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A Flip das Mulheres põe Paraty aos pés da poeta Ana Cristina Cesar

Livros, documentário, exposição de fotos, cartas e manuscritos revelam, na Festa Literária, a nossa mais importante escritora marginal

Por Patrícia Zaidan Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 10 dez 2020, 11h52 - Publicado em 1 jul 2016, 15h23
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Poderia falar de cor um trecho sensual da francesa Anaïs Nin, outro da poeta portuguesa Florbela Espanca, mas quase nada diria sobre Ana Cristina Cruz Cesar. Pouco sabia sobre ela, sua obra e sua vida tão próxima de nós. A carioca, a quem a Festa Literária de Paraty rende os maiores tributos, é ícone da geração mimeógrafo, nome forte do movimento poesia marginal, do mesmo time e grandeza de Paulo Leminski. O que eu conhecia era a morte trágica em 1983, aos 31 anos, sua amizade com meu colega de trabalho Caio Fernando Abreu e esta maravilha:

“Enquanto leio meus seios estão a descoberto. É difícil concentrar-me ao ver seus bicos. Então rabisco as folhas deste álbum. Poética quebrada pelo meio.

Enquanto leio meus textos se fazem descobertos. E difícil escondê-los no meio dessas letras. Então me nutro das tetas dos poetas pensados no meu seio.”

Dediquei os últimos dias a ler e descobrir Ana C. – como ela assinava. E me apaixonei. Não fosse a Flip, seu nome talvez permanecesse apenas entre os aficionados da poesia. Ótimo, Paraty nos coloca aos pés de Ana C.. Este ano, a festa virou a Flip das Mulheres porque, inspirada na Primavera Feminista, resolveu colocar um facho reluzente sobre escritoras, incluindo o Prêmio Nobel de Literatura 2015, a bielorrussa Svetlana Alexiévich.

Sem essa de mulherzinha

Pelo que li, Ana C. detestava o rótulo “literatura de mulheres”. Estava certa. Existe texto ruim e texto bom. De homem ou de mulher. Correndo os olhos sobre sua obra – prosa, poesia, ensaios combativos, críticas, desenhos, pitacos sobre tudo – fico imaginando: se ela vivesse hoje, estaria “divando” nas redes, engajando milhares de seguidores e seria uma “lacradora”. Sua escrita diz muito em poucos caracteres, materializa cenas cotidianas num vapt-vupt, tem humor, ironia, mistério, faz pensar, provoca envolvimento e – o melhor de tudo – se arrisca (dica: se você estiver em Paraty, vá até a Rua do Comércio, na Casa do Instituto Moreira Salles, e veja a exposição sobre a arte dela em fotos – a estética contemporânea do corpo magro e nu –, os manuscritos, esboços, rabiscos, letra caprichada e tímida, cartas, confissões, o que ela chamava de “cadernos terapêuticos” e um documentário).

Ana C. não figuraria nos anos 1970, somente, e seu pensamento dariam sequência ao documento “Literatura Marginal e Comportamento Desviante”, proposto por ela em 1979. O mundo já leria Ana C. e o grande romance que ela começou a rascunhar perto dos 30 anos. Teria 64 (uma linda sessentona inquieta) e partilharia o discurso das feministas da rua.

Com acesso à farmacologia high tech de hoje, talvez não tivesse se jogado, durante um quadro de depressão, do sétimo andar do apartamento em que vivia na rua Tonelero. Sim, a mesma e famosa rua de Copacabana, onde o atentado contra o jornalista Carlos Lacerda precipitou a derrocada de Getúlio Vargas, que se matou no exercício da presidência da República em 1954, quando Ana C. completava 2 anos.

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Vida longa, breve tempo
A jornalista, tradutora, crítica, mestre em comunicação, titulada máster em uma universidade inglesa ousou deprimir-se – dizem – por amor. Desde pequena enxergou-se escritora. Aos 2 anos, enquanto pulava no sofá, ditava histórias para a mãe anotar. Compôs sua memória de poeta aos 10. Nem tinha feito 15, é já escrevia com qualidade, atestada por quem a estudou, depois.

Ela assinou leituras críticas de Fernando Pessoa e Clarice Lispector. Imprimiu centenas de coisas num mimeógrafo a álcool, muito comum nos centros acadêmicos das universidades, e, finalmente publicou em 1982 A Teus Pés. O primeiro e único livro de poemas que Ana C. lançou em vida foi logo considerado uma obra-prima. Também andou pela Rede Globo, entre gente como Dias Gomes e outros roteiristas de novela, lidando com temas que ocupariam o horário nobre.

Divulgação Divulgação

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No mês passado, A Teus Pés ressurgiu em nova edição pela Companhia das Letras. Nestes dias de Flip, saiu Crítica e Tradução e se somou ao livro Poética (2013), pela mesma editora. Poética é o agrupamento do principal da lavra e inéditos descobertos pela família nos guardados dela. Embora cartas (alguns dizem isso), como as recebidas de Caio Fernando Abreu e outros jorros íntimos de Ana C. ainda permaneçam retidos com os parentes.

Falando em família: descobri que a arretada Gabriela Leite foi casada com o irmão da Ana. O jornalista Flavio Lenz, marido e assessor de Gabriela até a morte dela em 2013, mantém-se um intransigente defensor da causa abraçada pela prostituta que estudou na USP e se tornou a maior ativista brasileira pelos direitos das profissionais do sexo. Gabriela fundou a Ong Davida e a grife Daspu.

Por último, registro que a escritora carioca se entrincheirou com o Brasil que queria derrotar a ditadura militar, no fim dos anos 1970/começo dos 1980.

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A vida repleta de Ana C. é, definitivamente, uma página importante da literatura nacional. Que bom: a Flip – que vinha homenageando os top de linha Machado de Assis, Mario de Andrade, Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Nelson Rodrigues – abriu espaço para uma marginal que agora se torna mais conhecida e mais amada.

Veja esta poesia que Ana C. declama e você vai amá-la também

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