Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana
Continua após publicidade

As brasileiras que lutam pela sobrevivência do planeta (e nossa)

Vivemos em um cenário onde as mudanças climáticas já são realidade. A batalha ainda não está perdida, mas precisamos agir antes que seja tarde demais

Por Lucas Castilho
Atualizado em 12 mar 2020, 10h10 - Publicado em 9 mar 2020, 08h00
Michele Rigon Spier
A cientista gaúcha Michele Rigon Spier (Jessica Bruning/CLAUDIA)
Continua após publicidade

Alô, é da Terra? Se você atendeu essa ligação e permanece como morador deste nosso planeta, deve saber que as notícias não são exatamente otimistas. Não é possível negar que está mais quente – especificamente 1 grau Celsius a mais do que antes do processo de industrialização, como informa a Organização Meteorológica Mundial (OMM).

Se a tendência continuar, as temperaturas poderão sofrer uma elevação de 3 a 5 graus Celsius até 2100. Parece pouco? É o suficiente para o mundo entrar em colapso: o nível do mar vai subir e cidades inteiras desaparecerão; a temperatura e a acidez dos oceanos aumentarão, espécies serão extintas e a humanidade enfrentará escassez de alimentos; e a água doce poderá se tornar artigo de luxo. Indícios do cenário extremo (e realista) já estão aparecendo, combinados a graves erros nos processos de urbanização.

Em janeiro, por exemplo, em Minas Gerais, por causa das chuvas intensas, ao menos 57 pessoas morreram e mais de 3,8 mil ficaram desabrigadas, segundo dados da Defesa Civil Estadual. Recentemente, foi a vez de São Paulo ficar debaixo d’água. Sem falar nos incêndios florestais ligados à exploração da terra que castigaram a Amazônia no ano passado. Como você deve imaginar, quem mais sofre (e continuará sofrendo) com esse processo de exaustão dos recursos naturais são as pessoas mais vulneráveis. E as mulheres são maioria nesse grupo. O impacto ocorre até de maneira indireta.

“Em muitos países em desenvolvimento, elas são responsáveis pela coleta de água e de suprimentos e pelo preparo da comida. Inundações, secas e redução de chuvas dificultam a realização dessas tarefas. E, quando elas não cumprem o que se acredita ser uma função feminina, pode acontecer o aumento da violência doméstica e sexual”, diz Janet Kabeberi-Macharia, chefe da unidade de gênero e salvaguardas do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).

Michele Rigon Spier
A cientista gaúcha Michele Rigon Spier (Jessica Bruning/CLAUDIA)

Existem evidências devastadoras de que a intervenção humana é a grande responsável pela emergência climática – sem surpresa aqui. Apenas 100 empresas representam 71% das emissões de dióxido de carbono e os países do G20 contribuem com 80% delas, como pontua relatório do Carbon Disclosure Project (CDP). Mais do que nunca, é preciso agir. E não conta só fechar a torneira na hora de escovar os dentes. São necessárias atitudes mais radicais das autoridades em relação às emissões de carbono e cobrança do nosso lado.

A boa notícia é que nem tudo está perdido. Se não é possível impedir totalmente o desastre, dá para atenuá-lo e se adaptar a novas realidades. A ativista Greta Thunberg, criadora do Sextas para o Futuro, defende isso. “Estou dizendo que há esperança. Eu já vi. Mas não vem dos governos ou corporações, vem do povo”, discursou ela na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, COP 25, que aconteceu em Madri, na Espanha, no ano passado. Com Greta, outras mulheres assumiram a linha de frente dessa luta. Brasileiras estão pesquisando, ensinando e propondo soluções. Conversamos com cinco delas, otimistas e corajosas, para inspirar mais gente a entrar para a causa.

Continua após a publicidade

Novas soluções

O plástico, oriundo dos combustíveis fósseis, é um dos grandes vilões das emissões de gases de efeito estufa. O material demora mais de 100 anos para se decompor. Da década de 1950 para cá, a produção aumentou 200 vezes, e 75% dela foi descartada na natureza sem ser reciclada ou reutilizada, como revela relatório divulgado no ano passado pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF). Anualmente, 10 milhões de toneladas de lixo plástico são jogados nos oceanos, e cenas como a do vídeo viral com a tartaruga sofrendo com um canudo enfiado no nariz se tornam cada vez mais comuns. Nesse cenário, a descoberta da cientista gaúcha Michele Rigon Spier é revolucionária.

