Conheça Wallis Simpson: sem ela, William e Harry não seriam príncipes
Pela norte-americana, rei Edward VIII abdicou do trono britânico, o que mudou totalmente os rumos da realeza
Se tem uma instituição cheia de protocolos e peculiaridades, esta é a realeza britânica. Mas, por mais antiquadas que pareçam algumas de suas tradições, muita coisa mudou nos últimos tempos, sob o comando da rainha Elizabeth II. Desde 2002, por exemplo, ser homem não dá mais preferência na linha de sucessão ao trono – a primeira beneficiada disso é princesa Charlotte, filha do príncipe William e da duquesa Kate, que não precisará ceder seu lugar na fila ao irmão nascido nesta semana.
Outra mudança importante é a aceitação do casamento de membros da realeza com plebeias e plebeus divorciados e o fato de que, se eles chegarem ao trono, suas esposas ou seus maridos serão rainha ou rei consorte. Se um dia o príncipe Harry chegar a ser rei – o que é muito improvável, já que à frente dele estão o pai (Charles), o irmão (William) e os três sobrinhos (filhos de William e Kate) –, não haverá nenhuma restrição para que Meghan Markle seja chamada de Sua Alteza Real, mesmo ela sendo plebeia e divorciada.
No começo do século passado a situação era muito diferente, e o relacionamento do rei Edward VIII com uma plebeia americana divorciada duas vezes o forçou a abdicar do trono britânico após menos de um ano de sua coroação. Seu reinado durou de 20 de janeiro a 11 de dezembro de 1936. Esta plebeia era Wallis Simpson, nascida Bassie Wallis Warfield e que depois ganhou o título de Duquesa de Windsor, mas nunca o tratamento de Sua Alteza Real.
O grande problema naquela época era a Igreja Anglicana, da qual o rei ou a rainha do Reino Unido é chefe, não reconhecer o casamento de fiéis divorciados cujos exs ainda estivessem vivos – caso de Wallis. Constitucionalmente, era exigido que o rei vivesse de acordo com as regras da Igreja.
Com esse impasse nas mãos e depois de tentar em vão encontrar uma solução com a ajuda do então primeiro-ministro, Stanley Baldwin, Edward decidiu abandonar o trono e deixá-lo para o irmão, George VI, pai de Elizabeth II. Ele e Wallis se casaram em 3 de junho de 1937 e ficaram juntos até ele morrer, em 1972.
Vale a pena conhecer a história dessa mulher que não ligava para protocolos e mudou os rumos da realeza britânica.
Origem meio aristocrática, meio pobre
Wallis era de uma das famílias da Pensilvânia (EUA) que gostavam de se vangloriar de serem descendentes de William, o Conquistador, rei da Inglaterra entre 1066 e 1087. A linhagem supostamente nobre, porém, não foi suficiente para que ela e sua mãe tivessem boa condição financeira depois que o pai dela morreu, quando ela tinha meses de vida. As duas viveram com muita simplicidade e dependeram de favores de parentes mais abastados durante anos.
Mas a veia aristocrática estava presente nelas, e Wallis a usou desde a adolescência para circular entre pessoas influentes. Muito inteligente, engraçada e envolvente, não demorou para que um homem rico se apaixonasse por ela: seu primeiro casamento, aos 20 anos, foi com Earl Winfield Spencer Jr., um aviador da Marinha dos EUA. Entre idas e vindas, eles ficaram juntos por 11 anos.
O casamento acabou mal: Spencer era alcoólatra e Wallis não se sentia bem ao seu lado. Quando o divórcio saiu, em dezembro de 1927, ela já estava envolvida com o executivo de transportes anglo-americano Ernest Aldrich Simpson. Eles se casaram em 21 de julho de 1928, em Londres.
Edward VIII entra na história
Tudo ia bem entre Wallis e Ernest, mesmo ela tendo perdido todos seus investimentos pessoais na Quebra da Bolsa de Nova York em 1929. Ela gostava de ter uma reserva financeira só sua, para não depender exclusivamente de nenhum homem.
Foi em 1931, durante uma das muitas festas que o casal dava em sua casa, que tudo começou a mudar. Thelma Furness, amiga de Wallis, foi a uma dessas reuniões com ninguém menos que o então príncipe Edward, primeiro na linha de sucessão ao trono britânico. Thelma e Edward eram amantes – a namorada oficial do príncipe era a herdeira têxtil Freda Dudley Ward –, e festas opulentas daquele tipo eram disfarces perfeitos para seus encontros. Até 1934, os dois frequentaram muito a casa dos Simpsons dessa forma.
Aí sabe como é, né… Conversa um pouco aqui, conhece um pouco melhor ali e, em 1934, Edward e Wallis começaram a ter um caso. Não foi à toa: quem conviveu com ela sempre garantiu que ela era uma mulher fascinante, que iluminava o ambiente só com sua personalidade. De acordo com seus biógrafos, ela sabia levar os assuntos certos com qualquer pessoa, fosse um diplomata ou uma copeira.
Em 1935, mesmo com ela ainda casada, Edward e Wallis começaram a aparecer juntos publicamente. Passaram férias viajando pela Europa e começaram a ir a festas como um casal. Ernest, o marido de Wallis, também estava tendo um caso com outra mulher, mas não queria conceder o divórcio.
