Chefs resgatam a culinária caipira em São Paulo
Receitas do interior ganham espaço em menus contemporâneos com ingredientes nativos e técnicas refinadas

Por muito tempo associada à simplicidade da roça e à comida caseira servida em fogões a lenha, a culinária caipira ganha, agora, novos contornos na cena gastronômica de São Paulo. Restaurantes e chefs têm voltado os olhos para as tradições do interior paulista, reinterpretando receitas, resgatando ingredientes esquecidos e estabelecendo pontes entre técnica e memória.
Em um movimento que valoriza território, cultura e sustentabilidade, a cozinha caipira começa a ocupar espaço de destaque nos menus da capital — e a conquistar o paladar de um público em busca de autenticidade.
Um dos nomes à frente desse resgate é o chef Raul Vieira, do restaurante Terraço Jardins, que pertence ao Renaissance Hotel. Desde abril deste ano, ele conduz uma reinterpretação profunda da culinária paulista, com foco especial nas tradições caipira e caiçara. O novo cardápio tem como ponto de partida uma pesquisa extensa sobre ingredientes nativos da Mata Atlântica e práticas ancestrais do interior do estado.

“Queríamos contar histórias através da comida, resgatar memórias afetivas e criar pratos que representassem a diversidade e a riqueza do nosso território”
Raul Vieira, chef do Terraço Jardins
“A culinária caipira é um dos pilares do Terraço Jardins. Sempre buscamos oferecer uma experiência autêntica da gastronomia paulista, e isso passa por valorizar as raízes do nosso estado, especialmente as culturas caipira e caiçara”, diz o chef, que sempre foi um apaixonado por pesca e pela cultura caiçara.
Mergulho nas tradições
Raul explica que, ao pensar um novo cardápio para a casa, foi naturalmente direcionado a fazer um mergulho nessas tradições: “Fizemos uma pesquisa profunda sobre ingredientes nativos da Mata Atlântica e, principalmente, buscamos valorizar os pequenos produtores do Estado de São Paulo. Queríamos contar histórias através da comida, resgatar memórias afetivas e criar pratos que representassem a diversidade e a riqueza do nosso território”.
Mais do que reproduzir receitas, o chef buscou compreender o território: visitou cidades do interior, conversou com produtores locais, pescadores e artesãos, e envolveu toda a equipe do restaurante nesse processo.
“Foi um processo vivo, profundo e colaborativo. Nosso ponto de partida foi uma verdadeira imersão cultural, não queríamos apenas reproduzir receitas típicas, mas compreender o território, os ingredientes e, principalmente, as pessoas por trás de cada tradição”, relata. Para isso, toda a equipe do restaurante foi envolvida no processo, do fornecedor ao garçom: “Acreditamos que o prato não começa na cozinha. Ele começa no campo e no mar, na conversa com quem pesca, planta, colhe e transforma”.

Entre os destaques do novo cardápio está o Tartar de Picanha Curada, inspirado na prática tropeira de conservar carnes com sal durante longas viagens. “Curamos a picanha por 24 horas com sal grosso e ervas frescas, e servimos com cebola roxa, picles de pepino, mostarda fermentada no mel de jataí, abelha nativa brasileira e beldroega, uma PANC típica da nossa região. Finalizamos com crocante de polvilho, que remete ao clássico biscoito brasileiro.”
Outro prato emblemático é o Galeto Confitado com Cuscuz Caipira, que faz referência ao cuscuz paulista, um patrimônio de São Paulo. Na casa, ele é feito com vegetais orgânicos da Fazenda Santa Adelaide e farinha de milho de uma das últimas fecularias artesanais de São Paulo, em Lindóia. Já o galeto é confitado lentamente em banha de porco, servido com quiabo tostado, uma alusão ao tradicional frango com quiabo e glace de frango feita com carcaças, vinho e vegetais. “É um prato que fala da nossa história, da nossa terra e da nossa gente.”

“É uma cozinha de partilha, de memória, que se conecta com a natureza e com as tradições familiares”
Raul Vieira, chef do Terraço Jardins
Entre os principais, está a Burrata de búfala, arroz de tomate e rúcula selvagem, inspiração de uma das maiores influências gastronômicas da cidade, a italiana, feita 100% com leite de Búfala pela queijaria Búfala Almeida Prado, de Bocaina (SP). Outra opção é a Lula grelhada com mini arroz de tinta de lula e coalhada de ovelha, abundante no litoral de São Paulo, o prato respeita o uso integral do ingrediente, finalizado com coalhada de ovelha da queijaria RIMA, de Porto Feliz (SP).
Cozinha de partilha
Para Raul, a definição da culinária caipira passa por valores que vão além da técnica. Ele defende que essa cozinha é feita de simplicidade, mas também de profundidade. “Ela nasce do fogão a lenha, do uso integral dos ingredientes, do respeito ao tempo, à terra e às pessoas. É uma cozinha de partilha, de memória, que se conecta com a natureza e com as tradições familiares.”
Esse movimento não está restrito ao Terraço Jardins. Restaurantes como A Casa do Porco, de Jefferson Rueda e Janaína Torres, e eventos como o festival Sabores da Terra reforçam a valorização das cozinhas regionais paulistas, que por muito tempo ficaram à margem da alta gastronomia.
A retomada dessa tradição também passa por uma valorização de saberes populares, ingredientes esquecidos e modos de preparo ancestrais. Ao mesmo tempo em que respondem à demanda contemporânea por sustentabilidade e conexão com o território, essas cozinhas revelam uma identidade gastronômica paulista que por muito tempo permaneceu invisível, ofuscada pela internacionalização dos menus.
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