pedir ajuda. O resultado apontado nesses dados não é tão simples, pois não é possível saber se a violência aumentou ou se as mulheres estão se empoderando mais e se encorajando para denunciar. O que temos de dados conclusivos é que mais de 80% tem filhos e 64% apanham na frente deles. É assim que a gente acaba criando uma cultura de violência na própria casa, pois as crianças reproduzem o que veem e isso vira um ciclo. A violência contra a mulher é também contra a família. 

Como você acredita que a Lei Maria da Penha interferiu e interfere no número de denúncias?

Todo mundo sabe que existe a Lei Maria da Penha, entretanto, a violência é motivada por comportamento machista. O homem sente que a mulher é uma propriedade dele. A história mostra: eles eram os provedores, eles saíam para o mercado de trabalho e para a vida política. Eram eles que saíam para a esfera pública. Já as mulheres ficavam em casa cuidando dos filhos e do lar, na esfera privada. A partir do momento que ela, mulher, começa a estudar e trabalhar, o homem sente que está perdendo o controle sobre essa mulher e entende que é um direito dele praticar atos coercitivos. Por esse motivo, até pouco tempo atrás, ele poderia matar por “legítima defesa de sua honra”, quando a esposa o traía. Todas essas mudanças de mentalidade são recentes do ponto de vista histórico. Até o Marco Civil de 2002, por exemplo, as mulheres eram consideradas incapazes, pessoas que precisavam ter sua tutela passada do pai para o marido. 

Por que é tão difícil denunciar?

A mulher agredida está inserida em um ciclo de violência. Esse fenômeno é estudado desde 1970. O que acontece? Vem a explosão, que é agressão propriamente dita. Depois, vem a fase de lua de mel, em que o agressor tenta se justificar – e volta a ser romântico, agradá-la, pedir desculpas. Nessa hora, a mulher, fragilizada, perdoa. Em seguida, chega o período de exacerbação: o homem volta a mostrar sinais de irritação e a mulher, por sua vez, acha que o descontentamento é causado por algo presente no comportamento dela. Por exemplo: ter chegado atrasada a um jantar, ter conversado por horas com um vizinho, ter usado um vestido sensual. Até que acontece outra explosão. Esse ciclo que se repete por cerca de 8 anos: são raros os casos em que a denúncia acontece de primeira.

Essa situação é difícil de lidar, pois é complexa. Não se trata de um cenário maniqueísta, existem nuances. Muitas vezes, essa mulher não quer se separar, quer apenas uma vida sem violência ao lado do parceiro. Além disso, a cultura machista nos fez acreditar que a agressão é uma forma de correção – o que é mentira. Ultrapassadas as primeiras barreiras, a vítima se vê diante da violência institucional. O que é isso? O delegado que desconfia, as diversas vezes em que precisa repetir sua história. As pessoas julgam muito essa mulher e, por isso, ela não se sente motivada a levar a queixa às autoridades. E, infelizmente, esse crime é perversamente democrático: em cada caso, independentemente de classes sociais, existem amarras específicas. 

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Muitas pessoas ainda acreditam naquela expressão “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”…

A violência doméstica é um problema social e não só da família. “Em briga de marido e mulher se mete a colher”? A grande questão é: precisamos pensar em respeitar e entender quando a mulher não quiser essa ajuda. Mas, ao mesmo tempo, não desampará-la no momento em que ela decidir que precisa de suporte.

Depois que ela denuncia, isso não pode mais ser revogado. Certo? 

Sim. O boletim de violência física não pode mais ser revogado como forma de proteger a mulher. Antes, ela poderia ser ameaçada, chantageada ou iludida. Agora, o judiciário entra nessa relação para empoderá-la. Também é uma forma de mostrar à sociedade que a violência doméstica não pode ser perpetrada e perpetuada. 

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Devemos lembrar que tudo é muito recente. A Lei Maria da Penha foi um exemplo de que é preciso um movimento estatal para que exista uma mudança de cultura. Trata-se de uma medida reeditada por pressão de órgãos internacionais, porque o próprio Brasil desrespeitava suas mulheres. Felizmente, com atraso, estamos começando a discutir as questões de gênero, a trazer para o espaço público as questões que eram mantidas como privadas. Ainda engatinhamos, falta um longo caminho.

Meses atrás, a senhora sofreu um ataque no Fórum Butantã. Isso influenciou o seu trabalho de alguma forma? Você sente medo? 

O ataque foi algo muito inesperado, mas não me impediu de continuar a trabalhar e procurar tentar fazer justiça. A justiça é feita aplicando a lei e mostrando para a sociedade que não podemos aceitar mais a cultura machista. No momento, senti muito medo de tudo terminar tragicamente; depois, passei um tempo com medo de qualquer barulho. Essa experiência me mostrou como as vítimas se sentem quando agredidas, com a diferença de que não há policiais dentro da casas delas para evitar que o pior aconteça. Acredito que foi um caso muito emblemático. Era necessário acontecer algo assim para despertar o olhar para esse assunto tão sensível.

FALANDO NISSO…

CLAUDIA participará de um debate da AASP – Associação dos Advogados de São Paulo em prol do combate à violência contra a mulher e da discutissão das leis que nos protegem. Serão duas mesas de conversa, com a juíza Tatiane Moreira e outros convidados especialistas no assunto, mediadas por nossa diretora de redação Tati Schibuola. PARTICIPE! 

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