Coletivo Helen Keller cria guia para mulheres com deficiência
O objetivo do conteúdo é ser um instrumento de informação para que essas mulheres conheçam seus direitos e possam exercer sua própria cidadania
Seu feminismo inclui as mulheres com deficiência? A invisibilidade das pessoas com deficiência (PCDs) é latente na nossa sociedade e as mulheres, que são maioria nesse grupo, sofrem ainda mais com isso. Foi buscando mais visibilidade, que algumas dessas mulheres se uniram em 2018 para criar o Coletivo Feminista Helen Keller de Mulheres com Deficiência – batizado em homenagem à professora, escritora e ativista norte-americana, que perdeu a visão e a audição antes de completar um ano de idade. Além de dar espaço a esse grupo de mulheres no movimento feminista, o coletivo busca ocupar mais espaços para conseguir realizar mudanças. Atualmente, o movimento tem mais de 40 integrantes por todo o Brasil.
“Nós também somos parte do movimento feminista. Não adianta nada ficar culpando grupos específicos por não sermos ouvidas porque isso tira a dimensão estrutural do capacitismo, que afeta nossa sociedade como um todo. A discriminação é exercida como um todo. O coletivo surgiu porque nós não nos sentíamos completamente contempladas nem no movimento feminista nem no movimento PCD. Sentíamos que tínhamos mais coisas a dizer”, explica Vitória Bernardes, integrante do Coletivo Feminista Helen Keller.
As integrantes do coletivo entendem que as MCDs sofrem com o machismo e precisam do feminismo, mas também podem ser prejudicadas por estruturas racistas e LGBTfóbicas. Por isso, o principal objetivo do coletivo é aprofundar o entendimento da intersecção de gênero e deficiência e, assim, uni-la ao movimento feminista.
Para tal, participam de eventos, debates, encontros e dialogam diretamente com outros movimentos. “Nós queremos mostrar o que é ser mulher com deficiência, mas obviamente não falamos por todas, porque temos nossos princípios norteadores em que nos baseamos. Em parceria com outras entidades, conseguimos também ocupar cadeiras dentro do controle social, o que é muito importante. Precisamos ocupar esses espaços políticos para que nossos corpos sejam considerados e, assim, consigamos mais respostas de políticas públicas”, conta Vitória.
Além desse tipo de participação e grande mobilização nas redes sociais, o Coletivo Feminista Helen Keller criou, no último dia 25, o guia Mulheres com Deficiência: Garantia de Direitos para Exercício da Cidadania, que pode ser baixado neste link. O conteúdo faz parte da Ação “Ampliar a relevância, o reconhecimento e o impacto da atuação das OSCs no Brasil”, parceria da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong), Centro de Assessoria Multiprofissional (Camp), Coordenadoria Ecumênica de Serviço (Cese) e Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), iniciativa apoiada pela União Europeia e busca oferecer às mulheres com deficiência um instrumento de informação, articulação e ação política para o exercício da própria cidadania.
Um dos principais diferenciais do guia é que ele é escrito quase inteiramente por mulheres com deficiência. “Nós queremos falar por nós mesmas e conseguir alcançar cada vez mais mulheres”, explica Vitória. O guia faz um resgate histórico sobre o movimento de pessoas com deficiência no Brasil, além de destacar as contribuições do movimento feminista. Aborda também temas como saúde, direitos sexuais, educação, trabalho, violência, acesso à justiça e educação sexual emancipatória.
“Era necessário pautar o que sentimos, sofremos e o que queremos para o futuro. O objetivo na criação do guia era canalizar nossas angústias, questionamentos e ausência de visibilidade e conseguir perceber o que precisamos para avançar. É preciso fazer reclamações, a queixa é necessária até para não adoecermos, mas ela precisa nos levar a algum lugar e promover mudanças”, diz a integrante do coletivo.
Além das mulheres do coletivo, o guia também contou com colaborações de convidadas, militantes e pesquisadoras que são referência na luta das PCDs, como Anahí Guedes Mello, ativista surda e lésbica, antropóloga, doutora em antropologia social e membra do Grupo de Trabalho Estudios críticos en Discapacidad do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO) e Izabel de Loureiro Maior, professora assistente aposentada e conselheira do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Rio de Janeiro, ex-secretária nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
No último capítulo do material, mulheres sem deficiência mas parceiras das causas de igualdade em outro movimentos, como mulheres negras, LGBTQI+, soropositivas e profissionais do sexo também puderam falar sobre suas lutas. O objetivo é construir pontes entre os diferentes movimentos de mulheres e aproximá-los. “A sociedade como um todo é excludente. Nossa intenção é que este guia se torne um instrumento de informação, articulação e ação política para o exercício da cidadania de mulheres, sobretudo as mulheres com deficiência”, finaliza Vitória.