Após aborto legal, promotora manda polícia buscar feto no hospital
Informações divulgadas pelo The Intercept Brasil apontam que Mirela Dutra decidiu investigar a 'causa da morte' do feto, mesmo sem haver crime
Mirela Dutra Alberton, promotora que se opôs ai aborto legal da menina de 11 anos estuprada em Santa Catarina, começou a investigar para chegar a “causa que levou à morte do feto”. Apesar do procedimento, segundo a lei, não se configurar como crime a ser averiguado, já que, em caso de estupro, o aborto é permitido desde 1940.
Ainda assim, no dia 24 de junho, Mirela pediu que os policiais buscassem restos fetais do Instituto Geral de Perícias no Hospital Universitário da UFSC para realização de uma necropsia. Nesta mesma data, um dia antes da menina ter alta, o juiz José Adilson Bittencourt Junior, responsável pelo caso, afirmou em um despacho que não se opunha ao requerimento da promotora e nem ao acesso a informações médicas da paciente.
O The Intercept Brasil teve acesso ao requerimento da promotora que foi enviado ao perito-geral da polícia científica de Santa Catarina, Giovani Eduardo Adriano. Com o título “urgente”, Mirela pede em ofício que seja realizado “exame pericial” para identificar “a causa que levou à morte do feto”. A promotora quer confirmar se houve a aplicação de cloreto de potássio para a parada dos batimentos cardíacos com o foto ainda no útero, ou seja, se a assistolia fetal foi realizada.
“No tocante ao requerimento de autorização para que o IGP possa buscar e efetuar necropsia do corpo de delito (feto), bem como o acesso do prontuário da paciente, não há óbice deste juízo, pois tais órgãos (MPSC e IGP) possuem competências que o autorizam a assim proceder”, afirma o juiz no despacho. A decisão afirmava que o hospital foi intimado a encaminhar “toda a documentação e relatório médico detalhado” sobre o procedimento do aborto com o prazo de até 48 horas.
O aborto legal foi realizado através de medicamentos para que o feto saísse do útero sem batimentos cardíacos. A menina foi acompanhada por sua mãe durante todo o processo. A indução de assistolia fetal é recomendada em casos acima de 22 a 24 semanas de gestação para que não haja mais sofrimento para as vítimas.
Durante a audiência em que a criança ouviu da juíza Joana Ribeiro Zimmer se “suportaria ficar mais um pouquinho“, a promotora Mirela Dutra Alberton também tentou convencer a menina: “Em vez de deixar ele morrer – porque já é um bebê, já é uma criança –, em vez de a gente tirar da tua barriga e ver ele morrendo e agonizando, é isso que acontece, porque o Brasil não concorda com a eutanásia, o Brasil não tem, não vai dar medicamento para ele…”. A conduta é investigada pelo Conselho Nacional do Ministério Público.
A menina foi vítima de estupro no começo do ano e descobriu estar com 22 semanas de gravidez ao ser encaminhada a um hospital de Florianópolis, onde teve o procedimento para interromper a gestação negado. De acordo com o Código Penal, o aborto é permitido em caso de violência sexual, sem impor qualquer limitação de semanas da gravidez e sem exigir autorização judicial. No entanto, a equipe médica do local se recusou a realizar o abortamento, permitido pelas normas do hospital só até as 20 semanas – ela estava com 22 semanas e dois dias.
Na decisão, a juíza Joana Ribeiro Zimmer afirmou que a criança foi encaminhada ao abrigo por conta de um pedido da Vara da Infância com o objetivo de proteger a criança do agressor que a estuprou mas que, agora, o objetivo seria evitar o aborto. A suspeita é a de que a violência sexual contra menina tenha ocorrido em sua própria casa.