Fuga do Reino Unido para escapar da imprensa
No meio disso tudo, o pai de Edward, rei George V, morreu em 20 de janeiro de 1936. Ele assumiu o trono como Edward VIII; ela estava tentando o divórcio. Em outubro daquele ano, ela conseguiu finalmente iniciar o processo de divórcio e Edward começou a buscar soluções para eles ficarem legalmente juntos. Como adiantamos ali em cima, não conseguiu e abdicou do título de rei ao perceber que não havia outra saída.
É claro que a abdicação foi um escândalo no Reino Unido. Wallis começou a ser perseguida pelos fotógrafos de tablóides, que já eram ferozes naquela época, e precisou fugir para a casa de amigos na França para ter paz.
Para piorar a situação, seu divórcio era litigioso e ainda estava em andamento. Então Ernest decidiu fazer o magoado e dificultar a vida da ex-mulher, incluindo cláusulas de discrição de processo. Por causa delas, Wallis e Edward não puderam se encontrar até a papelada ser finalmente assinada. Apenas no dia 4 de maio de 1937 o casal pôde se reencontrar e viver sua história de amor.
O casamento com Edward e o título de duquesa pela metade
Edward e Wallis não esperaram nem um mês para se casarem. No dia 3 de junho de 1937, tornaram-se marido e mulher na França. Este seria o 72º aniversário do falecido pai de Edward, e a família real considerou uma afronta a cerimônia ser nesta data; nenhum dos Windsors foi ao casamento.
Mesmo com toda a animosidade, o agora rei George VI, irmão de Edward, decidiu conceder-lhe novamente um título de nobreza e nomeou-o Duque de Windsor, Sua Alteza Real. Mas ele não era um fofo, não: embora tenha estendido o título de duquesa a Wallis, não permitiu que ela fosse chamada de Sua Alteza Real. Pode parecer uma bobagem, mas para quem é da nobreza isso é super ofensivo, e Wallis ficou furiosa com esse insulto até o fim de sua vida.
A vida pós-escândalo de Wallis e Edward
Nos anos seguintes, Wallis e Edward viveram intensamente. Durante a Segunda Guerra Mundial, entre 1939 e 1945, moraram na França, na Espanha, em Portugal e nas Bahamas, sempre devido aos trabalhos dele no Exército Britânico. Boatos dão conta de que ela teria repassado informações militares aos inimigos, por causa da raiva que sentia por ter sido rejeitada pela família real, mas nunca foram confirmados oficialmente.
Acabada a guerra, Edward se aposentou nas Forças Armadas e o casal escolheu a França como residência. A vida era de fartura, mas com um sentimentozinho de exílio.
Quando George VI morreu, em 1952, Edward foi sozinho ao funeral; Wallis se recusou a fingir ter sentimentos pela família que a havia maltratado. Ele também foi sozinho à cerimônia de coroação de sua sobrinha, Elizabeth II, em 6 de fevereiro daquele ano.
E foi justamente Elizabeth II que ergueu uma bandeirinha branca pedindo paz para a família, muitos anos depois. Edward precisou ir ao Reino Unido em 1965 para operar um descolamento de retina e a rainha decidiu visitá-lo de surpresa. O mal-estar de tantas décadas começou a se desfazer. Elizabeth II passou a convidá-los para todas as cerimônias da realeza e eles aceitaram todos os convites. UFA, acabou o climão!
Edward morreu em 28 de maio de 1972, na França, e Wallis viveu meio reclusa depois disso. Já não ia mais a tantas festas e repetia para as pessoas que “ninguém sabe o fardo que é viver o grande amor”. Ela morreu em 24 de abril de 1986, no mesmo lugar que o marido. Os dois estão enterrados lado a lado no Cemitério Real de Frogmore, na Inglaterra.
E onde estariam William e Harry se não fosse essa história toda?
Se a história tivesse seguido o rumo tradicional e Edward não tivesse abdicado do trono britânico – fosse por abandonar a mulher que amava, fosse por o casamento deles ser aceito pela Igreja Anglicana –, William e Harry hoje seriam condes e estariam provavelmente ali pelo 26º lugar na linha de sucessão.
Imaginando que em uma realidade paralela todas as pessoas envolvidas tivessem nascido e morrido nas mesmas datas, quando Edward morreu, em 1972, seu irmão Henry assumiria o trono – Edward não teve filhos. Ele ficaria dois anos como rei e morreria em 1974, deixando o reinado para o príncipe Richard, nascido em 1944, que seria rei hoje. O próximo na linha de sucessão seria Alexander, filho de Richard nascido em 1974, que atualmente é conde. É ele justamente o 26º na fila real de hoje.
Apesar de ser mais velho que Richard, o pai de Elizabeth II não subiria ao trono porque morreu em 1952. E ela não teria chance por ser mulher, por isso o reinado iria automaticamente para Richard.
Elizabeth continuaria sendo princesa, porque é uma das sobrinhas de Edward. Porém, seus filhos – Charles, Edward, Andrew e Anne – seriam duques e duquesa. E seus netos, entre eles William e Harry, seriam condes e condessas.
Claro que para isso também precisamos levar em consideração que todos os casamentos tivessem acontecido. Será que, estando longe do trono, Elizabeth teria se casado com Philip e tido seus quatro filhos? Se sim, será que teriam feito tanto esforço para casar uma mulher nobre e exemplar como Diana com Charles, um duque sem chances de ser rei?
São muitas perguntas sem resposta. A única certeza é que, sem Wallis Simpson, tudo teria sido muito diferente.