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Conheça as meninas que fazem do bordado uma maneira de se empoderar

A revalorização da prática escancara que uma mulher não precisa mais ter predicados para se casar, quando ela mesmo, solteira ou casada, pode ser o sujeito de sua própria vida

Por Débora Stevaux (colaboradora)
Atualizado em 28 out 2016, 02h14 - Publicado em 7 mar 2016, 17h14
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Quem aí nunca ouviu da avó ou da mãe que para se casar precisa ser uma “mulher prendada”, com muitos “predicados”? Talvez para as gerações mais novas, o bordão “Moça que sabe cozinhar, costurar e bordar, é boa para casar!”, pareça um tanto anacrônico ou não faça muito sentido, mas esta frase é velha conhecida de gerações mais antigas.  Hoje, talvez nem todas as mulheres gostem ou saibam bordar, o que não significa que elas sejam menos cobradas pelo exercício de tarefas e responsabilidades típicas do universo feminino, muitas vezes, numa jornada tripla – a casa, os filhos e a profissão.

A questão é que, durante muito tempo, o peso da tradição foi, de pouquinho em pouquinho, arrefecendo o interesse da mulher moderna pelo ponto-cruz. Tanto é que os trabalhos manuais, assim como os domésticos, foram apresentando um histórico de desvalorização que se intensificou nos anos 60, quando nós nos distanciamos dessas práticas para alcançarmos reconhecimento no mercado de trabalho. E como quase tudo nessa vida, a atividade precisou de muita curiosidade e empenho para ser redescoberta e ressignificada no contexto de uma mulher que passou a utilizá-la como um instrumento de empoderamento e de próprio sustento, muitas vezes, não de submissão – como na época das nossas mães e avós.


O hiperrealismo de Sally Hewett

A artista plástica britânica sempre mostrou interesse pelas vivências sociais, políticas e pela corrente artística realista na representação do corpo humano. Os detalhes feitos à linha reproduzem pequenas “imperfeições” nossas: rugas, celulites, estrias e pelos; que de tão minuciosamente bem feitos nos levam a repensar se as nossas pequenezas podem ser consideradas mesmo imperfeitas.

Divulgação/Sally Hewett
Divulgação/Sally Hewett ()

Em entrevista ao The Huffington Post, Hewett conta como foi revisitar a tradição: “Em um momento durante a minha educação artística, quando eu estava particularmente perdida e querendo saber para onde direcionar a minha arte, encontrei alguns aros de bordado que haviam pertencido a minha avó e comecei a bordar.”

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Divulgação/Sally Hewett
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A calmaria do ponto cruz às avessas

A carioca Lucia de Carvalho, de 29 anos, é coordenadora de pesquisa na empresa MESCLADA e borda por considerar a prática uma “válvula de escape” do estresse cotidiano. A descoberta pelo passatempo que a acalma depois de um dia exaustivo de trabalho aconteceu há 4 anos: “Foi numa dessas minhas pesquisas diárias de tendências que achei esse movimento de bordados feministas e senti vontade de fazer. Ao contrário do que todo mundo acha, não foi minha mãe quem me ensinou a bordar, na verdade foi o YouTube!”

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A temática de Lucia vai de encontro com esse movimento que também pode ser chamado de riot embroidery (em livre tradução do inglês, bordado subversivo), movimento que busca dar um novo significado a atividade: “Para mim é uma forma de fazer arte. Costumo fazer frases de efeito, muitas delas expressam descontentamento ou deboche. Acho divertido fazê-los de maneira subversiva”.

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Arquivo Pessoal/Divulgação
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Pontos de poder

A paulista Thaís Paneto, de 22 anos, é a bordadeira à frente do Open Eye Collective, e desde muito cedo sempre demonstrou interesse pelas linhas e tecidos, e também por contestar o papel tradicional da mulher, mesmo antes de conhecer o movimento feminista: “Eu tinha aversão a aprender tudo que fosse me tornar uma mulher para casar.”

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“Cresci vendo minha avó costurando e quando pequena aprendi com a minha tia a fazer pulseiras de fios trançados. Mas isso tudo nunca me chamou atenção o suficiente para focar em algo, acredito que fosse por envolver desenhos delicados e fofinhos. Eu nunca gostei dessa ideia”, explicou Thaís sobre como foi aos poucos cativando seu interesse.

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Mas o mais surpreendente foi o caráter terapêutico que esta atividade artesanal foi assumindo na vida dela que, no ano passado, precisou deixar seu antigo emprego de caixa de loja após um ataque de nervosismo. 

