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A viagem de Glória Maria à Índia

A apresentadora de TV Glória Maria foi para a pequena e paupérrima cidade de Bodh Gaya, na Índia, onde passou dois meses fazendo trabalho voluntário com monges, mendigos e crianças. Confira o depoimento dela sobre a viagem

Por Redação M de Mulher
Atualizado em 28 out 2016, 06h03 - Publicado em 19 jun 2013, 22h00

“As crianças nunca tinham visto uma negra nem imaginavam onde era o Brasil”, conta Glória Maria
Foto: Arquivo pessoal / Getty Images

Foi uma das experiências mais marcantes que já tive. Sempre quis fazer trabalho voluntário, especialmente com crianças. Nas viagens como apresentadora, tinha passado por muitos países pobres e visto pessoas com as mais diversas necessidades. Fiz a mim mesma a promessa de que voltaria a algum daqueles lugares para ajudar, mas a rotina e o trabalho nunca permitiam. Em 2008, consegui tirar dois anos sabáticos. Foi tão inesperado que eu ainda nem sabia o que iria fazer. Na mesma semana em que recebi a confirmação da liberação da TV Globo, um amigo me convidou para ser voluntária na Índia. Coincidência ou não, aceitei.

Sou uma pessoa extremamente espiritualizada. Tive formação católica, fiz primeira comunhão, estudei cabala e, mais tarde, assumi o budismo como minha filosofia de vida. Assim, é claro que eu já tinha ido à Índia – cinco vezes! -, mas nunca para Bodh Gaya, meu destino naquela ocasião. Fica no estado de Bihar, a mais de mil quilômetros da capital, Nova Délhi. Entrei no avião sem muitas informações ou expectativas. Meu voo incluía uma parada em Paris, outra em Bangcoc, na Tailândia, e, finalmente, chegaria a Bodh Gaya. No total, quase 30 horas de viagem. Mas virou uma aventura muito maior. Quando cheguei a Paris, fiquei sabendo que manifestantes tinham fechado o aeroporto de Bangcoc. Minha escala mudou para Bombaim, também na Índia, mas, antes de embarcar, uma série de atentados terroristas e a morte de turistas foram noticiadas e fomos impedidos de viajar para aquele destino. Levei três dias para chegar a Bodh Gaya. Parei em Cingapura, Nova Délhi, depois numa cidade pequena chamada Gaya e, aí, percorri mais 20 quilômetros de carro. Apesar da dificuldade, em nenhum momento pensei em desistir.

A ROTINA EM BODH GAYA

Bodh Gaya é um lugar muito simbólico para os budistas. Eles acreditam que foi lá que o príncipe Siddharta Gautama, fundador da doutrina, recebeu a iluminação, tornando-se o primeiro Buda. O episódio teria ocorrido sob a Bodhi, enorme árvore sagrada que pode ser visitada no Templo Mahabodhi. Milhares de pessoas se reúnem anualmente no local para meditar e praticar a circumambulação, um tipo de meditação com movimentos circulares. E é ali que monges de toda a Ásia se juntam a cada ano para fortalecer a religião.

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Ao chegar, me espantei com como a pobreza pode ir muito além do que somos capazes de imaginar. As ruas não são asfaltadas, mas de terra batida, e as casas, feitas com pedaços de madeira. A iluminação é escassa, pois há poucos postes nas ruas. A população é miserável. Existem na cidade poucos hotéis. No que me hospedei, a diária custava apenas 20 dólares. O chuveiro era um cano enferrujado que saía da parede e tudo tinha aspecto de sujo. Sou tão neurótica com limpeza que levei até daqui do Brasil uma mala de produtos para isso. Passei algumas horas arrumando o quarto: forrei o armário com jornal e comprei panos para pendurar nas paredes. Fui até um alfaiate e o ensinei a fazer lençóis com elásticos para minha cama.

No primeiro dia de trabalho, acordei às 3 da madrugada. Segui a pé os 10 quilômetros até o galpão em que os monges ficavam abrigados. Em alguns dias, conseguia pegar um riquixá, veículo popular no país, que parece uma bicicleta de três rodas. Eu usava touca e uma bata branca fechada até o pescoço, pois a pele não pode ser vista durante o trabalho. Ajudava a preparar e servir o café da manhã dos 300 monges que comiam lá. Não podíamos falar com eles ou tocá-los. Eu ia até a mesa, me ajoelhava e ele indicava onde deveria colocar o prato. Aprendi a carregar um monte de bandejas ao mesmo tempo sem derrubar nada. Era muito cansativo, mas, em dois dias, eu sabia que tinha feito a escolha certa. Estava feliz.

