“A Perseguição” e o instinto de sobrevivência
Leandro Quintanilha comenta novo filme de Liam Neeson
“A Perseguição”: em cartaz nos cinemas
Foto: Divulgação
Quem lê a sinopse ou vê o trailer de “A Perseguição“, de Joe Carnahan, em cartaz nos cinemas, pode achar que se trata de mais um thriller de ação comercial. Mas é uma história paradoxal, quase filosófica: um caçador deprimido e suicida precisa lutar pela sobrevivência depois de um acidente aéreo no Alasca. Por que ele precisa viver?
O trabalho de Ottway (Liam Neeson, de “A Lista de Schindler”) é proteger uma equipe de petroleiros dos animais que habitam a região. É um grupo de renegados: viciados, ex-presidiários, rebeldes, gente que não conseguiria trabalho em outro lugar. Quando embarcam rumo à civilização para as férias, o avião, em condições tão ruins quanto as de seus passageiros, cai na neve.
Por seu conhecimento sobre lobos, um perigo maior do que o frio, Ottway se torna o líder natural do pequeno grupo de sobreviventes. Mas ele é atormentado por lembranças ternas da mulher que perdeu e já havia decidido se matar. Naquele fim de mundo gelado, não há homens enfrentando a natureza apenas, mas lutando também contra a vida que levaram até ali.
Uma vertente da antropologia afirma não que não existem instintos na espécie humana, exceto o do bebê que suga o seio da mãe em busca de alimento. Todos os nossos outros supostos instintos, como o da maternidade e o mesmo o de sobrevivência, podem variar entre culturas e indivíduos. Há mães que matam filhos que nascem com o “sexo errado” ou que abandonam bebês inoportunos em lixões. Há homens-bomba.
Por outro lado, muitos países mantêm a legítima defesa em seu código penal, por entender que o direito de defender a própria vida é superior ao crime de matar quem a ameaça. Instinto ou não, essa reação é tida como esperada, aceitável e natural.
Em “A Perseguição”, é possível ver que o protagonista luta ao mesmo tempo contra uma depressão profunda e os riscos que a natureza estabelece, como desgraças que se sobrepõem. Mas há uma outra interpretação possível: a luta contra o frio e os animais dá ao caçador um sentido provisório para a vida – sobreviver. Desgraças que se contrapõem.
Por algum motivo misterioso, o desejo de morrer não é o mesmo que desejar estar morto. E um suicida talvez não seja aquele que quer se matar. Mas apenas quem de fato consuma o ato. A depressão é um lobo feroz que pode ser domado. Quem deseja morrer ainda pode se convencer do contrário.
Fique no cinema até o fim dos créditos. Como na vida, uma última cena pode engrandecer o significado da obra.
Leandro Quintanilha trabalhou no Estadão e no UOL. Hoje, escreve para revistas. Ele adora livros, séries e filmes, que prefere analisar pela perspectiva comportamental. Leandro confessa que acha muito esquisito escrever sobre si mesmo assim, na terceira pessoa.
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