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A crise, que a deixou de cama por um mês, foi o pontapé inicial para que a bordadeira fizesse jus à sua alcunha: pediu ao seu companheiro que comprasse os materiais necessários para que ela começasse os trabalhos e colocasse em prática um sonho de anos. De ponto em ponto, Thaís se acalmou e se reergueu.

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É por esse motivo que a paulista não só acredita que essa pode ser uma atividade empoderadora, como teve sua história costurada por estas linhas: “muito da minha auto-estima ressurgiu com a minha marca de bordados”.

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Hoje, quando se sente mal, mantém seu foco na produção de alguma peça, o que logo a faz levantar-se da cama. Sua coleção, feita em parceria com a ilustradora Fran Junqueira reúne três peças com uma temática focada em romper com a ideia de que a sexualidade feminina seja um tabu.

 

Delicadamente seis

Encontrar as amigas semanalmente para colocar as conversas em dia numa cidade como São Paulo é  praticamente impossível, mas não para este grupo de seis amigas. Tudo começou em agosto de 2013, quando a Renata Dania, que mora junto com Laís Souza, pediu para a Camila Gomes umas aulas de bordado em casa. Acontece que Amanda Zacarkim, Vanessa Israel e Marina Dini gostaram da ideia e perguntaram se poderiam participar também. E como nenhuma amiga sabe dizer não para a outra, o grupo de cinco designers e uma jornalista passou a se reunir semanalmente. 

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A partir dessas reuniões semanais, as meninas notaram que temas como o universo feminino e a relação delas com o próprio corpo eram recorrentes, tanto nos assuntos, quanto nos pontos. Então, foi em junho de 2014 que elas se inscreveram na PopPorn, uma feira em que tiveram a primeira oportunidade de vender suas criações que bordavam com linhas delicadas e coloridas a libertação sexual feminina. 
E de lá pra cá foram inúmeras participações em feiras artísticas, coleções temáticas, cursos abertos e coletivos que ensinavam a prática artesanal.

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“No fim de 2015 realizamos nosso primeiro curso online e com ele conseguimos chegar a diversos públicos espalhados pelo Brasil: uma experiência instigante para nós”, conta Amanda.

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Ciente da liberdade de escolha de sua geração, Renata explica como se deu esse processo de revalorização da atividade: “A partir do momento que as artes manuais passam a ser uma opção, elas perdem o peso da obrigação e dos rótulos. Isso é um processo natural que está acontecendo com a nossa geração.”

Trabalhar em equipe é sempre um grande desafio, no Clube há seis sócias e que dividem igualmente a responsabilidades e as decisões. Para Renata, fazer parte do coletivo tem sido um grande crescimento e uma experiência profissional incrível. Além da possibilidade de empreendedorismo, os maiores diferenciais do feito à mão vão desde o tempo dedicado à confecção, até compra consciente, inovação e exclusividade.

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O processo criativo das meninas é bem livre e respeita o estilo de cada bordadeira. Os temas abrangem um leque bastante diverso, que vai desde cinema, verão, flores e erotismo. As referências e inspirações ultrapassam o plano da linha e da agulha: “algumas pesquisam imagens inspiracionais no Pinterest, outras assistem a um filme ou ouvem uma música relacionada com o tema para criar. É bem particular, mesmo”, explica Laís.

Bordar em grupo estimula a fluidez de pensamentos e ideias e é por isso que os workshops ministrados pelo Clube do Bordado vão muito além dos ensinamentos sobre avessos, acabamentos e materiais. “As alunas se sentem acolhidas e é uma troca de vivências maravilhosa. Fazer algo criativo com as mãos em grupo também é muito terapêutico,” completa Laís.  

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Outro fator importante é a conquista do empoderamento pela liberdade de expressão através da criação: um dos pontapés iniciais para a divulgação e comercialização do próprio trabalho: “E isso nos orgulha muito”, arremata Laís.  

Num mundo de coisas pré-fabricadas e prontas para serem consumidas, fazer algo com as próprias mãos não deixa de ser uma forma de colocar um pouco de si, da própria personalidade, no que é feito. O interesse pela atividade vai de encontro à necessidade de equilibrar melhor os excessos do dia a dia – o gatilho pode ser ativado de diversas formas: pela curiosidade ou pelo resgate da memória que ficou estancada na infância. 

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“Enquanto as mãos trabalham, é possível deixar o pensamento correr solto e aprender também sobre o tempo que as coisas levam para serem feitas”, disse Amanda. Mas bordar é muito mais do que isso, a revalorização da prática escancara que uma mulher não precisa mais ter predicados para se casar, quando ela mesmo, solteira ou casada, pode ser o sujeito de sua própria vida.

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