Terminada essa refeição, podia ir ao templo para meditar. Às 11, voltava para o almoço dos monges. Depois, íamos até um campo de futebol onde mendigos aguardavam os pratos de comida que levávamos. Eram centenas. Ao fim dos trabalhos da manhã, estava liberada para voltar a meditar e entoar cânticos. No meu caminho, reparei que havia escolas muito pobres. Pedi ajuda a funcionários do templo para trabalhar com aqueles alunos e, assim, comecei a dar aulas de inglês e de higiene às crianças. Elas nunca tinham visto uma negra nem imaginavam onde era o Brasil. Foi uma troca cultural rica, tudo era novidade para nós. Meu dia acabava às 7 da noite, quando já estava exausta de sono.

MEDITAÇÃO

Não gostava muito da comida dos templos. Encontrei uma refugiada do Tibete que fazia pratos simples, com influências da culinária da região dela. Com um ambiente limpo e agradável, o restaurante se chamava Tibet Om Café, e eu brincava me referindo a ele como “o tacho do Tibete”. Ia lá uma vez por dia. Fora isso, me alimentava com barras de cereais que levei daqui. Uma coisa muito interessante da minha estada em Bodh Gaya foi poder entrar na casa das pessoas, conhecer a rotina delas, conversar, descobrir o que pensam. É uma realidade tão distante da nossa… Todos foram bem simpáticos comigo.

Mahabodhi é um belíssimo templo, visitado por 20 mil pessoas em altas temporadas. É um prédio grande, com arquitetura cheia de detalhes, objetos banhados a ouro, estátuas delicadas. É tudo aquilo que a gente espera de um templo, corresponde exatamente ao que está na imaginação das pessoas. Lembro de ver um grupo de senhoras com idade avançada que ficavam ali o dia todo repetindo a posição da ioga de saudação ao sol. Elas tinham muito vigor e uma devoção forte. É tradição as pessoas passarem também a noite no templo meditando. Quando fecha, você só pode mesmo sair na manhã seguinte. Então, é uma decisão difícil ficar ou não. Eu já estava na Índia havia mais de uma semana quando resolvi tentar. Em casa, no meu cotidiano normal, não é possível me dedicar à meditação, tudo vira distração. Naquela noite, consegui várias vezes entrar em estado meditativo. Estava renovada no dia seguinte. A experiência significou um crescimento pessoal e espiritual.

BOM AGOURO

Na viagem, aconteceu um momento definitivo na minha vida – e que eu considero responsável pela maior transformação pessoal pela qual eu já passei. Estava sentada sob a árvore da iluminação, meditando, quando caiu na minha mão uma casca dela e, depois, uma folha. Há uma crença que, se uma folha da Bodhi cair perto de você, será possível realizar tudo aquilo que deseja. Mas é raro isso acontecer, porque lá não venta e essa árvore tem uma grade de proteção. Então, as poucas que caem costumam ficar atrás dessa barreira. Algumas pessoas passam dias meditando no local, à espera desse evento. No meu primeiro dia, aconteceu comigo! Tive uma crise de choro. Senti como um sinal muito forte para mim. Hoje eu percebo que foi ali que dei o primeiro passo do caminho para adotar minhas filhas. Até então, nunca tinha pensado em ser mãe. Mas, meses depois, encontraria minhas gêmeas.

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Na cidade, há dois templos menores e mais simples, mas igualmente bonitos. O Royal Bhutan e o Thai Temple não são suntuosos, mas são mais coloridos e têm imagens de Buda cujas expressões nos tocam e impressionam. São frequentados pelos fiéis das cidades próximas. Recomendo pegar um riquixá, porque a caminhada pode ser bastante cansativa.
Voltei de Bodh Gaya inspirada. Fiz depois trabalho voluntário com crianças em mais algumas cidades da África e até na Bahia, onde adotei as meninas. Ainda quero voltar e repetir a experiência. Era uma rotina dura, mas eu me sentia realizada e feliz o tempo todo. Talvez porque eu tivesse embarcado sem grandes expectativas. Quando você coloca expectativa demais em qualquer coisa, parece que a satisfação nunca é plena. Aquela viagem mudou completamente a minha vida.
 

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