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Famosos contribuíram para rede de pedofilia de Jeffrey Epstein, diz série

Lisa Bryant, diretora do documentário "Jeffrey Epstein: Poder e Perversão", conversa exclusivamente com CLAUDIA

Por Ana Claudia Paixão
Atualizado em 6 jul 2020, 18h01 - Publicado em 9 jun 2020, 03h30

No início dos anos 2000, o empresário americano Jeffrey Epstein era visto como um Grande Gatsby moderno – o personagem do clássico de F. Scott Fitzgerald que na última versão do cinema foi interpretado por Leonardo DiCaprio. O mistério em torno da fortuna e da vida de Epstein despertou o interesse da revista Vanity Fair, que chegou a publicar um artigo, mas nem se aproximou da monstruosidade da verdadeira identidade de Epstein.

Assim como Gatsby, Epstein passou a ser conhecido quando já era milionário em Nova York. Descrito como um sedutor, era influente e fazia as vezes de anfitrião em festas em sua ilha particular no Caribe. Às vezes, ele aparecia com a socialite Ghislaine Maxwell nos eventos do jet-set, mas os dois nunca assumiram um compromisso sério.

A verdade sobre Epstein é que ele comandava uma rede de prostituição e exploração de menores. Por mais de 20 anos, famosos, políticos e outros milionários que sabiam sobre o esquema evitaram denúncias. Assim como Gatsby, a vida de Epstein também teve um fim trágico, com seu aparente suicídio, há menos de um ano, quando estava preso em Nova York. Naquela época, a diretora Lisa  Bryant já estava na fase final do documentário Jeffrey Epstein: Poder e Perversão, uma produção exclusiva da Netflix que foi lançada no início do mês.

Com imagens de arquivo e depoimentos das sobreviventes, o documentário de 4 episódios é eletrizante. Lisa conversou com CLAUDIA por telefone de Nova York. Ela acredita que há espaço para continuação e que essa é uma história de pesadelos e desfechos inesperados.

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(Divulgação/Netflix)

Como você se envolveu nesse projeto? Ele ainda estava vivo quando vocês estavam gravando, não?
Sim, ele estava vivo e já estávamos gravando há 8 meses quando ele foi preso. Eu entrei para o projeto porque os produtores sentiram que esse era um documentário que precisava da visão feminina.

Você sabia quem era Jeffrey Epstein?
Sabia, mas quanto mais eu descobria, mais eu ficava com raiva. Não conseguia acreditar que isso tudo estava acontecendo com o conhecimento de algumas pessoas. É impressionante como poder e dinheiro puderam esconder esses atos odiosos por tanto tempo. Eu também me abalei com a corrupção e as coisas que se desenrolaram quando descobri sobre o acordo que ele fez com a Justiça americana quando, na verdade, com qualquer outro a pena seria prisão perpétua. Ele se livrou com um tapinha na mão.

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Parte do problema no julgamento foi a identificação das vítimas como prostitutas, porque ele pagava a elas. Isso mudou, em partes, depois do movimento #MeToo.
Elas precisavam de respeito e não serem classificadas como prostitutas e mentirosas. Epstein tinha um exército de advogados poderosos que ajudaram a dar essa imagem para essas meninas adolescentes, de prostitutas. Elas até poderiam ter fotos nas redes sociais bebendo e usando biquíni, mas usar isso contra elas é simplesmente errado. O que eu queria com esse documentário era mostrar para as pessoas que isso acontecia abertamente e que nenhuma autoridade ou nenhum milionário deveria ter liberdade para fazer isso. Esse documentário deveria ser um chamado para ação para vejam que o sistema americano está quebrado e que foi construído para manter o poder político. Eu espero que aprendam com ele.

Qual o principal desafio para contar essa história?
Mantê-la simples. É uma história complexa e o público fora dos Estados Unidos nunca ouviu falar em Epstein e não teria uma noção do escopo. O nível que a rede alcança é inimaginável. Além do abuso das mulheres, a história pessoal de Epstein, seu padrão, sua maneira criminosa, suas mentiras, seu abuso de mulheres, como conseguiu manter a reputação apesar de tudo. O que fica claro no documentário é que ele sempre ia agir como queria e conseguir o que queria, não importa com quem. Ele se acreditava acima da lei e achava que era o homem mais inteligente do universo. E o fato de que conseguiu viver assim por tanto tempo é chocante.

