Saber quem produz sua roupa transforma a forma como você se veste
Entender de onde vem a matéria-prima e a qualidade do trabalho das lojas garante uma cadeia de produção mais ética
Você já olhou para o seu guarda-roupa e se perguntou por quantas mãos se passaram aquela peça que você estava prestes a vestir? É preciso lembrar que a moda não se basta pela combinação de tons ou a escolha de um bom caimento – ela é feita de histórias, desafios, saberes e territórios.
Há marcas que já entenderam isso. A Riachuelo, por exemplo, fundou em 2021 seu primeiro instituto. Localizado no Rio Grande do Norte, berço da rede, o projeto nasceu para impulsionar o desenvolvimento social e econômico no estado, principalmente no sertão.
Os esforços vão para iniciativas como capacitação profissional, fortalecimento da cadeia produtiva local, economia circular, valorização do artesanato regional e geração de empregos – com impacto direto sobre milhares de pessoas que vivem em regiões historicamente vulneráveis.
Roupa sustentável
Em 2022, o Instituto se destacou pelo Agro-Sertão – que apoia o cultivo de algodão agroecológico, desenvolvendo uma relação com quem o planta. Além de comprarem toda a produção, eles proporcionam aulas técnicas junto à Embrapa e ao Sebrae. Tudo é feito sem agrotóxicos e a partir de técnicas de rotação que não empobrecem o solo.
Após a colheita, todas as partes da planta são aproveitadas. “Parte da semente volta para o agricultor e pode ser usada como alimento para os animais. A outra parte é replantada. A pluma é usada na fabricação dos tecidos e o óleo da semente pode virar amaciante natural”, explica Renata Fonseca, gestora da instituição.
“As folhas, as raízes e as flores são usadas de forma medicinal”, completa Maria Azevedo, que cuida da propriedade do seu sogro, em Cruzeta. A agricultora também planta alimentos de subsistência, garantindo o sustento da família.
Ela lembra que, no passado, eles já foram especialistas no assunto, até que, em 1980, a praga do bicudo-do-algodoeiro devastou a terra. Agora, seu sonho é incentivar outras mulheres a se profissionalizarem: “Antes, só os homens estavam na linha de frente e eram reconhecidos. Hoje, elas podem contribuir e garantir o próprio dinheiro.”
Adornos com propósito
No Timbaúba dos Batistas, uma cidade pequena no Seridó potiguar, vive um grupo de bordadeiras que, desde 1984, se organiza em associações e cooperativas para garantir a visibilidade do ofício. A técnica tradicional – que envolve agulhas, tecidos, linhas e máquinas de pedal – é preservada com orgulho: cada ponto carrega uma história familiar e o saber da comunidade.
Seus feitos ganharam visibilidade nacional em 2024, quando desenvolveram as jaquetas jeans criadas para as Olimpíadas de Paris, um projeto que gerou renda de R$ 350 mil. “O marketing entrou em contato comigo porque queriam levar algo bem brasileiro para o uniforme. Indiquei elas logo de cara, tinha que dar certo porque virou uma conexão pessoal”, conta Renata. Ao todo, 80 mulheres participaram dessa maratona – que ficou em segredo até a entrada dos atletas na Cerimônia de Abertura.
No começo, Jailma Araújo, coordenadora de Desenvolvimento Econômico e Artesanato do Município e presidente da Cooperativa das Mãos Artesanais de Timbaúba dos Batistas, ficou com medo. Depois, entendeu que não poderia perder essa oportunidade. “O processo foi complexo porque os desenhos tinham muitos detalhes, cores e expressões. Tudo era muito novo, precisei olhar de perto um por um. No fim, foi uma realização para todas nós.”
Foram delas os bordados que ornamentaram roupas usadas pela primeira-dama, Janja, durante a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, bem como seu vestido de noiva. Em 2025, co-criaram mais de 4 mil peças da Riachuelo para a coleção Ceramiquinho, onde os desenhos do artista recifense Guilherme Lira ganharam ainda mais vida. Neste mês, tiveram participação na collab recém-lançada da marca com a estilista Helô Rocha.
Responsabilidade ética
Da próxima vez que você escolher onde comprar, tenha em mente que são as escolhas éticas que moldam o que colocamos no corpo. São elas que fazem a roupa ganhar densidade, deixando de ser só tendência para se tornar narrativa.
Olhe as etiquetas com mais atenção, questione processos, valorize iniciativas locais e, acima de tudo, apoie quem trabalha de forma justa. Sem perceber, isso muda seu estilo: ele fica mais consciente, mais afetivo, mais alinhado com aquilo em que você acredita. No fim, saber quem produz sua roupa não transforma apenas o guarda-roupa. Transforma você.
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