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Caetano Veloso fala sobre os filhos em entrevista exclusiva

Além de ser um compositor raro e genial, um cantor sensível e apaixonado, Caetano Veloso é o pai amoroso que junta os filhos em turnê que começa este mês

Por Patrícia Haergraves
Atualizado em 20 out 2017, 16h35 - Publicado em 20 out 2017, 16h35

Minha primeira vez foi com Caetano Veloso. Intensa, cheia de sons e sabores. O artista me introduziu na Bahia, terra onde eu nunca havia pisado até o inverno de 1996. Durante uma semana mágica, ele e sua mulher, a carioca Paula Lavigne, grávida do caçula, Tom, me apresentaram o que os baianos têm. O que parecia sem espaço para melhorar melhorou.

No último dia, fomos até Santo Amaro da Purificação, berço dos Veloso, para um almoço dos deuses, preparado pela matriarca da família, dona Canô. A esta altura, você já deve estar se perguntando por que lembrar disso agora. Pelas voltas que a vida dá. Mais de 21 anos depois, Caetano, 75 anos, tem uma primeira vez: a turnê na qual divide o palco com seus três meninos, Moreno, 44, Zeca, 25, e Tom, 20.

O show estreia no Rio de Janeiro, seguindo para Belo Horizonte e depois São Paulo. Há outros acasos que relembram aquele período. Então, senta que lá vem história.

O caminho até a capital baiana foi longo. A negociação para a entrevista a Caras, que buscava mostrar a família na intimidade, levou meses. Quando autorizada, embarcamos para Salvador e nos hospedamos em um hotel, que só usávamos para dormir e tomar banho.

Os dias eram passados na residência de Caetano, no bairro do Rio Vermelho. Chegávamos cedo, brincávamos com Zeca e conversávamos com Paula. Notívago, o artista só despertava depois do meio-dia. Aparecia de sunga, pronto para o sol na piscina. Uma foto aqui, outra ali. Pausa para o almoço, regado a litros de Coca-Cola normal, muito assunto e pouca pressa.

Conversador, pousava os talheres para gesticular enquanto falava (jamais de boca cheia). Comia, inevitavelmente, frio. Só fez diferente quando visitou a mãe, em sua cidade natal. Ali, sentado à mesa, degustou tranquilamente um de seus pratos favoritos, a frigideira de maturi, uma fritada de castanha verde, típica da Bahia, preparada por dona Canô, acompanhada de farofa de mel. Pense em algo bom…   

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Naquela temporada, Caetano se refugiava no escritório da casa, compondo a trilha do filme Tieta do Agreste e escrevendo Verdade Tropical, livro que só chegaria às livrarias no ano seguinte. Aí vem outra sincronia que justifica meu relato. Sairá dia 18 a reedição desse título, mezzo autobiográfico, mezzo formação musical, com um capítulo introdutório novinho em folha, no qual ele reavalia situações e dá sequência a alguns temas.

Por exemplo, em 1997 se autodeclarava homossexual. “Não sou bi, homo ou hetero”, reformula agora. E conclui o raciocínio: “Somos sexuais”. As páginas atuais revelam a forte depressão que o abateu no lançamento do livro. O episódio, que incluiu pensamentos suicidas, levou o artista ao Rivotril, remédio que embala suas noites ainda hoje. O que nos dá um certo conforto. Como diz a música dele, de perto, ninguém é normal.

(Jorge Bispo/CLAUDIA)

CLAUDIA: Que características suas você enxerga em Moreno, Zeca e Tom?

Caetano Veloso: Eles são muito diferentes entre si, mas me reconheço em cada um deles. Fisicamente, Moreno é muito Gadelha (família de Dedé, primeira mulher de Caetano) e Zeca muito Lavigne (sobrenome de Paula, com quem está casado novamente). Nesse aspecto, Tom é o mais Veloso. Mas me lembro de, ao ver o filme Uma Noite em 67 (de Renato Terra e Ricardo Calil sobre o festival de MPB daquele ano), olhar minha imagem e ver Zeca ali. Os três têm boa índole e são carinhosos. Fico orgulhoso quando encontro algo meu em suas qualidades. Conversar com eles é fácil. Entendem logo o que mal esboço dizer.

