“Meu tio me estuprou e fez o mesmo com a filha dele. Ninguém falou nada”
A leitora Janete* foi estuprada pelo tio e pelo primo. Hoje, ela ainda encara algumas consequências dos abusos, como a compulsão alimentar
“Fui abusada pelo meu tio e pelo meu primo. Quando eu era criança, ficava na casa da minha avó enquanto minha mãe trabalhava. Meu tio morava lá. Meu primo morava na minha casa.
Eu nunca falei com ninguém sobre esse caso, mas ler outros iguais aos meus me encorajaram. Não lembro exatamente quando começou, eu era muito pequena. Meu tio veio antes e meu primo depois. Eu tinha 7 anos quando meu primo começou a abusar de mim. Isso durou até os 9, quando ele foi embora de casa.
Eu contei para minha mãe sobre meu primo uma vez, só que ela achou que era mentira porque não contei na hora. Só hoje entendo como foi grave o que aconteceu comigo. Tento levar a vida de maneira leve e ser feliz. Quero fazer terapia para ajudar com algumas questões que acho que podem ser provenientes desse abuso. Eu tenho compulsão alimentar e chupo o dedo, como uma criança. Eu lembro que chupava o dedo quando era abusada, me acalmava. E chorava muito pela culpa do que eu sentia. Tinha nojo de mim mesma.
Meu tio e meu primo eram, assim como todos da minha família, da igreja. Eles tinham cargos lá, pregavam. Hoje em dia eu não vou mais. Meu primo se casou e foi embora. Até alguns anos atrás, eu o cumprimentava se nos encontrássemos. Hoje eu o ignoro totalmente. Demorei para entender a culpa que ele tem.
Meu tio tem seis filhos. Ele abusou da primeira e a esposa descobriu e se separou dele, mas reatou depois. Quando a menina fez 15 anos, saiu de casa. Na minha casa, meu pai e meus irmãos nunca souberam de nada, mas não tenho mágoa deles não terem percebido. É estranho, mas me sinto grata por eles nunca terem feito nada comigo, me dado nada além de carinho. Acho que se eles descobrissem hoje, ficariam arrasados.
Sei que sou uma mulher bonita e gosto do meu corpo hoje. Sou casada com um homem maravilhoso com quem me relaciono há 20 anos. Foi meu primeiro namorado. Nunca falei nada para ele. Tenho uma menina de 12 anos e um menino de 2. Tenho muito medo pela minha filha. As pessoas acham estranho, ficam incomodadas porque eu nunca deixo ela dormir fora de casa e tenho pavor que esse meu tio fale com ela. Raramente nos encontramos com ele, mas se acontece eu digo para ela não falar com ele.
Minha intenção com esse relato é poder encorajar outras mulheres a se abrirem sobre esse trauma e, se julgarem necessário, procurar ajuda para ter paz na alma. Esquecer não dá, mas é possível curar certas sequelas. Agradeço pelo acolhimento, essa característica tão feminina.”
A partir de agora, CLAUDIA mantém esse canal aberto e oferece acolhimento para quem quiser libertar as palavras e as dores que elas carregam. Fale com CLAUDIA em falecomclaudia@abril.com.br.
*Nome trocado a pedido da personagem