Coordenadora de pesquisa na Universidade do Paraná (UFPR), ela desenvolveu duas formulações de plástico biodegradável – uma branca, feita com amido; e outra verde (que está em fase de patenteamento), à base de componentes que ela ainda não pode revelar. Diferentemente do polietileno, o plástico convencional, o composto criado em Curitiba precisaria de apenas cinco meses para se decompor no meio ambiente. Além disso, poderia ser produzido com os mesmos equipamentos usados no processo do material tradicional, com a vantagem de gastar menos energia. “O desafio agora é reduzir o custo dele. Eu acho possível porque a maioria dos componentes é nacional.

Algumas empresas, inclusive dos Estados Unidos, já entraram em contato para produzir no nosso país mesmo”, diz Michele, que há 12 anos é concursada na universidade. De acordo com ela, o projeto durou pouco mais de um ano e meio e foram necessários foco, disciplina e ajuda de amigos, já que ela não obteve recursos do governo para a compra de equipamentos ou materiais. “Minha maior motivação foi desenvolver um novo produto, uma nova embalagem que fosse amiga da natureza, sustentável”, finaliza.

Michele Rigon Spier
Michele Rigon Spier (Jessica Bruning/CLAUDIA)

Ensinar para salvar

A educadora ambiental Evelyn Araripe é presidente da unidade brasileira da Plant for The Planet (plante para o planeta, em tradução livre). A organização alemã motiva jovens a se envolver com pautas de sustentabilidade. “Minha missão é garantir a educação das gerações que vão assumir cargos de tomada de decisão, futuros políticos, médicos, engenheiros, professores”, afirma.

Evelyn já trabalhou nas conferências do clima da ONU formando jovens para fazer a cobertura do evento, além de ter ganhado uma bolsa para líderes do futuro na Alemanha quando pesquisou metodologias que ajudam no ensino do que são as mudanças climáticas para os pequenos. Segundo Evelyn, é importante promover debates menos cabeçudos, levando a discussão para o dia a dia dos jovens e usando exemplos próximos a eles, como o das chuvas nas capitais do país.

Continua após a publicidade

Apesar do cenário atual, a paulista é prática em suas resoluções. “Se imaginarmos o planeta como um corpo, ele está doente, desequilibrado. E o que a gente faz? Senta e chora? Espera morrer? Antigamente, nas negociações de clima só se falava em prevenção. Agora já sabemos que não dá mais para prevenir tudo. Algumas mudanças climáticas já estão acontecendo e só nos resta aprender como nos adaptar a elas”, complementa.

Se a gente imaginar o planeta como um corpo, ele está doente.”

Evelyn Araripe
Evelyn Araripe
Evelyn Araripe (Jessica Bruning/CLAUDIA)

Salvem a Amazônia

Uma das brasileiras mais gabaritadas e pioneira no assunto emergências climáticas, a matemática Thelma Krug é atualmente vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, organização criada pela ONU. Ela foi a primeira mulher eleita para o cargo. Por dez anos, também contribuiu com as negociações sobre o assunto com outros países, tendo assumido cargos nos governos de Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Foi também finalista do Prêmio CLAUDIA em 2016.

Apesar de acreditar em uma virada de jogo, Thelma não acha que a humanidade conseguirá zerar as emissões de gases de efeito estufa até a metade do século, como orientado pela ONU, caso não sejam feitas transformações radicais em todas as áreas da sociedade. Ela defende que é necessário cortar o mal pela raiz, ou seja, evitar as emissões fósseis e não seguir usando os recursos da terra desordenadamente.

No caso do Brasil, se faz urgente uma ação para barrar os desmatamentos na Amazônia e, proteger, assim, o clima da região. “Somos dependentes da floresta para a formação de nuvens, para a precipitação. Fora isso, estamos colocando a vida de mais de 20 milhões de pessoas que moram ali em risco”, explica. Ela defende, inclusive, a agricultura familiar local, rebatendo críticas de que seria essa a causa do desmatamento. “Essa é uma questão que me revolta. O pobre nunca ficou rico com o desmatamento”, afirma. “A responsabilidade com a Amazônia tem a ver com mantermos minimamente sustentável a vida dos moradores e proteger a região como um todo.”