CLAUDIA: Em 1996, você disse que o nascimento do Moreno foi a maior mudança de sua vida. Maior que a prisão e o exílio. E o Caetano avô?

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Caetano: Sim, a chegada de Moreno foi o grande acontecimento de minha vida adulta. Uns dois anos antes, eu ainda pensava que nunca ia ter filhos. Sou muito mais feliz, sou maior e melhor por causa dele. Quando Zeca e Tom vieram, eu já sabia a maravilha que isso era. Tenho dois netos lindos e especiais, Rosa (11 anos) e José (9 anos), ambos muito inteligentes. Aprendi a gostar de criança com Moreno. Tenho orgulho dos meus netos e sinto profunda ternura e amor por eles. Mas eu era muito grudado a meus filhos quando eles eram meninos. Rosa e José são filhos de Moreno e Clara (Flaksman), é deles que os dois estão sempre perto.

CLAUDIA: Quais os maiores orgulhos e arrependimentos na criação desses homens? Faria algo de diferente?

Caetano: Não tenho nenhum arrependimento. Se eu tivesse mais alma pra dar eu daria. Tenho muito orgulho de eles serem tão atenciosos e educados com todos com quem têm contato.

CLAUDIA: Seria diferente se tivesse exercido a paternidade de uma mulher?

Caetano: Sem dúvida criar uma menina teria sido uma experiência diferente. Depois que Moreno nasceu, quis uma filha. Dedé e eu tivemos uma menina, que se chamou Júlia, mas morreu depois de nascer prematura. Moreno já tinha 5 ou 6 anos. Ele, a mãe dele e eu choramos muitos dias por causa disso. Quando Paulinha ficou grávida de Zeca, quisemos que fosse uma menina porque eu já tinha Moreno. Depois que eles foram crescendo, passei a achar  maravilhoso que sejam todos homens. Isso porque eu os amo tanto que não quero nada diferente do que são.

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CLAUDIA: O que você cantava para ninar seus meninos?

Caetano: Muitas coisas. Casinha na Marambaia pra Moreno, que foi a primeira música que ele aprendeu a cantar; Três Apitos pra Zeca. Quando ele ouviu a gravação de Aracy, no ano passado, chorou -– por causa do estilo de Aracy. Ele não lembrava da canção, que ouviu entre tantas outras ao adormecer. Há uma cantiga chamada Feiticeira, que nossas tias e primas entoavam para nos ninar em Santo Amaro, que eu cantei muito para os dois. Zeca, já pré-adolescente, me pedia na hora de fazê-lo dormir. Bethânia chegou a gravar essa canção.

Eu também inventava melodias só para niná-los. Tudo, Tudo, Tudo, que criei para Moreno, cheguei a gravar. Ninei muito Tom, mas ele parecia não gostar de que eu cantasse. Quando começou a falar, pedia para eu calar a boca. Dormia muitas vezes nos meus braços, mas eu o balançava calado. No entanto, hoje é o mais apaixonado por música. Toca violão o dia todo, faz parte da banda Dônica, de jovens músicos virtuosísticos, e tem gosto musical exigente e definido.

CLAUDIA: Como é sua relação com Rosa e José?

Caetano: Já disse que não sou grudado a eles como fui – e ainda sou, na medida do possível – com meus filhos. Amo muito os dois. Por serem filhos de Moreno e por terem as personalidades apaixonantes que têm. Uma das grandes felicidades que senti ultimamente foi numa noite em que fui buscar Rosa para ir a um encontro com Freixo (o deputado estadual Marcelo Freixo, do PSOL) na casa de Paulinha. Moreno e Clara não estavam e ela veio sozinha comigo no carro.