Seu roteiro tem sensibilidade com as vítimas, mas ainda hoje parece que elas têm que se justificar para poderem ser ouvidas, quando não é essa a questão…
Era ilegal. Elas eram menores de idade. Elas não podem ser julgadas como adultas, elas foram manipuladas a participar, treinadas, ele tinha uma máquina azeitada e um manual que seguia passo a passo. Todas as histórias dessas mulheres se somam. Elas não se conheciam, não tinham como inventar e bater todos os detalhes. Foi uma loucura ouvir quase o mesmo padrão por tantos anos e tantas mulheres. Mesmo se tivessem 20 ou 21 anos, ainda assim era tráfico sexual. Elas foram traficadas para homens poderosos que eram cúmplices, não fizeram nada, não falaram nada. Foi cumplicidade que permitiu que esse comportamento continuasse.

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Jeffrey Epstein quando foi preso pela polícia da Florida como predador sexual, em 2013 (Florida Department of Law Enforcement via Getty Image/Getty Images)

Ele tentou impedir a produção do documentário?
Ele estava ciente de que estávamos gravando e até onde eu saiba não tentou fazer nada. Nós tomamos muitas precauções para ter certeza que protegeríamos o material, guardávamos tudo em uma sala selada e controlada por câmeras de segurança. Nós pedimos entrevistas formais com ele, mas ele recusou através do advogado Alan Dershowitz, que aparece no documentário. Batemos em sua porta e ele não atendeu. De repente, da noite para o dia, a história toda muda e a pegada passa a ser noticiário, que é uma forma de gravar distinta da de documentários. Não tínhamos equipe disponível para a cobertura, tudo começou a mudar rapidamente depois de sua prisão. Tivemos que mudar nossa maneira de olhar e praticamente começar do zero. Não foi nada fácil. Antes era muito difícil convencer as pessoas a falarem dele, elas tinham muito medo enquanto ele estava vivo e não queriam estar associadas a Epstein. Depois que foi preso melhorou apenas um pouco, mas aí o mundo todo queria falar com as sobreviventes, as demandas passaram para centenas por dia. Virou uma história internacional de tão inacreditável que era.

“Elas [as sobreviventes] foram traficadas para homens poderosos que eram cúmplices, não fizeram nada, não falaram nada. Foi cumplicidade que permitiu que esse comportamento continuasse”

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A história está concluída com a morte de Epstein?

Está ainda se desenrolando e as investigações ainda não acabaram. As vítimas não receberam indenização, mas parece que vão conseguir reverter isso. Pessoas como Ghislaine Maxwell, que tem que ser questionada, seguem desaparecidas. Há co-conspiradores que estão em liberdade e eles facilitaram esse comportamento horroroso, participaram do esquema. Nosso documentário teve que parar, mas jornalistas seguem na história. O suicídio de Epstein essencialmente encerra a nossa narrativa, mas a história ainda está em desenvolvimento. O que importava para a gente eram as  histórias das sobreviventes, a perspectiva delas, a coragem e a profundidade de seus relatos. Nosso objetivo era dar elas a plataforma que foi negada por tantos anos, quase 30 anos. E elas nos deram o feedback de como mudou a vida delas. Elas se sentiram livres, melhor com elas mesmas de não ter mais que esconder, de não ter que sentir vergonha. Isso é o maior prêmio: saber que pudemos fazer a vida delas um pouco melhor. Mesmo que elas tenham sido privadas da conclusão, dele ter pago pelos crimes pelo resto da vida.

Há chance de ter mais episódios no futuro?
Sim, depende, claro, da Netflix. Se, por exemplo, Ghislane Maxwell for presa, é uma boa razão para retomar. Mas nem sabemos onde ela está ou o que está fazendo.

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Ghislaine Maxwell, parceira de Jeffrey Epstein (Matthew Polak/Sygma/Sygma via Getty Images/Getty Images)

Onde está Ghislaine Maxwell?
É a pergunta que vale um milhão de dólares. Todos querem saber, incluindo o FBI. A pressão está crescendo por parte das sobreviventes que querem que ela seja responsabilizada também e julgada. O acordo que a isenta ainda está válido, mas a batalha legal está feia para mudar tudo. Com a morte de Epstein, basicamente, argumenta-se que o acordo perde a validade. Essa discussão não pôde ser mencionada no documentário por questões de sigilo de justiça. É possível que o FBI já saiba onde está Ghislaine e ela esteja colaborando para ajudar a derrubar a rede de prostituição de menores, não se sabe nada de concreto. Mas, para as sobreviventes, é missão de vida chegar a todos os envolvidos e ela estava no topo da pirâmide. Vamos ter que acompanhar.

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