Continua após a publicidade

Estamos colocando a vida de mais de 20 milhões de pessoas que moram na Amazônia em risco”

Thelma Krug

 

Thelma Krug
Thelma Krug (Jessica Bruning/CLAUDIA)

A união faz mesmo a força

Desde os 11 anos, a carioca Luisa Diele-Viegas já sabia que seria cientista. Hoje, aos 28, ela faz pós-doutorado na Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, dedicando-se a estudar os efeitos das mudanças climáticas na migração de uma ave asiática. Antes disso, no doutorado, pesquisou os impactos em 50 espécies de répteis da Amazônia e na mabuia, lagarto de Fernando de Noronha. O resultado desse projeto foi a criação de duas cartilhas educativas – uma para a escola de Noronha, que já está em processo de publicação; e outra abordando as mudanças climáticas de forma mais genérica, para ser distribuída em escolas públicas do Brasil, que só será impressa se conseguir financiamento.

O trabalho de Luisa destaca as consequências terríveis das mudanças climáticas para os animais, tirando, assim, o foco só nas pessoas. Entre outras coisas, a tese dela prevê que, caso as emissões continuem como estão, até 2070 a mabuia será extinta. Quanto aos répteis amazônicos, serão reduzidos drasticamente e alguns devem sumir. “Esses lagartos se alimentam de algumas espécies e são alimento para outras. Quando são retirados de determinado lugar, isso influencia toda a cadeia. Estamos chamando esse fenômeno de sexta extinção em massa.

A mais famosa foi a dos dinossauros, mas todas demoraram milhares, milhões de anos para acontecer. Desta vez, a escala é de apenas centenas de anos.” De acordo com a pesquisadora, o momento é crítico e a ajuda de todos é essencial – vamos ter que abrir o diálogo inclusive com quem não acredita em mudanças climáticas. “É sempre bom mostrar exemplos, como os 50 graus de sensação térmica no Rio de Janeiro. Isso não é comum, nunca aconteceu. Minha missão é levar o que eu faço na academia para as pessoas entenderem a gravidade do assunto no dia a dia”, finaliza.

Luisa Diele-Viegas
Luisa Diele-Viegas (Jessica Bruning/CLAUDIA)

A sabedoria indígena

Diretora de campanhas do Greenpeace, Tica Minami sabe que a luta para salvar o planeta não será fácil. “Geralmente, a gente pensa nas questões ambientais como um sacrifício. Eu convido as pessoas a enxergarem como uma forma diferente de viver. Sacrifício é perder nossa casa, não ter recursos que permitam a todos o acesso a alimentos, ver morrer diariamente milhares de espécies. Viver de outra forma, de um novo modo que possibilite à natureza se regenerar é apenas diferente.”

Continua após a publicidade

A jornalista, que atuou na iniciativa contra a construção de Belo Monte e fez parte do movimento Xingu Vivo para Sempre, criado para garantir a defesa do Rio Xingu e o reconhecimento dos direitos fundamentais dos povos da região, acredita que olhar para os povos indígenas também é imprescindível para conter as mudanças climáticas. O método de cuidado da terra dessas populações protege as florestas, estabiliza o clima regional e abriga polinizadores, além de garantir o suprimento de água para a agricultura e o consumo humano, como mostram diversos estudos, entre eles o relatório Benefícios Climáticos, Custos de Posse do Instituto de Recursos Globais (WRI).

“É exatamente essa conexão com a natureza, com o ambiente, que a gente, a civilização ocidental, perdeu. Quando chegamos em casa, trancamos a porta e vemos aquilo como lar. O indígena, não. A casa dele não é quando ele entra na oca, a casa dele é dentro e fora, a casa dele é o rio. A gente fala que o indígena e a natureza são um só. Precisamos resgatar a ligação do meio ambiente com nossa vida. Isso nos fará entender que a comida não nasce na prateleira do mercado, que a água não vem da torneira”, diz a paulista.

Sacrifício é a gente perder nossa casa, não ter recursos que permitam a todos o acesso a alimentos.”

Tica Minami

 

Tica Minami
Tica Minami (Mariana Pekin/CLAUDIA)

Ficha técnica

Direção criativa Hype Estudio • Foto Walter Costa • Beleza Vivian Reimann e Eddu Bukta • Vestido, Novo Louvre

Continua após a publicidade

 

Ouça no YouTube

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=rTAWHlRXZpQ?version=3&rel=1&fs=1&autohide=2&showsearch=0&showinfo=1&iv_load_policy=1&wmode=transparent%5D

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Moda, beleza, autoconhecimento, mais de 11 mil receitas testadas e aprovadas, previsões diárias, semanais e mensais de astrologia!

Receba mensalmente Claudia impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições
digitais e acervos nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.

a partir de 10,99/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.