“O sistema eleitoral do Brasil tem uma estrutura sexista”
A primeira entrevistada a enriquecer o nosso debate é Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres no Brasil. Confira abaixo:
Para discutir as recentes mudanças no eixo governamental com relação aos direitos femininos e representatividade política, CLAUDIA procurou mulheres que participam ativamente da democracia, são formadoras de opinião e militam pelas questões de gênero.
Estruturamos o debate com base em quatro questões padrões e as mesmas perguntas foram levadas a diversas especialistas escolhidas a dedo. Como resultado, lançamos a série Mulheres na Política, que reúne todos esses pontos de vista.
A primeira entrevista dessa sequência é com Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres no Brasil. Leia abaixo, na íntegra:
1. O ranking “Abismo de Gênero”, divulgado pelo Fórum Econômico Mundial em 2014, apontou, em seu último relatório, que o Brasil caiu 9 posições no ranking em relação ao ano anterior e ocupa a 71ª colocação na lista. Ficamos atrás de países como Nicarágua, Ruanda, Moçambique e Cuba. Quais são, na sua opinião, os avanços que as mulheres alcançaram no governo anterior? E os retrocessos?
Nadine Gasman: O ranking é importante para que sejam enfrentados os obstáculos que impedem e reduzem a participação das mulheres na política. As mulheres são 52% da população e apenas 10% das representantes no parlamento brasileira. Essa é uma realidade que precisa ser alterada, assim como a queda na igualdade salarial e renda média das mulheres brasileiras, levando o país da 74ª para a 81ª posição. O mundo está discutindo a paridade de gênero entre mulheres e homens como uma estratégia para eliminar obstáculos sexistas que impedem as mulheres de viver com igualdade. O Brasil vem fazendo um trabalho inovador na gestão de políticas públicas e isso não pode parar. Aliás, deve acelerar com o objetivo de fechar as brechas que ainda permitem a oscilação verificada nos dados. O governo da presidenta Dilma Rousseff consolidou a centralidade nas mulheres nas políticas e em programas sociais, incidindo sobre desigualdades de gênero e raça. Nos últimos 30 anos, o mercado de trabalho no Brasil se ampliou para as mulheres: de 26% para 44% do total de ocupados no país. Com as políticas sociais implementadas após 2003, a pobreza também retoma trajetória de declínio, reduzida a 2,5% da população, em 2014. Em 1992 o percentual de famílias negras nesta condição era de 30%; em 2002 de cerca de 15% e em 2014, este percentual foi reduzido a 1,3% das famílias negras, indicando um avanço importante que alcançou a redução da desigualdade também para este grupo. Essa experiência positiva de gestão pública brasileira precisa ser ampliada e inspirar respostas semelhantes em estados e municípios por meio da afirmação dos direitos das mulheres, população negra e povos indígenas. As gestões da presidenta Dilma enfrentaram uma onda política conservadora muito forte que impediram avanços na educação com perspectiva de gênero, a exemplo do Plano Nacional de Educação, e colocaram em xeque a saúde sexual das mulheres. A política de desenvolvimento econômico e social deve estar norteada pela redução das desigualdades, pois os dados têm mostrado que somente respostas mais completas têm garantido mais sustentabilidade aos direitos sociais.
2. O primeiro anúncio da alta cúpula de Temer não tinha mulheres. No entanto, sob fortes críticas, ele se apressou em fazer contratações de peso, como Maria Sílvia Bastos Marques, para presidir o BNDES, e Flávia Piovesan, para a Secretaria de Direitos Humanos. Esse é um bom sinal ou apenas um remendo frouxo?
NG: A paridade de gênero implica a inclusão das mulheres e as condições de trabalho para que elas desempenhem livremente o papel de formuladoras, negociadoras e executoras de políticas públicas e na administração pública. Outra questão fundamental é a perspectiva de gênero na gestão pública, a qual deve ser incorporada no trabalho de mulheres e homens. As mulheres são mais da metade da população brasileira e o que se espera que elas estejam nas arenas de poder, fazendo parte do sistema diretivo de todas as esferas governamentais e institucionais.
3. O Brasil tem apenas 9% de mulheres em cargos legislativos. O sistema de cotas seria a solução para chegar à paridade?
NG: Da Constituinte para cá, foram reservadas cotas para mulheres na política e assegurado o preenchimento de vagas para mulheres nas candidaturas. Apesar desses dois esforços serem importantes, a estrutura sexista do sistema eleitoral do Brasil não foi desmontada. Na prática, isso quer dizer que os vícios do sistema eleitoral brasileiro são estruturais, e as soluções encontradas não conseguiram vencer a dinâmica sexista que mantém os homens na centralidade do poder e as mulheres à margem deles. Ou seja, além das questões inerentes a cada partido político, as mulheres se deparam com situações comuns a exemplo do tempo de envolvimento com a política tradicional, recursos para viabilizar suas candidaturas, tempo de exposição em rádio e TV, base eleitoral e ocupação de postos de decisão nos partidos. Nesse sentido, a reforma política é uma proposta que pode ser mais propícia para o empoderamento político das mulheres. Contudo, há debates importantes que precisam compor esse quadro de mudança, a exemplo da democracia paritária e da violência política contra as mulheres. Ambas são questões que estão em discussão na América Latina e Caribe e precisam fazer parte dos grandes temas para a agenda política no Brasil.
4. Dilma Rousseff alegou, em seu discurso no “Encontro com Mulheres em Defesa da Democracia” que “O fato de ser mulher teve influência na abertura do meu processo de impeachment.” Você concorda que o sexismo influenciou nas decisões do Congresso e do Senado?
NG: O sexismo tem sido uma prática constante na trajetória das mulheres. E isso também se reflete nas esferas de poder e no momento em que as mulheres entram na política e desempenham funções públicas. A ONU Mulheres reconheceu práticas sexistas na crise política no Brasil e fez o alerta público de que os debates não poderiam seguir pela via de ataques sexistas contra a presidenta Dilma Rousseff. A Agenda de Desenvolvimento Sustentável da ONU traz o desafio global de promoção da igualdade de gênero em 2030. No âmbito da ONU Mulheres, a iniciativa “Por um planeta 50-50 em 2030: um passo decisivo pela igualdade de gênero” conquistou a adesão de mais de 90 países. Um dos grandes desafios é assegurar o empoderamento polítco das mulheres como um dos marcos da democracia paritária.