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Antes, quis me mostrar o quarto dela. No carro, conversamos sobre uma pergunta que ela me fez a respeito da expressão “o um” na letra de Gente (“Gente olha pro céu/ Gente quer saber o um./ Gente é o lugar/ De se perguntar o um”). Ela me fez rir com sua inteligência. Uma noite, em Salvador, Moreno ia botar os dois na cama e me chamou. Eles gostam de O Leãozinho, e o pai sempre canta essa canção pra eles dormirem. Cantamos juntos. Fiquei emocionado.

CLAUDIA: Estar com a Paula colaborou na decisão dessa turnê em família?

Caetano: Paulinha traz muita energia. Ela faz as coisas andarem, exige que funcionem. Assim ela trata esse projeto meu com meus filhos. Quando eu falava que tinha vontade de produzir isso, já faz um tempo, ela tinha dúvidas. Tom estava na Dônica, Moreno toca a carreira dele, Zeca não queria entrar nessa vida. Ele tinha umas músicas lindas, mas não queria se profissionalizar. Mais recentemente Paulinha se animou e foi quem convenceu o Zeca. É ela quem segura todas as barras para realizá-lo.

CLAUDIA: Trabalho e família sempre caminharam juntos na sua vida. Quais as vantagens e desvantagens disso?

Caetano: Para mim é natural. Moreno é primo carnal de Preta Gil (com quem Moreno já trabalhou). Somos um pouco como gente de circo. Paulinha gosta muito de dizer isso. Tudo na vida tem vantagens e desvantagens. Conheci um grande músico português que fazia questão de deixar os filhos distantes da visibilidade dele como artista.

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Eu sempre fui diferente. É que fui anônimo até os 25 anos. Depois, no exílio, voltei a viver anonimamente. Tenho no Brasil, na Argentina, no Uruguai e em Portugal, possivelmente em Angola e Cabo Verde, talvez em Moçambique, uma vida de homem famoso. Nunca desgostei da vida de anônimo nem da de célebre. E gosto de sentir meus filhos perto de mim, com tudo o que eu sou.

CLAUDIA: Como seus filhos influenciam sua música?

Caetano: Primeiro, com a mera existência deles, que mudou minha sensibilidade. Depois, com o gosto e a inteligência de cada um. Por fim, com a natural intimidade que eles têm com coisas de suas gerações. Zeca me mostra o que eu não teria descoberto sozinho: de James Blake (compositor londrino de música eletrônica) a Kendrick Lamar (rapper americano).

Tom me ensina critérios de escolha dentro da tradição e das novidades do funk e do pagode. Ele é, além de músico refinado, jogador de futebol. Moreno me aponta coisas de áreas diferentes, como Buika (cantora espanhola), composições orientais, indígenas, indianas, do Mali, profundas sacadas napolitanas. E todos têm estilo próprio. O jeito de cada um cantar, tocar, criar e ouvir me ensina sempre e muito.

CLAUDIA: De quem surgiu a ideia do show com os filhos?

Caetano: De mim. De bem dentro de mim. Eles não imaginavam isso. Com Moreno, eu tinha feito um show lindíssimo, na série Pais e Filhos, em um Sesc de São Paulo. Depois que Zeca e Tom mostraram muita criatividade musical, comecei a sonhar em fazer com os três. Felizmente eles aceitaram.

CLAUDIA: A relação no palco é de colegas ou de pai com filhos?

Caetano: É tudo.

CLAUDIA: Como convive hoje com as mulheres, tão cientes de seus direitos e que reafirmam isso a toda hora?

Caetano: Assunto interessante para nosso grupo todo masculino. Eu, pessoalmente, sou feminista desde pequenininho. Felizmente vejo meus filhos serem muito delicados com as mulheres com quem se relacionam. A começar pelas mães.

CLAUDIA: Quando você se vê sendo dona Canô com os filhos e netos?

Caetano: Nisso me identifico muito com meu pai (José Teles Velloso). Mas sou apaixonado pelos filhos como uma mãe. De todo modo, há uma canção (Ofertório) que fiz para os 90 anos de minha mãe, cuja letra é na primeira pessoa e é como se fosse ela falando. Vou cantá-la no show como se eu pudesse me referir a eles como ela se referia a nós. Eles incluídos.

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